A onda da alimentação saudável veio para ficar – e agora ganha força na indústria de proteína animal brasileira. Para atender à demanda dos consumidores, empresas lançam linhas de produtos sustentáveis, como carnes sem antibióticos e ovos de galinhas criadas soltas, fora de gaiolas. A produção de proteína animal orgânica, ainda que tímida quando comparada às grandes cifras norte-americanas, vem crescendo no País. Segundo a consultoria Euromonitor, em 2016, foram vendidas 116,6 mil toneladas de carne orgânica no Brasil. Em igual período, foram comercializadas 1,3 mil toneladas de ovos orgânicos.
Esse crescimento tende a se acelerar, uma vez que, em 2017, diversas empresas anunciaram revisão em seus processos de fabricação para seguir essa tendência global. Kraft Heinz, Nestlé, a rede Giraffas, o Grupo Pão de Açúcar e a BRF, maior exportadora global de frango, assumiram neste ano o compromisso de deixar de usar ovos de galinhas confinadas em gaiolas até 2025. A JBS se comprometeu a fazer o mesmo até 2020, e a International Meal Company – dona de empresas como Frango Assado, Viena e Brunella –, até 2022.
No ano passado, diversas companhias também já haviam se posicionado: as redes McDonald’s, Burger King, Subway e Brazil Fast Food Corporation (do Bob’s, Pizza Hut e KFC). Já a Tyson Foods, maior processadora de carne dos Estados Unidos, eliminou em junho o uso de todos os antibióticos de seus frangos com a marca Tyson.
Seguindo o movimento do varejo, a cadeia produtiva se mobiliza para suprir essa demanda. Desde julho, a granja Mantiqueira, a maior da América do Sul, localizada no interior de Minas Gerais, passou a produzir diariamente 154 mil ovos cage free – oriundos de galinhas livres de gaiola. “Mesmo enquanto o meio avícola brasileiro e órgãos como o Ministério da Agricultura e a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) ainda discutem a adoção do sistema cage free, decidimos nos antecipar e lançar a linha Happy Eggs, a primeira linha do gênero em larga escala do País”, diz o presidente do Grupo Mantiqueira, Leandro Pinto.
O custo da nova linha, afirma, é de 35% a 40% maior que do que o sistema convencional. “A resposta do mercado é tímida. Porém, acreditamos no projeto e continuaremos investindo.”
A granja também é fornecedora do Grupo Pão de Açúcar, que lançou a sua linha no meio do ano pela marca Taeq. “Apenas quatro meses após o lançamento, foi notada uma evolução significativa da venda – 112% acima da expectativa inicial”, afirmou a empresa, em nota. Em outubro, a linha correspondeu a 3,2% das vendas de todos os ovos de marcas exclusivas do grupo. Segundo o Pão de Açúcar, até dezembro, a expectativa é de que a participação chegue a 5%. Em breve, será lançada uma linha de ovos vermelhos cage free, que serão fornecidos pela granja Korin.
Além dos ovos, outro derivado que ganha apelo natural são os lácteos. A Nestlé, nos últimos meses, fechou parceria com nove novos produtores no interior de São Paulo interessados na conversão de suas propriedades para a produção de leite orgânico. “Agora já são 27 fazendas contratadas, representando 21,5 mil litros por dia”, afirmou a empresa, em nota. O plano é alcançar 30 mil litros por dia no primeiro semestre de 2019 – quando a Nestlé passará a comercializar o produto.
Desafio. Na trincheira da produção de carne livre de antibióticos e orgânica no País, a Korin, que também produz ovos, frutas e vegetais, vem expandindo sua gama de produtos – já são 236 – e acompanhando a evolução do mercado global. Neste ano, a empresa lançou linhas de embutidos sustentáveis e orgânicos, como almôndegas, quibes e hambúrgueres. “Ano que vem, será a vez do charque orgânico”, conta Reginaldo Morikawa, diretor superintendente da Korin. Este ano, a empresa realizou a primeira exportação de frango orgânico do Brasil, para Hong Kong. “Em fevereiro, exportaremos para os Emirados Árabes”, diz ele. A carne bovina orgânica comercializada pela Korin é produzida no Pantanal, seguindo normas técnicas e de sustentabilidade recomendadas pela Associação Brasileira de Produtores Orgânicos (ABPO).
Obstáculos. “O uso de grãos orgânicos é um dos maiores gargalos para a produção desse tipo de carne, porque as safras de soja e milho orgânicos são muito pequenas, limitadas a pequenos produtores”, observa Sylvia Wachsner, coordenadora do Centro de Inteligência em Orgânicos da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA). Cerca de 90% da colheita de grãos no País é de lavouras transgênicas.
Esse é um dos desafios enfrentados pela Seara, do grupo JBS, que lançou em 2015 a linha de frangos DaGranja. “O produto atende a toda à legislação do frango verde, com ração vegetal, certificado de bem-estar animal e ausência de antibióticos”, afirma Marcelli Ganzarolli, gerente executiva de Marketing de Seara. “Porém, não trabalhamos com ração orgânica, até porque a produção é muito restrita para a escala de que precisamos.”
Ela afirma que a empresa quadruplicou o volume de vendas do início do projeto para agora. “Ainda temos o desafio de distribuir mais por todo o País. Para isso, precisamos conquistar o varejista em relação ao valor do produto e o benefício que ele entrega.”
O preço ainda é um fator limitante para a adesão mais expressiva de produtos naturais, mas, segundo especialistas, a disparidade tende a cair. “Nós já baixamos cinco vezes o preço do filé de peito de frango, por exemplo”, diz Morikawa. “Só este ano reduzimos em 12%, pois investimos em uma máquina de corte automático que deu ganho de escala em 3%.”
Fonte: O Estado de São Paulo