O reconhecimento da qualidade das cervejas artesanais produzidas em Minas Gerais aumenta a cada dia. Prova disso são as dezenas de prêmios conquistados por microcervejarias mineiras em concursos internacionais de cerveja.
A Verace, por exemplo, abriu as portas no bairro Jardim Canadá, em Nova Lima, Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), há 14 meses e já foi reconhecida nacional e internacionalmente, com premiações expressivas, como a medalha de ouro na Copa Cervezas de America. A cervejaria possui hoje em sua linha 13 rótulos. Na opinião do sócio Alessandro Fontenelle, um dos grandes pilares desse sucesso é a alta tecnologia usada nos processos, que garante a qualidade dos produtos. A fábrica tem capacidade instalada para 2 milhões de litros por ano.
Para Fontenelle, alguns fatores impulsionam o crescimento do setor, como a cultura local de incentivar o desejo de experimentar novos sabores, a renomada culinária mineira e o aumento do número de estabelecimentos que perceberam o desejo da população por cervejas especiais e introduziram de forma acelerada novos rótulos.
“Além disso, diversos eventos abertos ao público, aliados com o desenvolvimento cultural, permitiram difundir a cerveja artesanal ao grande público, fazendo com que novas fábricas surgissem regionalmente”, analisa. Ele diz que o público mineiro desenvolveu o paladar com o passar do tempo e aumentou a exigência por produtos mais nobres, o que fez com que as cervejarias buscassem cada vez mais entregar produtos de excelência para atender a demanda por produtos de alta qualidade.
O produtor explica que para construir uma fábrica que atende a todos os padrões requeridos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), é necessário um investimento significativo de tempo no planejamento de um processo fabril que possa garantir a manutenção de qualidade em todas as etapas de produção. “É preciso garantir a manutenção da qualidade dos insumos até o produto final que é envasado em barril ou garrafas”, completa.
Neste sentido, além do investimento em equipamentos, que pode atingir alguns milhões de reais, o mais importante, ele diz, é o investimento no processo, insumos de qualidade e procedência e, principalmente, equipe qualificada e altamente treinada, com as devidas ferramentas de controle, para que possam garantir qualidade e baixa variabilidade do produto.
Fontenelle acredita que os investimentos para montagem de uma fábrica de um milhão de litros/ano podem chegar a R$ 5 milhões. “O preço médio dependerá do produto. Porém, os tipos que são altamente demandados, como as IPAs (IPA, ou India Pale Ale, é bem famoso entre as cervejas especiais. Possui um amargor clássico e alto teor alcoólico), espera-se um preço para o consumidor final entre R$ 25 a R$ 35/garrafa (500 ml).
Crescimento acelerado - A Cervejaria Loba, com apenas três anos de funcionamento, é outra que acumula prêmios. Ganhou as medalhas de prata e bronze no Concurso Brasileiro de Cervejas, em Blumenau, Santa Catarina, e faturou também a de bronze na Copa Cervezas de America, realizada no Chile no ano passado. Localizada no município de Santana dos Montes, a 130 quilômetros de Belo Horizonte, o volume de produção varia de acordo com cada estilo de cerveja e depende exclusivamente da demanda. “Normalmente as cervejas premiadas são as mais procuradas. O preço médio gira em torno de R$ 10 a R$ 15 a garrafa de 330 ml”, explica o dono da Loba, Aloísio Rodrigues Pereira.
Para ele, o desenvolvimento das cervejas artesanais em Minas Gerais está bastante acelerado em razão do aumento da demanda pelos consumidores. “Hoje, muitas cervejarias de pequeno porte estão surgindo, ofertando bons produtos em vários municípios do Estado”, afirma.
Na opinião do produtor, o mercado também é impulsionado pela paixão do mineiro pela cerveja artesanal e pelo fato de a RMBH estar se tornando um polo cervejeiro, com fácil aquisição de equipamentos, insumos e pessoal especializado na produção de cervejas artesanais. “A geração de empregos está relacionada a variáveis como produção e logística, e a tendência é de crescimento, pois as cervejarias que permanecerem no mercado certamente irão ampliar a capacidade dessas variáveis, aumentando significativamente o número de empregos”, avalia.
Dono da Prussia Bier e mestre cervejeiro, Fernando Cota destaca o crescimento anual da empresa, em torno de 20% no volume de produção, e atribuiu a boa performance à difusão da cultura cervejeira no Estado como principal mola propulsora do desenvolvimento do setor. “Em 2014, quando entramos no mercado, já existiam uma boa quantidade de microcervejarias em Minas, quase todas de porte razoável. O que temos observado de lá pra cá é que a quantidade de cervejarias continuou crescendo, porém, grande parte delas de um porte menor e já nota-se também uma descentralização da região metropolitana”, analisa.
Descentralização - Para ele, a descentralização dá amplitude ao Estado e o porte menor das cervejarias traz maior aproximação com as cidades e as pessoas. Cota acredita que o crescimento também esteja sustentado por uma demanda reprimida de produtos classe A. “Nosso Estado tem em suas raízes o esmero no preparo de alimentos e bebidas, mesmo nos lugares e encontros mais simples. Isto é uma característica nossa. O que a cerveja artesanal faz é atender a esse anseio pela qualidade, cuidado com a receita, e com a coisa pensada para determinada lugar, época e ocasião”, completa Cota.
A cerveja tipo pilsen da Prussia foi eleita a terceira melhor de Minas Gerais em 2016 e a estilo IPA foi premiada com a medalha de bronze na Copa das Cervezas de America em outubro de 2017. “Foi a única cerveja do estilo English IPA a receber premiação”, destaca Cota, dizendo que a produção dela saltou de pouco mais de mil litros por mês para 2 mil litros. “Com o prêmio, a procura subiu bem. Tudo que se produz dela é vendido hoje. O estoque é quase zero. O preço na prateleira da nossa garrafa varia de R$ 18 a R$ 25”, comemora.
A Prussia Bier é a primeira cervejaria do Médio Piracicaba. Sua fábrica em São Gonçalo do Rio Abaixo possui 300 metros quadrados e tem a capacidade de produzir até 28 mil litros por mês. Uma de suas inovações tecnológicas é possuir um sistema de reaproveitamento total de água, evitando desperdícios durante o processo de produção. A sua primeira brassagem data de 17 de novembro de 2014. A fábrica gera 12 empregos diretos e a capacitação de mão de obra é feita, em sua grande maioria, no trabalho. “As escolas cervejeiras são um negócio/tendência, mas nem sempre você consegue um profissional formado. Os profissionais têm vindo de outras indústrias”, observa, dizendo ainda que isso tende a mudar nos próximos anos. “Em Belo Horizonte já temos excelentes cursos para produção e avaliação sensorial de cervejas”, completa.
Criação de apl catapultou setor
Fundada em setembro de 1998, a Cervejaria Backer, instalada no bairro Olhos D´água, região do Barreiro, em Belo Horizonte, também recebeu vários prêmios em 2017, destaque para o Ouro (Backer Pilsen) no Concurso Brasileiro das Cervejas, em Blumenau (SC) e o Ouro do South Beer Cup, de Mar Del Plata, na Argentina, com sua artesanal Bravo. “Cada estilo de cerveja tem uma receita específica, nossa cerveja Bravo, por exemplo, uma das cervejas mais premiadas do Brasil, leva quatro meses para ficar pronta e, como consequência, apresenta custo de produção muito maior que uma cerveja do estilo pilsen”, explica a diretora de marketing e sócia da Backer, Paula Lebbos.
Ela diz que há 20 anos o setor enfrentava muitas dificuldades mas, hoje, o mercado é reconhecido, principalmente depois da criação do Arranjo Produtivo Local (APL), que permitiu as empresas trabalharem de forma cooperada e sinérgica, gerando valor, aumentando a competitividade e ajudando a definir políticas públicas adequadas para a realidade local. Na visão de Paula, o reconhecimento do setor pelo governo potencializou a produção e tem auxiliado no comércio dos produtos.
Mas ainda há questões para resolver. Ela diz que a carga tributária impede os produtores de praticar preços melhores e mais competitivos. “Nossas cervejas são produzidas com as melhores matérias-primas, que são diretamente ligadas à flutuação do preço do dólar”, explica. A mão de obra especializada e as linhas de produção específicas para cada estilo de cerveja são outros gargalos. “Os processos dependem de pessoas. Mas a nossa mão de obra está cada dia mais capacitada. Hoje temos várias escolas conceituadas do Brasil e no exterior ministrando cursos e graduando pessoas”, elogia.
Panorama - De acordo com dados do Sindicato das Indústrias de Cerveja e Bebidas em Geral do Estado de Minas Gerais (SindBebidas), há no Estado 65 cervejarias artesanais, sendo 33 na Grande BH, 11 na região Sul do Estado, 13 na Zona da Mata, quatro no Triângulo Mineiro e outras quatro na região Oeste. Segundo o superintendente executivo do SindBebidas, Cristiano Lamêgo, o volume de produção total é de 1.550.000 litros por mês, o maior Estado em volume de produção. Em número de microcervejarias do Brasil, Minas está atrás apenas de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo, este com 122 plantas cervejeiras, 20% do total no País.
Mas a posição no ranking nacional poderá ser melhorada em breve. Lamêgo revela que o SindBebidas está neste momento executando um projeto de criação da identidade das cervejarias artesanais mineiras. Ele poderá ser implantado este ano. É uma ação apoiada pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que visa delinear estratégias de mercado de maneira coletiva, através da criação de uma marca coletiva.
Ações públicas - O superintendente também destaca outras medidas, como a do governo mineiro, que em julho de 2017 reconheceu o Arranjo Produtivo Local (APL) cervejeiro da Grande BH. Para ele, esse reconhecimento irá contribuir para a construção de políticas públicas adequadas para o setor.
Nesse sentido, ele diz que as microcervejarias da Grande BH têm investido maciçamente na construção de espaços destinados ao recebimento de turistas, com infraestrutura completa para visitação da produção e degustação dos produtos. Por outro lado, ele cita a existência de diversas promoções de cervejas artesanais na Grande BH e em todo o Estado que também vêm incrementado o setor. “São eventos já consolidados que se tornaram excelentes canais de distribuição de cerveja artesanal.”
Na visão de Lamêgo, o mercado brasileiro de cervejas artesanais está em franca expansão, registrando crescimento médio de faturamento de 21% ao ano.
Pujança - Até o mês de junho, eram 610 empresas nessa categoria e, em apenas cinco meses, foram mais 65 novos registros, somando 675. A informação sobre o crescimento de 10% no número de cervejarias foi obtida pela Associação Brasileira das Cervejarias Artesanais (Abracerva) junto ao Ministério da Agricultura, Abastecimento e Pecuária (Mapa).
A Abracerva acredita que esse crescimento é apenas um reflexo do que está por vir. “O mercado está amadurecendo e a demanda do consumidor aumentando. A busca por produtos categóricos mostra que a exigência do cliente reflete na qualidade dos fabricantes”, afirma o presidente da entidade, Carlo Lapolli.
A maior parte da fabricação das bebidas se concentra nas regiões Sul e Sudeste, porém todas as regiões do Brasil estão investindo nesse tipo de produção. Para Lapolli, o paladar dos consumidores está mais refinado, o que torna o mercado das artesanais mais competitivo. “Hoje, a maioria dos bares oferece cervejas artesanais em razão da demanda dos consumidores. Muitos bares estão optando por disponibilizar apenas rótulos artesanais independentes ao invés dos comerciais”, diz.
Ele explica que há espaço para o crescimento e não é necessário um investimento exorbitante para o surgimento de novas cervejarias. “Normalmente a produção se inicia como ciganas. Assim, o consumidor pode optar por novos rótulos e as fábricas têm a opção de começar terceirizando o trabalho”, explica.
A partir de janeiro de 2018, as cervejarias com faturamento inferior a R$ 4,8 milhões, poderão aderir ao Simples. O que é considerado pelos especialistas um pequeno passo do governo federal para incentivo a essa cadeia produtiva.
Fonte: Diário do Comércio de Minas