A possibilidade de compra da divisão de alimentos do Bertin pela Marfrig, conforme aventada no mercado, foi afastada pelo diretor executivo do Bertin, Fernando Falco. "Não existem muitas empresas com o ritmo de crescimento do Bertin. Por isso eu acho difícil (a aquisição). Para o cara me comprar, ele precisa ter muita bala na agulha, não é? Agora, dinheiro sempre pode surgir de todos os lados", afirmou. Para ele, o porte do Bertin e o recente desempenho da empresa dificultariam uma aquisição.
Para justificar a sua posição, Falco ressaltou os resultados do Bertin entre o final do ano passado e o início deste. Entre janeiro e março, a receita líquida da divisão de carnes do Bertin cresceu 47%, em relação ao mesmo período do ano passado. Em volume, as vendas avançaram 30%. No quarto trimestre de 2008, a mesma área obteve um crescimento de 36% em volume e 75% em receita. Diante dos bons números, Falco reiterou que o Bertin "não está à venda" e disse que, neste momento, não há nenhum tipo de acordo com a Marfrig. "Que eu saiba não tem nada andando".
O executivo rejeitou rumores de que a companhia estaria enfrentando dificuldades financeiras, ressaltando que, no trimestre passado, o Bertin foi o único grande frigorífico a apresentar lucro. De fato, a Bertin - que compreende as áreas de carne bovina, couros, lácteos, produtos pet e itens de higiene e limpeza - divulgou um lucro líquido de R$ 50,9 milhões no primeiro trimestre, com crescimento de 16,3% em relação a igual intervalo de 2008. A JBS Friboi, entre janeiro e março, registrou prejuízo líquido de R$ 322,6 milhões, enquanto a Marfrig obteve resultado negativo de R$ 38,2 milhões. Com um porte um pouco menor, o Minerva apresentou lucro de R$ 964 mil no mesmo período.As preocupações que rondam o Bertin, no entanto, referem-se à liquidez da companhia. Em comunicado divulgado em 24 de junho, no qual a Moody's coloca o rating B1 da Bracol (que detém 72% da Bertin SA) em revisão para possível rebaixamento, a agência de classificação de risco observa a menor posição de caixa da empresa ao final do primeiro trimestre. Em 31 de março, o saldo de disponibilidades da Bracol estava em R$ 1,2 bilhão, volume inferior à dívida de curto prazo ajustada da empresa, de R$ 2 bilhões, segundo a Moody's. Ao final de dezembro de 2008, a Bracol tinha R$ 2,6 bilhões disponíveis em caixa.
"Todo esse segmento trabalha alavancado e nós também trabalhamos, porque faz parte do negócio", disse Falco. O Bertin não divulga o seu endividamento total, mas informou que no primeiro trimestre a relação dívida líquida/Ebitda ficou em 3,18 vezes, praticamente em linha com o nível de alavancagem da Marfrig, que ficou em 3,77 vezes no primeiro trimestre. Na JBS Friboi, no entanto, essa relação ficou em 2,52 vezes nos três primeiros meses de 2009.
Apesar de apontar obstáculos para um acordo, o diretor executivo do Bertin admite que uma fusão com a Marfrig seria interessante do ponto de vista estratégico. "Essa é uma empresa de commodities. No momento em que você passa por um problema de precificação internacional e de custos elevados, você tem de ganhar volume", afirmou. Logo depois, no entanto, fez a ressalva: "se a empresa se fundir com alguém, em hipótese alguma a família quer sair do controle." A família Bertin está há 32 anos à frente da empresa e, segundo Falco, tem o claro objetivo de permanecer. Do outro lado, a posição dos controladores também perece irredutível. Segundo fontes próximas à família que controla a Marfrig, em hipótese alguma Marcos Molina, atual presidente da empresa, abriria mão do controle da companhia.
Visões distintas. Além da resistência para abrir mão do controle, a visão de negócio do Bertin e da Marfrig parecem distintas demais para tornar viável uma fusão. Desde que Sadia e Perdigão oficializaram a união, resultando na criação da Brasil Foods, executivos da Marfrig vêm apresentando a empresa como uma alternativa à nova gigante de alimentos. Recentemente, a companhia alterou a sua razão social para Marfrig Alimentos, evidenciando o objetivo de se tornar uma empresa de alimentos mais diversificada, deixando de ser um frigorífico de carne bovina, como nasceu. Mas o Bertin entende que a estratégia de diversificação, ao invés de diluir, aumentaria os riscos.
"Nós avaliamos essa possibilidade de nos tornarmos um grande operador de proteína animal, mas achamos que é um grande risco. Você não consegue abraçar o mundo", disse. Falco contou que, durante a formulação do planejamento estratégico do Bertin para cinco anos, em setembro do ano passado, a empresa avaliou a entrada na área de aves e suínos, mas, após três meses de estudos, concluiu que a falta de expertise e escala poderia comprometer o desempenho da companhia nesses segmentos. "Chegamos à conclusão de que a empresa não teria capacidade de abraçar o mundo."
O Bertin, portanto, não deve se colocar como uma alternativa à BRF, que nasce com o domínio absoluto do mercado de aves e suínos. "Eu acho que tem outros players, como Aurora e Seara, que vão aproveitar essa lacuna e tentar competir", disse. "Não me parece, e essa é uma visão pessoal, que a Marfrig seja o grande candidato a esse posto. Até porque ela não tem nenhuma marca e a experiência de varejo dela, até onde eu saiba, é muito pequena", acrescentou.
Procurada para comentar o andamento das negociações com o Bertin, a Marfrig informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que reitera o teor do último comunicado ao mercado divulgado sobre o assunto. Em 2 de junho, a empresa informou que está "atenta às boas oportunidades que possam surgir no mercado e que mantém conversas com participantes de sua indústria e outros agentes de mercado, inclusive com a Bertin SA". Mas acrescentou que "não existe, nesta data, qualquer acordo vinculante ou não vinculante firmado pelas partes em relação a tais tratativas".
Veículo: Jornal do Commercio - RJ