Fatia da renda comprometida com dívidas não afeta avanço do consumo

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O aumento do consumo de bens duráveis e a aquisição da casa própria com financiamento imobiliário não elevaram a parcela da renda mensal comprometida com dívidas. Números do Banco Central (BC) mostram que, em junho, as famílias comprometiam em média 35,8% da sua renda anual com o pagamento futuro desses bens, bem mais que os 30,5% de janeiro de 2009, quando o indicador passou a subir ininterruptamente. Mesmo com o total de dívidas equivalendo a uma parcela cada vez maior da renda anual, o pagamento mensal oscila na casa de 21% a 22% do rendimento mensal desde o começo do ano passado (ver gráfico).

 

A queda dos juros, o alongamento dos prazos e o aumento da massa salarial explicam esse comportamento, que sugere que a capacidade do brasileiro de se endividar e consumir não mudou significativamente. Com isso, seguem positivas as perspectivas para o consumo das famílias, o principal motor da expansão da demanda ao lado do investimento.

 

O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, diz que os números do BC refletem um quadro tranquilo, indicando que há um espaço razoável para o avanço do consumo. "Um endividamento de pouco mais de 30% da renda anual não é praticamente nada, e é condizente com os nossos níveis de crédito e renda, ainda baixos."

 

Para Vale, o aumento consistente da renda e a entrada de mais famílias na classe média nos próximos anos farão com que esse endividamento suba mais, mas de modo saudável. Vale projeta que, nas seis principais regiões metropolitanas, a massa salarial deve crescer 6,2% acima da inflação neste ano , um dos fatores que impulsionam o comércio. De janeiro a junho, as vendas do varejo ampliadas, que incluem veículos e motos e material de construção, subiram 11,8% sobre o mesmo período de 2009.

 

A expansão do crédito imobiliário é que deve ganhar bastante terreno nos próximos anos, destaca o economista Alexandre Andrade, da Tendências Consultoria. Hoje, os financiamentos imobiliários equivalem a cerca de 4% do PIB, um percentual muito baixo.

 

Uma dúvida entre os analistas é se o aumento do crédito para a casa própria vai inibir a capacidade de consumo de outros bens, por se tratar de uma dívida de valor alto, contratada por prazos dilatados. Para Vale, dado o nível de renda que se compromete com a compra de um imóvel, é possível que haja alguma desaceleração no ritmo de venda de automóveis, como ocorreu com o México nos anos 2000, quando o país teve um avanço significativo do crédito imobiliário.

 

No entanto, continuam favoráveis as perspectivas para a aquisição de outros bens duráveis, acredita ele. Segundo Vale, várias prestações de valor elevado podem não caber na renda da pessoa, mas quem compra um imóvel adquire móveis novos, por exemplo. Andrade também acha que o crédito imobiliário pode tomar o lugar da compra de veículos, mas não de eletrodomésticos e móveis.

 

O ritmo de crescimento do estoque de crédito habitacional já supera com certa folga o de financiamento de veículos, destaca o Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco. Nos 12 meses até junho, os empréstimos imobiliários aumentaram R$ 37,5 bilhões, bem mais que os R$ 19,6 bilhões do crédito de veículos. Essa expansão mais forte dos financiamentos imobiliários certamente contribui para a alta do endividamento como proporção da renda anual, mas não tem sido suficiente para elevar a fatia do rendimento mensal destinada ao pagamento de dívidas.

 

Os analistas estimam que esse número pode subir um pouco no futuro porque não deverá ser repetida a conjunção tão favorável de juros em queda, prazos de financiamento em alta e renda em expansão. Ainda assim, não se espera um aumento explosivo dessa fatia. " O comprometimento pode subir um pouco pelas novas prestações que podem ser agregadas numa família, mas, nos próximos anos, a renda deverá continuar a subir e a Selic não deve variar muito. Isso deverá ajudar a impedir que esse comprometimento chegue a níveis exagerados", diz Vale.

 

Os analistas do Bradesco ressaltam o papel do mercado de trabalho para a expansão do consumo e a alta controlada do endividamento. Eles estimam que a massa salarial ampliada, que inclui benefícios sociais e previdenciários, vai crescer 6,8% neste ano e 5,9% no ano que vem, ajudando a garantir uma expansão robusta para o consumo das famílias, de 6,5% em 2010 e 5,1% em 2011.
 

 

Veículo: Valor Econômico


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