Crise na Rússia? Coca vê chance de crescer

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A economia russa entrou em parafuso. As fortunas de seus oligarcas industriais estão desmoronando.Começam a surgir conflitos sociais. Mas Muhtar Kent, novo diretor-presidente da Coca-Cola, não está assustado. 

 

"Já vi esse filme em versões menores várias vezes antes, em 1998 na Rússia, em 2001 na Turquia e América Latina", disse Kent recentemente ao comentar a crise financeira mundial. "Épocas como esta não são desculpa para se esconder e esperar a tempestade passar." 

 

A recessão prejudicou economias e empresas no mundo inteiro. A Coca representa o outro lado da crise: empresas que estão resistindo relativamente bem e esperam aproveitar este período de incerteza para expandir seus impérios. 

 

A Coca acaba de lançar uma nova campanha publicitária mundial para seu refrigerante epônimo e está procurando erguer uma operação internacional de sucos por meio de aquisições na América Latina, Rússia e China. Analistas esperam que a empresa apresente um aumento de 13% na receita de 2008, mas prevêem tempos mais difíceis pela frente - crescimento projetado das vendas de apenas 3,4% para 2009. 

 

Navegar pela turbulência daqui e de outros mercados em desenvolvimento será um teste importante para Kent enquanto ele consolida seu comando na gigante americana de bebidas, que assumiu em julho. A Coca, que vende mais de 400 bebidas diferentes ao redor do mundo, já conta a Rússia como seu 12o maior mercado em volume. 

 

Já é evidente há anos que o tradicional refrigerante da Coca não tem mais como crescer em seu quintal. Hoje em dia a empresa, que tem sede em Atlanta, Estado americano da Geórgia, obtém cerca de 80% dos lucros fora da América do Norte. Embora os mercados emergentes também estejam sendo atingidos pela desaceleração mundial, eles ainda são vistos como regiões que podem compensar o declínio que as vendas de refrigerante têm nos Estados Unidos desde 2005. 

 

No momento, contudo, a forte queda das commodities e a saída de capital abalaram a economia russa, preocupando a população e achatando suas poupanças. 
"O grande ponto de interrogação é o que essas pessoas vão fazer", disse Kent numa entrevista recente ao Wall Street Journal. "Elas vão parar de consumir?" 

 

Na Rússia, o volume total de bebidas não-alcóolicas - uma medida da quantidade de bebidas vendidas - caiu 2,6% em 2008, segundo a firma de pesquisa do mercado de bebidas Canadean Ltd. Em 2007 houve expansão de 13,2%. 

 

A Coca e a PepsiCo Inc. continuam a travar uma batalha furiosa pelo mercado local, uma frente importante em suas investidas globais. A Pepsi-Cola dominou a era soviética, antes de a Coca-Cola a ultrapassar no fim dos anos 90. Mas a Pepsi se recuperou nos últimos anos. Em 2008, a cola da Coca tinha 28% do mercado russo de bebidas carbonatadas, enquanto a Pepsi tinha 15%. Na categoria de bebidas não-alcóolicas, que inclui também chás, sucos e outras bebidas, as duas empresas continuam empatadas. Cada uma tinha 23,5% do volume total do mercado, segundo a Euromonitor International. 

 

Apesar de toda a pressão, Kent diz que a Rússia provavelmente se tornará um dos cinco maiores mercados para a Coca e suas engarrafadoras em termos de receita e lucro. A empresa afirma que aumentou sua participação no mercado local durante os três primeiros trimestres de 2008. (A Pepsi também afirma que ganhou participação de mercado.) 

 

Em vez de encolher as operações russas, a Coca está intensificando seus esforços, preparando o caminho para o que acredita que serão tempos melhores. Desde maio a empresa lançou pelo menos oito novas bebidas na Rússia, incluindo um energético com sabor cítrico, chás engarrafados, sucos e sua própria versão da tradicional bebida espumante local kvas. Para conquistar as pessoas que podem resistir ao preço das embalagens maiores, cada vez mais lojas comercializam as gordas latinhas de 236 ml. 

 

Para aumentar o consumo residencial, a Coca começou a comercializar garrafas de 1,25 litro e 1,5 litro. A idéia é ensinar os russos, que ultimamente cortaram as visitas ao restaurante, a tomar refrigerante em casa durante o jantar ou diante da TV. Também são mais visíveis ultimamente as bebidas baratas da empresa, que não levam as marcas Coca ou Sprite. 

 

Kent garante que o forte sistema de distribuição da Coca também é uma vantagem, já que o congelamento do sistema bancário russo dificultou que fornecedores e distribuidores consigam o crédito de que precisam para entregar as mercadorias - o que acaba deixando algumas prateleiras vazias. A Coca usa frota própria para fornecer produtos a umas 480.000 lojas em todo o país. A empresa dispensou os poucos distribuidores independentes que usava para sua linha de sucos. 
"Agora estamos transferindo mais e mais entregas para nossos caminhões por causa da crise, e ganhamos uma tremenda vantagem com isso", diz Kent. 

 

Em outra estratégia alimentada pela crise, a Coca manteve intacto o orçamento de propaganda na Rússia para tentar aproveitar o barateamento dos anúncios no país.
Filho de um diplomata turco, Kent, 56 anos, nasceu em Nova York e cresceu na Tailândia, no Irã e em outros países. Ele teve sua primeira experiência com o mercado russo de bebidas há 20 anos. Na época, E. Neville Isdell, o atual presidente do conselho, era diretor da divisão européia da Coca e contratou o arrojado jovem executivo para expandir as operações da empresa no Leste Europeu e em parte da antiga União Soviética. 

 

Naquela época o desafio era simplesmente levar as bebidas da empresa às prateleiras das lojas em países comunistas ou ex-comunistas. Para fazer isso, Kent fechou vários acordos de permuta. Ele ajudou a facilitar a exportação de vinho da antiga Iugoslávia, e de geléia e picles da Bulgária, para conseguir vender o xarope da Coca para esses países. 

 

Sedentos por qualquer coisa ocidental, os consumidores tomavam avidamente Coca e as outras marcas importantes da empresa, como Sprite. 
Nos últimos anos, com a economia alimentada pelos altos preços do petróleo e sob o comando do ex-presidente e atual primeiro-ministro Vladimir Putin, a Rússia começou a criar milhões de novos cidadãos de classe média. 

 

Inicialmente, os diretores da Coca esperavam que essa nova classe média evoluísse como havia acontecido com os consumidores ocidentais no século passado - respondendo a campanhas maciças na mídia que promoviam marcas estabelecidas como Coca e Pepsi. 

 

Mas os gostos da crescente classe consumidora da Rússia haviam rapidamente se tornado sofisticados. Gente como a estudante Tamara Treshcheva estão ignorando os refrigerantes em favor de bebidas que consideram mais saudáveis. "O refrigerante é ruim para você - tem açúcar e colorantes", disse ela enquanto percorria o corredor de um supermercado no centro de Moscou. Suas preferências são por "água, chá verde e sucos frescos que eu mesma espremo". 

 

Kent, que deve passar a acumular a presidência do conselho em abril, está ciente das mudanças. Mesmo em tempos difíceis "o consumidor precisa e quer mais escolha", diz. "Se você não lhes dá, alguma outra pessoa vai fazê-lo." 

 


Veículo: Valor Econômico


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