A evolução dos malbecs dispensa mudança de estilo

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Foi realizado na semana passada na cidade de Mendoza, principal centro vitivinícola da Argentina - a província representa mais de 70% da produção do país - o 4º Foro Internacional Vitivinicola 2008. O evento é uma iniciativa da Bodegas de Argentina, que, ao contrário da Wines of Argentina, responsável por promover o produto no exterior, é uma câmara empresarial que congrega 220 das principais vinícolas locais e tem por objetivo dar maior representatividade e apoio ao empresário do setor.
 
 

O tema do encontro, "La Competitividad en Entornos Cambiantes" (A Competitividade em Cenários em Transformação), vem de encontro aos anseios dos produtores locais que, a despeito dos números positivos que o país vem apresentando no mercado internacional nos últimos cinco anos, querem e precisam exportar mais. A abertura dos trabalhos trouxe o professor e pesquisador da Universidade Austral, Juan José Llach, que discorreu sobre as perspectivas da economia argentina, base para aproveitar a palestra do especialista holandês Arend Heijbroek sobre "Grandes Tendências do Mercado Mundial de Vinhos".
 

 
Especificamente para falar sobre o que acontece nos Estados Unidos foi convidado Jon A. Fredrikson, presidente de uma das mais influentes firmas de consultoria da industria do vinho americana. Os bons resultados que a Espanha tem alcançado internacionalmente em termos vinícolas, ensejaram duas palestras: a de Rafael Del Rey, diretor geral da Federación Española de Vinos, falando sobre as mudanças implantadas nos vinhedos espanhóis - incentivo a extinção de vinhedos de baixa qualidade e plantação em áreas mais nobres, entre outras medidas -; e a de Carlos Falcó, um dos pioneiros na modernização da viticultura e elaboração de vinhos de qualidade na Espanha. Falcó, que tem o titulo de Marquês de Griñon e uma bodega com seu nome, enfatizou que "no solo hay que hacer buen vino, sino que hay que explicarlo. Hay que comunicar que se tiene un vino excelente y yo dedico a eso la mitad de mi tiempo".
 

 
O Brasil, por ser um mercado prioritário para a Argentina - é, junto com o Canadá, o terceiro maior importador, atrás de Estados Unidos e Reino Unido, e é responsável por cerca de 28% dos vinhos consumidos pelos brasileiros (o Chile tem 33%) - mereceu especial atenção. Rogério d´Avila, diretor de vendas da Expand, e eu, fomos convidados para explicar particularidades do consumo de vinhos no país, sob o ponto de vista de cada um: o comercial, e a tendência e posição frente aos rótulos nacionais. Não faltaram perguntas sobre medidas de proteção ao vinho brasileiro - na semana que vem haverá nova rodada de negociação entre representantes do setor dos dois países em Bento Gonçalves -, reflexos da "Lei Seca", e, o porquê dos chilenos venderem mais é uma questão de antecedência, não de necessidade de mudar o estilo.
 

 
Aliás, os que levantam a questão da necessidade de mudar de estilo, não são, sem dúvida, os produtores de vinhos de alta gama, em estado de graça com as pontuações que alguns de seus rótulos alcançaram recentemente na Wine Advocate - não confundir com Wine Spectator -, publicação do crítico Robert Parker. Quem assinou a matéria foi seu colaborador Dr. Jay Miller, atual encarregado de degustar vinhos sul-americanos e espanhóis. Não há dúvida, os malbecs, sobretudo mendocinos, continuam, como um todo, em nítida evolução qualitativa. Se eu ainda tivesse dúvidas a respeito, elas estariam desfeitas, ao menos diante da bateria de vinhos e amostras provadas na Bodega Monteviejo, integrante do projeto Clos de los Siete, aproveitando o dia seguinte do Fórum, antes de pegar o avião de volta, à noite.
 

 
Relembrando, o Clos de los Siete nasceu há cerca de dez anos, quando o celebrado Michel Rolland, consultor que tem fortes ligações com o país andino - começou a dar consultoria para a bodega Etchart em 1988 - teve a idéia de juntar um grupo de produtores franceses de peso, seus clientes, para montar um projeto conjunto na Argentina. Isso começou a se materializar a partir de uma bela área de 850 hectares situada aos pés da Cordilheira dos Andes na então promissora região de Vista Flores, no Valle de Uco, a uns 120 km ao sul da cidade de Mendoza. O terreno, absolutamente virgem, foi dividido em sete parcelas, recebendo por isso o nome de Clos de los Siete - Clos é uma palavra francesa utilizada para designar uma propriedade fechada.
 

 
O conceito do Clos de los Siete era, e assim continua sendo, que o proprietário de cada parcela tivesse seu próprio vinho, com seu toque pessoal, ainda que todos tivessem Rolland como consultor. Além de seu próprio rótulo, cada proprietário contribuiria com uma parte de sua produção para a elaboração de um tinto comum a todos, o Clos de los Siete propriamente dito.
 

 
As primeiras parreiras foram plantadas em 1999, entrando em produção três anos mais tarde, quando foi lançado o primeiro rótulo Clos de los Siete e os vinhos da bodega Monteviejo (representado no Brasil pela Grand Cru - www.grandcru.com.br), a primeira a se instalar. Gradualmente, a partir de 2004, surgiram a Cuvelier de los Andes (Expand) e a Flecha de los Andes (Grand Cru). A próxima é a DiamAndes, do casal belga Michèle e Alfred-Alexandre Bonnie, donos do Malartic-Lagravière, um château da região de Graves, Bordeaux, em notória ascensão. A bodega está em construção e tem término previsto para o fim do ano. Seu primeiro vinho, o 2006, em todo caso, já foi produzido, utilizando as instalações da Monteviejo, onde me foi possível degustá-lo, assim como a todos os demais.
 

 
Na verdade a prova começou com uma série de amostras, vindas de diferentes parcelas, que devem fazer parte da mescla final do Lindaflor, o top de linha da Monteviejo e um dos meus tintos argentinos preferidos. A propósito, cabe lembrar a resposta dada por Michel Rolland durante uma apresentação de vinhos do Clos de los Siete, três anos atrás, à questão de como cada bodega integrante do projeto poderia manter uma individualidade, partindo de um mesmo espaço e tendo o mesmo consultor. Ele respondeu primeiro se referindo às diferenças significativas na composição dos solos - o terreno mede aproximadamente 4 km por 2 km -, como também em termos de altitudes, que começa em 920 m e termina em 1150 m.
 

 
Entretanto, segundo Rolland, a grande diferença entre os vinhos se dá efetivamente pelo trabalho do enólogo. É uma questão de sensibilidade. Para tanto, ele comparou este trabalho ao de chefs de cozinha que a partir dos mesmos ingredientes chegam a pratos diferentes. O diferencial do Lindaflor, então, chama-se Marcelo Pelleriti, um dos melhores enólogos argentinos da atualidade.
 

 
Pelleriti, detalhista e incansável, também separou lotes, entre vários dos melhores malbecs que dispõe, visando moldar um vinho premium. É um ensaio, com volume que daria para quatro mil garrafas, iniciado com a safra 2007 e aperfeiçoado em 2008. Em todo caso, até pela decisão vamos ter que esperar; o Lindaflor "normal" fica guardado ao menos 3 anos antes de ser comercializado - o que está hoje no mercado é o 2004. O 2005 só em meados do ano que vem.
 

 
Os vinhos dos "concorrentes", com seus respectivos enólogos, também evoluíram, em particular o Cuvelier de los Andes Gran Vin 2006. O corte de 70% de malbec, complementado com cabernet sauvignon, merlot, syrah e petit verdot, ensejou um vinho compacto, com boa profundidade, sem ser pesado. O DiamAndes Gran Reserva 2006, a primeira produção da vinícola, mostrou-se correto, com bom potencial.
 

 
Da leva também participaram vinhos de Michel Rolland, começando por pinot noir, o Mariflor, proveniente de parcelas situadas a 1100 metros de altitude. Com todo o respeito, ele deveria se ater a outras castas, não à pinot noir. Por outro lado seu Val de Flores, que eu considerava demasiado robusto, vem ganhando elegância, com bons taninos e sem perder concentração. O 2004 já demonstra estes atributos e segue num crescendo até 2007, o último provado. Numa linha mais feminina, talvez em homenagem à primeira neta, Rolland desenvolveu o Camilla, safra 2007, de uma parcela própria já dentro do Clos de los Siete.
 

 

Veículo: Valor Econômico


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