A fórmula verde e amarela da Coca

Leia em 22min 10s

A empresa quer ser ecológica, voltada para os emergentes e líder no combate à obesidade. Essa é a missão do CEO da companhia, Muhtar Kent, que falou com exclusividade à DINHEIRO

 

Leonardo Attuch e Tatiana Vaz


 
A vistoria do chefe: enquanto esteve no Brasil, Kent visitou padarias, supermercados e restaurantes no Rio e em São Paulo, antes de ir a Curitiba inaugurar uma fábrica verde
"Até 2020, um bilhão de pessoas entrarão na classe média. isso ocorrerá em países como Brasil, Índia, China e Indonésia" - Muhtar Kent, CEO da Coca-Cola

 

Eram 22h13 da terça-feira 10, quando as luzes se apagaram em mais da metade do Brasil. No Rio de Janeiro, na Ilha Fiscal, um dos executivos mais poderosos do mundo, o CEO da Coca-Cola, Muhtar Kent, estava reunido com clientes e parceiros da empresa para festejar os bons resultados no Brasil.

 

Quando tentou deixar o local, foi impedido pelo Exército e teve de esperar durante horas. Depois, ficou intrigado. "Como um problema desses consegue parar um país inteiro?", perguntou Kent a seus assessores mais diretos. E teve a resposta de que o sistema elétrico brasileiro é quase todo interligado. Sua experiência com o apagão não foi propriamente agradável, mas ao menos serviu para convencê-lo de que a vinda ao Brasil ocorria num momento apropriado.

 

Kent veio inaugurar no Paraná a primeira "fábrica verde" da Coca- Cola na América Latina, uma unidade voltada para a produção de chás secos, com a marca Mate Leão - e que será também a primeira fábrica verde brasileira, certificada por um organismo internacional conhecido como Leadership in Energy and Environmental Design.

 

Ser verde, segundo esses critérios, significa ser ecoeficiente, economizando energia e água. "Nosso consumo de eletricidade será 25% menor e 40% da água usada na fábrica não será captada dos rios ou do solo, mas sim da chuva", disse Kent à DINHEIRO (leia abaixo sua entrevista exclusiva).

 

Distribuição da Coca-Cola: ao contrário da Pepsi, a Coca pretende seguir com o modelo de franquias, em que a entrega da bebida cabe aos engarrafadores

 

Sustentabilidade é uma palavra-chave para a Coca-Cola hoje, mas não a única. Segundo o CEO Kent, que nasceu nos Estados Unidos, filho de pais turcos, os três maiores desafios da empresa hoje são a redução do impacto ambiental, a conquista dos emergentes e a liderança no combate à obesidade - três causas às quais ele se dedica diretamente.

 

Antes de vir ao Brasil, ele esteve na cidade de Churchill, no Canadá, que é a "capital mundial do urso-polar". E ficou assustado com o que viu. "A formação das camadas de gelo no Polo Norte está cinco semanas atrasada."

 

Dentro de poucas semanas, ele e Paul Polman, presidente da Unilever, serão os dois representantes do mundo corporativo com direito a um painel na Conferência do Clima, em Copenhague, na Dinamarca. E, enquanto muitas companhias falam em ser "carbon neutral", compensando suas emissões de carbono, Kent traçou uma meta mais ambiciosa.

 

Dentro de dez anos, ele quer que a empresa seja "water neutral" - isso significa devolver à natureza toda a água que a companhia utiliza. O que não é pouca coisa. No caso da Coca-Cola, são 300 bilhões de litros por ano, o que equivale a 160 mil piscinas olímpicas. Em 2020, serão 600 nada menos que bilhões de litros.

 

Esse crescimento virá, essencialmente, dos mercados emergentes. E o fator determinante será a demografia. Kent acredita que os grandes motores da economia mundial nos próximos anos serão os países com populações jovens - e em expansão. Isso conta pontos a favor de mercados como Brasil, Índia, China, Indonésia e México.

 

E retira pontos do Japão e de quase toda a Europa Ocidental, onde as populações já são declinantes. Em Atlanta, onde fica a sede da Coca-Cola, as decisões de investimentos são tomadas a partir desse mapa-múndi demográfico. Em 2050, o Brasil terá 259 milhões de habitantes e a sexta população mundial.

 

Desafio 1: sustentabilidade
Um dos principais entraves ambientais enfrentados pela companhia em todo o mundo é o uso excessivo de água - a Coca já enfrentou diversos problemas por isso, chegou a ter uma fábrica fechada na Índia e sofreu boicotes em universidades americanas.
Agora, a meta da companhia é, em até dez anos, devolver à natureza toda a água utilizada na fabricação de seus produtos. O consumo diminui ano a ano. Hoje, a empresa precisa de 2,08 litros de água para fabricar cada litro de bebida - menos da metade do volume utilizado 12 anos atrás

 

Desafio 2: obesidade
A empresa é alvo da maior patrulha sofrida em toda sua história por conta dos números crescentes de obesidade mundial, uma epidemia que atingirá 2,3 bilhões de pessoas em 2015, segundo a Organização Mundial da Saúde.
Dois Estados americanos, West Virginia e Arkansas, já criaram impostos adicionais sobre refrigerantes. Nesse cenário, a companhia vem investindo em campanhas de alimentação saudável e qualidade de vida, como a recente Get America Moving Again. E o CEO Muhtar Kent entrou na briga, escrevendo artigos para contestar os ataques à companhia

 

Desafio 3: emergentes
Presente em 206 países, a Coca conta com um alcance maior do que o da Organização das Nações Unidas. A companhia sabe que, de acordo com as previsões econômicas mundiais, um bilhão de novos consumidores farão parte da classe média mundial até 2020.
O aumento do poder aquisitivo se dará, principalmente, nos países emergentes, como os da Ásia, da América Latina e do Oriente Médio. É desses mercados que virá o crescimento da empresa
 


Foi por isso que a Coca-Cola reservou para o País a maior parte dos seus investimentos - US$ 6 bilhões nos próximos cinco anos, em conjunto com os engarrafadores. É o dobro do que foi gasto nos últimos anos, especialmente em aquisições, como as de empresas como Leão Júnior, Sucos Mais e Del Valle.

 

A Coca-Cola, que há 15 anos, comercializava pouco mais do que uma dezena de produtos no Brasil, hoje opera com 400 marcas - 14 delas valem mais de US$ 1 bilhão e a Coca como um todo é avaliada em US$ 69 bilhões. "Essa diversificação de produtos é fundamental para que a empresa consiga atender à demanda do consumidor moderno, que é cada vez mais exigente", disse à DINHEIRO Neuri Frigotto Pereira, superintendente da Spaipa, engarrafadora da Coca-Cola no Paraná e no oeste de São Paulo.

 

A diversificação também atende a uma missão estratégica: a de associar a marca Coca- Cola a produtos saudáveis, no momento em que a empresa é alvo de uma intensa patrulha em torno da obesidade. Nos Estados Unidos, dois Estados, West Virginia e Arkansas, já criaram impostos adicionais sobre refrigerantes.

 

E o argumento é de que os sistemas de saúde acabam tendo custos excessivos, no tratamento de doenças como diabetes, em razão do consumo acentuado de açúcar pela população. Além disso, há movimentos em vários países - inclusive no Brasil - para proibir as propagandas de refrigerantes e a venda das bebidas nas escolas.

 

"É inegável o poder que as marcas mais poderosas do mundo exercem sobre as crianças e as empresas não podem se eximir de suas responsabilidades", avalia Isabella Henriques, do Instituto Alana, uma entidade de defesa do consumidor infantil. "As empresas terão que respeitar as regras da publicidade e, se não estiverem oferecendo produtos saudáveis, deverão ao menos conscientizar as pessoas disso", diz ela. Diante do risco de que os refrigerantes se transformem nos cigarros de amanhã, o CEO da Coca-Cola decidiu encarar a briga de frente.

 

Há pouco mais de um mês, Muhtar Kent publicou um artigo de opinião no The Wall Street Journal, intitulado Coke didn´t make America fat (Não foi a Coca que engordou a América). Nele, argumentou que não há nenhuma evidência científica ligando os produtos da Coca-Cola à epidemia de obesidade nos Estados Unidos. E atribuiu o problema aos hábitos sedentários da população.

 

Ele diz que um americano médio caminhava dez mil passos por dia, há 15 anos. Hoje, ele anda três mil passos. E as crianças passam boa parte do tempo diante da televisão e dos videogames. Não por acaso, uma das campanhas recentes da Coca-Cola chama-se Get America Moving Again - é um chamado para que o país volte a andar e que serve tanto para atacar a obesidade como a recessão. Kent tem também um argumento ideológico - e liberal - para combater o imposto dos refrigerantes.

 

"É ultrajante que, num país livre, o governo decida o que as pessoas devem beber ou comer", diz ele. A visão é compartilhada pelo professor Cláudio Tomanini, do curso de MBA da Fundação Getulio Vargas. "É muita mediocridade atribuir a obesidade infantil, um fenômeno recente, a uma das marcas mais poderosas do mundo, que existe há mais de 100 anos", afirma.

 

"Seria muito mais eficaz pensar em ações de educação alimentar do que punir uma empresa que se destaca globalmente." Além disso, há um outro ponto relevante. Na Coca-Cola, os produtos light, como a Coca Zero, já representam cerca de 8% das vendas globais, o que significa que o consumidor pode escolher consumir mais ou menos calorias.

 

E o que pouca gente sabe é que vários outros produtos da companhia, como sucos e energéticos, são muito mais calóricos do que os refrigerantes. Essa discussão em torno da obesidade, no entanto, não tem impedido o crescimento da empresa. As receitas da companhia no Brasil saltaram de R$ 10 bilhões para R$ 15 bilhões, entre 2006 e 2008.

 

Essa expansão, acima da média mundial, fez da operação brasileira a quarta do mundo em tamanho - atrás apenas dos Estados Unidos, do México e da China. E os investimentos bilionários previstos para os próximos cinco anos, que serão tocados pelo executivo mexicano Xiemar Zarazúa, presidente da Coca no Brasil, também visam preparar a companhia para dois grandes eventos: a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.

 

Ambos serão patrocinados pela multinacional. "O Brasil tem uma nova classe média e experimentará um longo ciclo de crescimento", aposta Zarazúa, que terá também a missão de internacionalizar alguns produtos da companhia, como o Mate Leão.

 

No bairro de Del Castilho, no Rio de Janeiro, a empresa tem um centro de inovação, onde são desenvolvidos produtos para o Brasil e para a América Latina - um deles foi o guaraná Kuat Eco. A empresa também assinou uma parceria com a Cutrale, que deixou de ser um simples fornecedor de laranja e passou a ajudála a desenvolver sucos para o mundo inteiro.


 
Impacto ecológico: a Coca vai lançar em janeiro de 2010 uma garrafa de plástico verde, feito a partir da cana de açúcar, que começará a substituir o PET
As previsões da Coca para 2020 apontam que a classe média global aumentará em um bilhão de pessoas. Essa tendência, segundo Muhtar Kent, virá acompanhada de um outro fenômeno: a urbanização, especialmente na Ásia.

 

"O produto mais demandado pelo novo consumidor urbano é a bebida não alcoólica, pronta para beber", diz ele. Por isso mesmo, Kent nega qualquer intenção de entrar em outros mercados, como o de cervejas.

 

Recentemente, houve especulações nesse sentido, quando a Pepsi, rival número 1 da Coca, assinou um acordo de cooperação com a Anheuser-Busch para que as duas empresas adotassem a mesma plataforma de compras, o que poderia gerar economia de até US$ 2 bilhões por ano. A Pepsi, que é comandada pela executiva Indra Nooyi, é também dona da Elma Chips, a maior empresa de salgadinhos do mundo.

 

Mas esse é outro setor em que a Coca não pensa em investir. "Em todos os segmentos de bens de consumo, o nosso foi o que mais cresceu nos últimos dez anos", diz Kent. "Já estamos no melhor negócio do mundo e queremos manter o foco para continuar crescendo." O que Muhtar Kent e Indra Nooyi têm em comum são as origens em países emergentes: Turquia e Índia.

 

E a ascensão de ambos ao topo de duas companhias essencialmente americanas também pode ser explicada pelo peso que as economias de vários países da Ásia e do Hemisfério Sul ganharam no mapamúndi. Muhtar Kent, por sinal, sabe bem o que é desbravar novos mercados. Funcionário da Coca-Cola desde 1978, ele se tornou presidente de uma subsidiária dez anos depois, quando assumiu o comando da filial na Áustria.

 

De lá, ele tinha a missão de perscrutar todos os movimentos do Leste Europeu. Um ano depois, em 1989, quando caiu o Muro de Berlim, o mercado se abriu. "Abrimos 24 novas fábricas em 30 meses", disse ele à DINHEIRO. "Nós nos movemos na direção do consumo e o Brasil está hoje no centro do mapa global."

 


"Estamos dobrando a aposta no Brasil"

 

Muhtar Kent, presidente mundial da Coca-Cola, concedeu uma entrevista exclusiva à DINHEIRO e falou sobre três grandes pilares da sua gestão: sustentabilidade, foco nos emergentes e combate à obesidade. Leia a seguir:

 

DINHEIRO - Como o sr. imagina o futuro da Coca-Cola?
MUHTAR KENT - Até 2020, cerca de um bilhão de pessoas ingressarão na classe média. E a maior parte virá de países como China, Brasil, Indonésia, Índia, Turquia e México. Esses novos consumidores farão o mundo crescer, apesar da crise financeira atual. O outro grande fenômeno é a urbanização. E quando você tem mais consumidores, com um estilo de vida urbano, isso se traduz em mais demanda por bebidas prontas para beber. É por isso que estamos tão otimistas em relação ao futuro do nosso negócio.

 

DINHEIRO - Qual é a importância do Brasil nesse contexto?
KENT - O Brasil é hoje o quarto mercado mais importante para a Coca-Cola no mundo. Fica atrás dos Estados Unidos, do México e da China. E também cresce acima da média mundial. Mas nosso desempenho tem sido muito bom no mundo inteiro. Nos nove primeiros meses deste ano, aumentamos nosso volume, nossas despesas com marketing e também nossos lucros. E o gasto com marketing é importante porque somos uma companhia de marcas - e temos hoje 14 marcas que valem mais de US$ 1 bilhão.

 

DINHEIRO - O sr. enxerga o século XXI como o século dos emergentes?
KENT - A importância relativa dos mercados emergentes para a Coca-Cola é cada vez maior. Há 15 anos, você não encontraria nem o Brasil nem a China nem a Índia entre os 15 maiores mercados para a Coca-Cola. Hoje, Brasil e a China estão entre os quatro maiores. E a Índia está chegando. Democracia é o fator-chave. Países com populações jovens e crescentes puxarão o crescimento do mundo.

 

"Queremos devolver à natureza toda a água que consumimos. e isso significará 600 bilhões de litros em poucos anos" Muhtar Kent

 

DINHEIRO - Qual é o peso desses países para a Coca-Cola?
KENT - Na verdade, já não olhamos mais Brasil e China como emergentes. Hoje, apenas 20% dos nossos negócios estão nos Estados Unidos. Os outros 80% estão fora. Não existe nenhuma outra empresa americana que seja tão internacionalizada quanto a Coca-Cola. E fazemos negócios em 206 países, com produção local. Estamos em mais lugares do que as Nações Unidas.

 

DINHEIRO - E o que vocês planejam para o Brasil?
KENT - Nos últimos cinco anos, a Coca e seus engarrafadores investiram US$ 3 bilhões no Brasil. Empregamos 38 mil pessoas diretamente e 300 mil indiretamente, através da nossa cadeia de fornecimento. Nos próximos cinco anos, vamos investir US$ 6 bilhões. Estamos dobrando a aposta.

 

DINHEIRO - Quais foram os fatores decisivos?
KENT - O Brasil é hoje um país abençoado. A crise tocou o país de forma tangencial. Só a China e o Brasil estão saindo dessa crise de forma indolor. O túnel foi pequeno para a economia brasileira. A Europa e o Japão ainda estão no meio do túnel, os Estados Unidos também.

 

DINHEIRO - Por que o Brasil saiu mais cedo da crise?
KENT - Porque tem uma boa política fiscal, um sistema bancário sólido e um nível baixo de endividamento público. O Brasil reúne todas as condições macroeconômicas para crescer por um longo período, além de tremendos recursos naturais e uma classe empreendedora de primeiro nível. As empresas brasileiras são cada vez mais importantes no mundo e o Brasil entrou no mapa global. Não apenas no mapa da América Latina, mas no mapa-múndi.

 

"Acabo de vir do polo norte, onde a formação do gelo está atrasada em cinco semanas. é a prova do aquecimento global" Ursos-polares, que ilustram campanhas da Coca

 

DINHEIRO - Vocês acabam de inaugurar uma fábrica verde em Curitiba. O que isso significa?
KENT - É uma unidade da Mate Leão, que será a primeira fábrica verde certificada da Coca-Cola na América Latina. Primeiro, pretendemos capturar água da chuva - cerca de 40% da nossa necessidade. Depois, vamos reduzir em 25% nosso consumo de energia. Isso nos deu uma certificação da Leadership in Energy and Environmental Design, o que representa o padrão platinum em termos ecológicos. Será também a primeira fábrica verde do Brasil e espero que outras empresas sigam o nosso exemplo.

 

DINHEIRO - Suas fábricas já existentes serão adaptadas para esse padrão?
KENT - Elas já são verdes, mas essa certificação tem que ser construída desde o começo. Não é simples adaptar. Seria como fazer meu terno vestir em você, ou vice-versa. Tem que ser uma nova costura.

 

DINHEIRO - Qual é a sua meta em sustentabilidade?
KENT - Fomos a primeira empresa global a dizer que seremos neutros no consumo de água até 2020. Isso significa que cada litro que usamos será devolvido à natureza. Hoje são 300 bilhões de litros e em 2020 serão 600 bilhões de litros. Faremos isso através de uma política chamada de "três R": reduzir, reciclar e replanejar, o que significa, por exemplo, captar água das chuvas e não dos rios ou do solo.

 

DINHEIRO - Um executivo da Nestlé, Peter Brabeck, já disse que o mundo ficará sem água antes do fim do petróleo. O sr. concorda?
KENT - Se não formos capazes de encontrar e implementar soluções até o fim do próximo ano, 12 meses depois do encontro de Copenhagen, o que Brabeck diz será verdade. Teremos uma catástrofe. Dias atrás, eu estive em Churchill, no Canadá, para visitar o Ártico, antes de vir ao Brasil. Fui correr com a tocha olímpica e ver a situação dos ursos-polares. Neste ano, a formação do gelo está atrasada em cinco semanas. Isso significa que mais de dez mil ursos ao longo da costa estão com fome, esperando o gelo se formar. O aquecimento global não é mais uma discussão, é um fato.

 

DINHEIRO - Qual deve ser o papel do Brasil na discussão ambiental?
KENT - O Brasil é um dos países com papel mais importante nesse debate, até em razão do desmatamento, que responde por grande parte das emissões. Nós, da Coca-Cola, temos projetos de reflorestamento no Brasil. Estamos plantando 3,3 milhões de árvores no Brasil e 30 milhões no México. Mas governos e empresas não agem sozinhos. Eu estarei em Copenhague falando em nome de diversos CEOs, ao lado do Paul Polman, da Unilever. Faremos um chamado à ação.

 

DINHEIRO - Além da questão ambiental, a Coca-Cola enfrenta um outro desafio: a epidemia de obesidade nos Estados Unidos. Qual é a responsabilidade de vocês?
KENT - Desafio todas as pessoas que atacam a Coca-Cola a trazer evidências científicas que comprovem as acusações feitas contra nós. Obesidade é um assunto complexo e tem a ver com o consumo e o gasto de calorias. O fator determinante para essa epidemia é a redução do nível de exercícios na América. Tem mais a ver com o sedentarismo e com o fato de as pessoas passaram mais tempo diante da tevê e dos videogames. Há 15 anos, uma pessoa comum nos Estados Unidos caminhava dez mil passos por dia. Hoje, são três mil passos por dia.

 

DINHEIRO - E vocês então não têm nada a ver com o problema?
KENT - Não é o que estamos dizendo. Queremos trabalhar com o governo e a sociedade civil para enfrentar o problema. E estamos lançando uma campanha chamada Get America Moving Again [Fazer a América Voltar a Andar]. Você sabia que hoje só dois Estados americanos têm programas obrigatórios de educação física nas escolas? É inacreditável. Precisamos recriar o ambiente para que as crianças tenham uma vida saudável. Queremos ser parte da solução: apoiamos os grandes eventos esportivos do mundo, como a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos e competições escolares. Há 35 anos, 75% das crianças iam de bicicleta para as escolas. Sabe quantas fazem isso hoje? Zero. O que importa é o balanço entre o consumo e o gasto de calorias.

 

DINHEIRO - Quantos refrigerantes o sr. bebe por dia e que esporte pratica?
KENT - Eu tomo dois ou três e nado três vezes por semana. E não sou obeso.

 

DINHEIRO - Alguns Estados falam também em criar um imposto da obesidade, incidindo sobre refrigerantes.
KENT - De fato, existem dois Estados, Arkansas e West Virginia, que impuseram a taxa. E são os dois em que as taxas de obesidade são mais altas. Que sentido faz taxar categorias de produtos no setor de alimentos? Por que não taxam bolos, sanduíches, batatas ou outras coisas que tenham calorias? Não há nenhuma evidência no mundo de que o açúcar é ruim. Que tipo de mentalidade é essa?

 

"A cutrale não vai só fornecer laranja. vai nos ajudar a criar sucos para o mundo" Fazenda da Cutrale em São Paulo

 

DINHEIRO - O refrigerante pode vir a ser o cigarro do futuro?
KENT - No caso dos cigarros, há uma evidência científica comprovando que ele faz mal à sua saúde. Nós temos 400 bebidas e não há nenhuma evidência de que qualquer uma delas faça mal à saúde. É ultrajante, num país que abraça o livre mercado, que o governo diga às pessoas o que elas devem beber ou comer. Todos devem ser livres para escolher.

 

DINHEIRO - Até porque existe a opção light.
KENT - Quem não quiser beber uma Coca-Cola, pode tomar Coca Zero, light, o que quiser. Ou então água, chás e sucos. Aliás, os nossos produtos desse setor estão crescendo muito. Só que os sucos, em geral, têm bem mais calorias do que qualquer refrigerante.

 

DINHEIRO - Mas as pessoas têm outra percepção.
KENT - As pessoas têm a informação. Fomos a primeira empresa de alimentos a decidir, de forma unilateral, colocar a quantidade calórica na frente de todos os nossos produtos e não no verso.

 

DINHEIRO - A participação dos produtos light tem crescido na Coca-Cola?
KENT - Ela está em torno de 7% ou 8%. Cresce, mas não como crescia dez anos atrás. É uma tendência estável. O que cresce muito rápido é o mercado de sucos. Temos uma parceria com um grande empreendedor brasileiro, o José Luiz Cutrale, que não é apenas um fornecedor, mas também um parceiro da Coca para desenvolver novos produtos nessa área.

 

DINHEIRO - Vocês têm investido nessa área para consolidar uma imagem de empresa saudável?
KENT - Eu não concordo com isso. Aqui não existe uma divisão de produtos saudáveis e uma outra. Todos os 400 produtos da Coca-Cola são saudáveis. Tudo tem a ver com escolha? Quer açúcar ou não? Calorias ou não? Sucos ou refrigerantes? O que nós enxergamos antes dos outros é que os consumidores querem mais escolha, mais variedade.

 

DINHEIRO - Hoje, a Coca-Cola administra 400 marcas. Há planos de reduzir o portfólio?
KENT - Temos dois mil produtos e 400 marcas. Não temos planos de reduzir marcas, pois acredito que todas elas têm um importante papel a desempenhar. E temos marcas regionais que serão também exportadas. É o que pretendemos fazer com o Mate Leão.

 

DINHEIRO - Enquanto vocês têm franqueados, a Pepsi decidiu comprar seus engarrafadores. Vocês pretendem manter a estratégia?
KENT - Eu acredito que nós temos o melhor sistema do mundo. Temos a expertise da Coca, que se junta à dos nossos engarrafadores locais, que conhecem melhor o mercado. Nós controlamos a qualidade e o marketing, enquanto eles distribuem.

 

DINHEIRO - A Pepsi se aproximou da Anheuser-Busch. Vocês têm algum plano de entrar no mercado de cervejas?
KENT - Não. Temos o melhor negócio do mundo, que é o de bebidas não alcoólicas. Foi o setor de bens de consumo que mais resistiu durante a crise. Melhor do que cervejas, cosméticos e qualquer outro. E foi o que mais cresceu nos últimos dez anos. Estamos muito bem posicionados.
 

 

Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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