Pernod tempera aquisições com anis

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Operações ousadas do filho do fundador ajudaram a construir a segunda maior fabricante de destilados

 

Em seu escritório forrado com painéis de madeira e vista para uma bonita praça parisiense, Patrick Ricard, 65, lembra que quando assumiu o comando da fabricante de pastis (bebidas alcoólicas aromatizadas com anis) fundada por seu pai, Paul, sua ambição era crescer fora da França. "Mas eu não sabia como fazer isso - pensávamos no dia em que obteríamos 30% de nossas receitas fora da França. Hoje, essa proporção é de 90%."

 

O ano era 1978, ele tinha apenas 33 anos e, embora muitas companhias tenham mudado desde então a ponto de não ser mais reconhecidas, nenhuma no setor de bebidas destiladas passou por uma transformação tão radical quanto a Pernod Ricard nos 30 anos em que ela está sob seu comando.

 

A empresa familiar sediada em Marselha é especializada na produção de pastis - que nem é mais a bebida favorita na França. Mas após uma série de aquisições internacionais ousadas, elaboradas por Ricard, a Pernod tornou-se a segunda maior fabricante de destilados do mundo em vendas - logo atrás da líder Diageo, do Reino Unido -, com marcas como a vodca Absolut, o uísque Chivas Regal e o gin Beefeater. Sua ambição é ser a líder mundial.

 

Severin Brizay, diretor de fusões e aquisições do JP Morganem Paris, que aconselhou a Pernod em todas as suas grandes compras, diz: "Eles descobriram uma receita vencedora para criar valor, usando principalmente o endividamento para financiar suas aquisições, o que é mais barato do que recorrer ao mercado de capitais. Eles pagam rapidamente as dívidas gerando um fluxo de caixa vigoroso que é alimentado pelas sinergias."

 

A Ásia é hoje o maior mercado da Pernod e ela tem na região uma exposição maior que seus principais concorrentes mundiais. Essa exposição é um dos motivos que transformaram sua ação em "queridinha" do mercado, apesar de seu endividamento de €10,6 bilhões e de seus bônus terem recebido a classificação "junk". Apenas 7 entre 35 analistas têm uma recomendação de venda ou de desempenho inferior à média do mercado para a Pernod.

 

O grupo atrai olhadelas invejosas da Moët Hennessy, parte da companhia de artigos de luxo LVMH, que apesar de ter marcas sofisticadas como o champanhe Dom Pérignon, não conseguiu aumentar sua participação no mercado mundial nos últimos dez anos, enquanto a Pernod dobrou a sua. Genial e prático, Ricard raramente concede entrevistas hoje em dia, para não interferir nas decisões de Pierre Pringuet, que está há muito tempo na companhia e para quem ele confiou o cargo de executivo-chefe há dois anos.

 

Enquanto Pringuet entrou para a Pernod há 23 anos, sob recomendação de um ex-ministro francês de quem foi assessor, Ricard aprendeu os ossos do ofício com o pai. "Não havia divisões entre o trabalho e a vida em família. Papai teria considerado uma traição se eu não entrasse para a Ricard. Ele tinha uma personalidade forte e, de qualquer maneira, naqueles dias era bom ser orientado sobre o que fazer", diz ele sobre seu ingresso nos negócios da família.

 

Quando assumiu o comando no lugar de Paul, Ricard trabalhou para tornar real o sonho do pai de fundir a Ricard com sua concorrente doméstica mais antiga e maior, a Pernod, o que aconteceu em 1975. "Na época, todas as grandes companhias eram britânicas ou americanas. Meu pai e Jean Hémard [presidente da Pernod] achavam que juntando seus recursos eles teriam mais chances de resistir a elas. Eles estavam certos", diz Ricard, que ainda ocupa a presidência do conselho de administração e é o maior acionista do grupo, com uma participação de 14%.

 

As equipes da Pernod e da Ricard tinham uma grande rivalidade. Tanto que em vez de forçá-las a trabalhar juntas, Ricard decidiu permitir que continuassem competindo entre si. Isso lançou as sementes do modelo descentralizado do novo grupo, no qual uma federação de companhias administra as marcas e as organizações de vendas em cada país. Ricard diz: "Isso significa que as decisões em cada país são tomadas por aqueles que devem tomá-las - os que estão no local."

 

Ricard assumiu uma postura compradora desde o começo, com a aquisição da Orangina(fábrica de refrigerantes que ele posteriormente vendeu para voltar a se concentrar nos destilados), da fabricante de uísque Irish Distillers, e da austrialiana Orlando Wines, fabricante da marca australiana de vinhos Jacob's Creek.

 

Mas foi somente 22 anos após assumir o comando que Ricard embarcou no que a Pernod chama de três "big bangs", que alavancaram a companhia para a grande liga dos fabricantes de bebidas.

 

Primeiro, a Pernod foi uma parceira menor da Diageo na aquisição dos negócios de bebidas da Seagramem 2000, pagando US$ 3,2 bilhões e a Diageo US$ 5 bilhões. Isso dobrou suas vendas de destilados e fez dela uma das cinco maiores fabricantes de bebidas do mundo.

 

Cinco anos depois, fez uma nova parceria, desta vez em termos iguais com a Fortune Brands, para a compra de uma das "anglo-saxãs" vistas como uma ameaça por seu pai - a Allied Domecq, do Reino Unido, na época a segunda maior fabricante de bebidas do mundo. Pringuet liderou a integração, que mais uma vez dobrou as vendas da Pernod. Ela mal havia digerido a aquisição quando uma outra oportunidade surgiu - a decisão do governo da Suécia em 2008 de leiloar a Vin & Sprit, fabricante da vodca Absolut.

 

Dessa vez a Pernod fez o negócio sozinha, mas o preço pago, €5,7 bilhões foi criticado por alguns analistas como muito alto, especialmente às vésperas da desaceleração econômica. Isso a ajudou a fazer uma emissão de direitos de subscrição de ações de €1 bilhão em 2009. Ricard admite que o aumento do endividamento em cada uma dessas vezes o amedrontou, mas a Absolut era uma marca mundial e reforçou de uma maneira crucial a presença da Pernod nos Estados Unidos - da quarta para a segunda posição, com uma participação de mercado de 14%.

 

Assim como acontece com a Diageo, a Moët Hennessy e a Rémy Cointreau, sua estratégia de "premiumização" - a Pernod alega que um ex-diretor de marketing inventou esse termo esquisito, que encoraja os consumidores a mudar para destilados mais caros - permite a ela pregar a responsabilidade ao beber, ao encorajar as pessoas a beberem menos, mas melhor.

 

As vendas líquidas saltaram de €1,9 bilhão em 2001 para €7,1 bilhões nos 12 meses até junho de 2010, e um investidor que aplicou €1 na companhia dez anos atrás conseguiu um retorno total de €3,9.

 

Os concorrentes maiores ficaram surpresos com o crescimento da Pernod? "Possivelmente. É por isso que você precisa estar alerta a todos - não existe essa história de concorrentes menores. Existe apenas concorrentes."

 

Próximo passo é ampliar participação nos EUA

 


A Pernod Ricard está determinada a elevar sua participação no lucrativo mercado de bebidas destiladas dos Estados Unidos, como parte de sua ambição de longo prazo de superar a Diageo, líder mundial em vendas no segmento.

 

O executivo-chefe da empresa, Pierre Pringuet, e o presidente do conselho de administração, Patrick Ricard, disseram que os EUA são uma área fundamental para a expansão do grupo, que cresceu de forma exponencial em dez anos.

 

"Um de nossos desafios é aumentar o tamanho da Pernod Ricard nos EUA", disse Pringuet. Ele ressaltou que o grupo não tem intenção de embarcar em aquisições até reduzir as dívidas contraídas na compra da Vin & Spirit, fabricante da vodca Absolut, em 2008.

 

"Até que não tenhamos obtido classificação de grau de investimento, não promoveremos aquisições. Isso está muito claro, já dissemos antes e vamos dizer de novo. Somos ousados, mas também prudentes", afirmou Pringuet.

 

A Pernod comprometeu-se com os investidores a reduzir seu endividamento líquido, atualmente em €10,6 bilhões, de 5,1 para cerca de 4 vezes o ebtida até junho de 2012, algo essencial para conseguir a classificação de grau de investimento.

 

O grupo parisiense "ainda tem uma estrutura de capital altamente alavancada, após uma série de aquisições transformadoras, financiadas essencialmente por dívidas, dos últimos dez anos", segundo analistas de crédito da agência Standard & Poor's. "A posição avançada da Pernod, no entanto, como uma das fabricantes líderes de bebidas destiladas, num mercado estável e gerador de caixa, abranda essa limitação." As metas de resultados do grupo para 2012 foram consideradas "realistas" pela Standard & Poor's.

 

O mercado dos EUA já está muito desenvolvido, mas ainda é o mais lucrativo do mundo e a Pernod está atrás da Diageo no país. A Pernod tem participação de 7,6% nas Américas, em comparação aos 12% da Diageo, segundo dados da associação setorial International Wine and Spirits Record.

 

As ambições da Pernod levam a supor que o grupo teria grande interesse na possível venda das bebidas alcoólicas da Fortune Brands, que inclui os bourbons Jim Beam e Maker's Mark e que traria um grande aumento nas vendas nos EUA. Uma oferta da Pernod, no entanto, dependeria de a Fortune só promover uma venda daqui a pelo menos 18 meses.

 

Pringuet disse que a Pernod vê várias oportunidades de crescimento orgânico, das próprias operações, na Ásia, América Latina, Oriente Médio e África, assim como nos EUA, onde ampliou seus investimentos em marketing no ano passado. Os EUA foram um mercado com crescimento bom para os vinhos do grupo.

 

Perguntado se via a Pernod superando a Diageo com ele ainda como presidente do conselho, Ricard, arquiteto da expansão mundial da empresa para 70 países ao longo de 30 anos, disse apenas que "é bom fixar metas".

 

Pringuet disse que "esperar não é uma atitude positiva". "Em vez de esperar o dia em que seremos o número um, decidimos adotar uma mentalidade de liderança - isso significa ser inovador."

 

Ricard garantiu que não se cogita a venda da marca Pernod, que não está mais entre as principais do grupo. "Seria algo estúpido. Pernod é o nome do grupo. Não faria sentido", afirmou Ricard. (SD)

 

No Brasil

 

A Pernod Ricardtem duas fábricas no Brasil, uma em Suape (PE) e outra em Resende (RJ). A unidade pernambucana é dedicada ao "blending" e engarrafamento dos destilados Ron Montilla, dos uísques Passport, Teacher´s, Natu Nobilis Wall Street e da vodca Orloff. Já em Resende, além dos produtos de Suape, a companhia fabrica ainda as cachaças Janeiro e São Francisco, o rum Malibu e outros destilados. Ao todo, emprega cerca de 300 pessoas, considerando o escritório administrativo, em São Paulo, o time de vendas espalhado pelo país e as fábricas. Em 2009, a Pernod Ricard Brasil vendeu sua divisão de vinhos, a Almadém, para o Miolo Wine Group (MWG), que inclui a gaúcha Lovara, a espanhola Osbornee a Randon, controladora do grupo fabricante de autopeças e implementos rodoviários.

 

Veículo: Valor Econômico

 

 

 


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