Expansão do PIB no maior nível em 4 anos e inflação em alta reacendem debate sobre necessidade de novas medidas de restrição ao consumo
O PIB chinês cresceu acima do esperado no quarto trimestre de 2010 e fechou o ano com expansão de 10,3%, o mais alto patamar desde 2007. A aceleração surpreendente e a inflação de 4,6% em dezembro reacenderam o debate sobre risco de superaquecimento e a necessidade de novas medidas de aperto monetário, com potencial efeito negativo sobre a atividade produtiva.
Os dados assustaram os investidores e levaram a quedas nas Bolsas de Xangai (-2,92%), Hong Kong (-1,7%), Tóquio (-1,13%), Sidney (-1,05%) e Seul (-0,43%). Depois de desacelerar de 10,3% para 9,6% entre o segundo e o terceiro trimestres, o PIB cresceu 9,8% no quarto trimestre, apesar das medidas adotadas pelo governo para esfriar a economia.
O PIB fechou o ano em 39,798 trilhões de yuans (US$ 6,05 trilhões). A cifra consolidou a posição da China como segunda maior economia do mundo, posto ocupado pelo Japão por quatro décadas, até o ano passado.
O bom resultado foi acompanhado da pressão sobre os preços, que registraram alta acumulada de 3,3%, acima da meta oficial de 3%. O custo dos alimentos foi o principal responsável pela inflação, com alta de 7,2% no ano. A alta nos preços é um pesadelo para os líderes chineses, que temem o impacto negativo do aumento do custo de vida sobre o humor da população, especialmente em um segmento essencial como comida.
Durante a divulgação dos resultados ontem, Ma Jiantang, do Escritório Nacional de Estatísticas, afirmou que o governo tem "total confiança" em sua capacidade de manter a inflação sob controle em 2011.
Salários. Entre os fatores que elevaram o índice, Ma citou a política de expansão monetária nos países ricos - que estimulou o fluxo de capitais para nações em desenvolvimento - e os aumentos de salários na China.
No começo de dezembro, os líderes chineses anunciaram que passariam a adotar uma política monetária "prudente" em substituição à "moderadamente frouxa" que estava em vigor até então. A mudança colocou o combate à inflação em primeiro plano e abriu caminho para o aperto monetário.
Só nos últimos dois meses o Banco do Povo da China (banco central) aumentou em quatro ocasiões o depósito compulsório dos bancos, que é a quantidade de dinheiro que eles devem manter imobilizada, sem emprestar a seus clientes. O objetivo é reduzir o volume de moeda em circulação e limitar o capital disponível para financiamentos.
Imóveis. O governo também impôs restrições ao segmento imobiliário, na tentativa de conter a alta de preços que ameaça criar uma imensa bolha, cujo estouro teria consequências negativas sobre o sistema bancário e o bolso dos proprietários.
A economista-chefe do banco UBS na China, Wang Tao, acredita que é infundado o temor dos investidores de que Pequim adotará forte aperto monetário.
Segundo ela, o governo ainda está preocupado com a frágil recuperação dos países ricos e acredita que a origem da inflação é a alta no preço dos alimentos.
Mas eventuais medidas que o governo venha a adotar podem ter impacto sobre o excesso de liquidez na economia chinesa. Durante 2010, os bancos concederam financiamentos no valor de 7,9 trilhões de yuans (US$ 1,16 trilhão), superando a meta de 7,5 trilhões de yuans que havia sido fixada pela autoridade monetária. No ano anterior, o volume de novos empréstimos foi de 9,5 trilhões yuans (US$ 1,4 trilhão).
Impulsionada pela injeção de capital, a atividade industrial cresceu 15,7%, índice 4,7 ponto porcentual superior ao do ano anterior. Depois de cair 16% em 2009, as exportações se recuperaram em 2010, com alta de 31,3% e US$ 1,578 trilhão. Refletindo o forte ritmo de atividade na China, as importações cresceram ainda mais, 38,7%, e somaram US$ 1,395 trilhão.
Com alta de 18,7% em relação ao ano anterior, as reservas internacionais chinesas atingiram US$ 2,85 trilhões, dos quais US$ 900 bilhões estão aplicados em títulos do Tesouro dos EUA.
Brasil torce por pouso suave da economia chinesa
Superaquecimento chinês pressiona inflação no País e freada brusca prejudicaria a balança de comércio, dizem analistas
O Brasil está "torcendo por um pouso suave" da economia da China. Os especialistas temem que o "superaquecimento" do gigante asiático piore o cenário de inflação no Brasil, mas também ressaltam que um freio brusco traria impactos negativos para a balança comercial.
O governo chinês divulgou ontem que o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu 10,3% em 2010 - retomando o patamar de dois dígitos. O resultado surpreendeu o mercado e alimentou expectativas de que Pequim reforçará as medidas para controlar a inflação.
A economia brasileira está cada vez mais ligada ao que acontece na Ásia, especialmente na China, e a principal via de contágio é o preço das commodities, que sobe graças ao apetite dos asiáticos por matérias-primas.
"O forte crescimento da China costumava ser, inequivocamente, positivo para o Brasil, porque melhora a balança comercial. Hoje, por causa do cenário apertado para a inflação, a situação é bem diferente", acredita Monica Baumgarten de Bolle, economista-chefe da Galanto Consultoria.
No ano passado, o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) fechou em 5,91% no Brasil, bem acima da meta de 4,5% estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). O governo brasileiro vem tomando medidas para conter a evolução dos preços e, na quarta-feira, o Banco Central elevou os juros.
Cálculo do Bradesco aponta que, excluídos os alimentos, o IPCA teria subido menos de 5% em 2010. A "inflação das commodities" está ligada aos problemas climáticos em alguns países, à fuga dos investidores para esses ativos, e à forte demanda dos países emergentes, como a China.
Salários. Conforme a economista da Galanto, também há evidências de que começa a surgir na China uma "inflação de salários" - o que é algo novo para o país, que é considerado o chão de fábrica do mundo.
Nos últimos meses, grandes províncias chinesas concederam reajustes de salário mínimo acima de 20%.
Até agora, por causa do impacto da crise global, que elevou a capacidade ociosa das indústrias, o Brasil "importou" deflação, o que compensou o aquecimento do mercado doméstico. "Agora a China deve começar a exportar inflação para o resto do mundo", disse Mônica.
Boa notícia. Para os exportadores brasileiros, o forte desempenho da economia chinesa é uma boa notícia. No ano passado, o país asiático se firmou como o principal cliente do Brasil, absorvendo 27,9% dos embarques. Minério de ferro, soja e petróleo responderam por mais de 80% das exportações para a China.
A demanda chinesa por commodities também traz um efeito indireto para o Brasil: eleva os preços da maior parte dos produtos que o País vende para qualquer lugar do mundo.
Em 2010, os produtos básicos responderam por 44,6% das exportações, superando os manufaturados pela primeira vez desde 1978.
Os termos de troca (diferença entre os preços dos produtos exportados e importados) do Brasil estão em nível recorde. De acordo com a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), em dezembro, esse indicador estava 17% acima do ápice atingido em agosto de 2008, antes da crise.
Graças aos termos de troca bastante positivos, o Brasil conseguiu superávit de US$ 20,3 bilhões na balança comercial em 2010, o que ajudou a amenizar o déficit em transações correntes.
Segundo Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados, o governo chinês vai se esforçar para manter a inflação controlada - o que significa preços de commodities mais moderados -, que vai se refletir na balança comercial brasileira.
A média dos analistas de mercado projeta superávit comercial de US$ 9 bilhões este ano.
Veículo: O Estado de S.Paulo