Argentina sofre com o próprio protecionismo

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Empresários dizem que barreiras à importação impostas pelo governo Kirchner já provocam falta de insumos para a indústria nacional

 


A Câmara de Importadores da Argentina (Cira) alertou para a falta de insumos que a indústria nacional está sofrendo por causa das diversas barreiras protecionistas impostas pelo governo da presidente Cristina Kirchner.

 

As mais recentes restrições, implementadas pelo secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno - em vigência desde o dia 1.º de fevereiro -, determinam que todo empresário que queira importar precisa da autorização prévia da Administração Federal de Ingressos Públicos (Afip, a receita federal local) e da Secretaria de Comércio Exterior, comandada por Beatriz Paglieri, que desde dezembro acumula diversas funções que estavam com os Ministérios da Economia e de Relações Exteriores.

 

Essa estrutura burocrática, no entanto, não estaria em condições de atender a todos os pedidos que recebe. Isso, segundo a Cira, está provocando grandes demoras nos trâmites para autorizar a entrada de produtos estrangeiros, incluindo os brasileiros, no mercado argentino. Além disso, para complicar, o pedido de autorização só é aceito se a empresa enviar os dados requeridos em um CD (não pode ser pen drive, carta, e-mail ou fax), que deve ser entregue pessoalmente na Secretaria de Comércio.

 

O novo sistema implicará, caso funcione, numa espera de 18 dias para o importador. Só depois desse prazo, o empresário saberá se o pedido foi aceito ou não. Além disso, acrescentam-se uma série de medidas protecionistas adicionais, como licenças não automáticas, valores-critério, acordos voluntários de restrição e medidas antidumping.

 

Miguel Ponce, porta-voz da Cira, afirma que existe escassez de máquinas para fabricar parafusos, máquinas agrícolas, insumos para a indústria petrolífera, entre outros. "Há uma falta de insumos para quase todos os setores industriais do país. Por esse motivo, estão em perigo as linhas de produção e os turnos de horas extras na Argentina", diz. A secretária Beatriz retruca: "Nenhuma empresa vai parar por falta de insumos".

 

Reclamação geral. As barreiras argentinas, que nas últimas semanas causaram irritação na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e reclamações por parte do governo brasileiro, também estão acabando com a paciência de outros países vizinhos. É o caso do Uruguai, onde o chanceler Luis Almagro, em uma reunião com parlamentares, disse que as relações com a Argentina são "boas", embora o sócio do Mercosul viole as normas do bloco. Segundo o ministro, "os tribunais de resolução de controvérsia são um ponto fraco" do Mercosul.

 

O próprio presidente José Mujica fez usou de uma metáfora ao afirmar que "do ponto de vista real, o Mercosul existe. Mas, do ponto de vista jurídico, virou um chiclete". Na semana passada, de 150 licenças não automáticas de produtos têxteis uruguaios destinados ao mercado argentino, somente um terço havia sido liberada. No entanto, sequer estas haviam conseguido entrar na Argentina, já que estavam pendentes da aprovação da Afip e da Secretaria de Comércio.

 

O presidente da Câmara de Indústrias do Uruguai, Washington Burghi, resumiu o pensamento de seus conterrâneos e de diversos empresários brasileiros: "O que é que mudou nas últimas semanas em relação ao que já reclamávamos da Argentina no ano passado? Nada. Se alguma coisa mudou é que a Argentina colocou mais barreiras".

 

Em Assunção, Paraguai, as recentes medidas argentinas foram criticadas por Eduardo Felippo, vice-presidente da União Industrial Paraguaia: "É uma nova barreira extra-alfandegária".

 

Do outro lado da Cordilheira dos Andes também predomina a irritação com o governo Kirchner. Esse é o caso dos empresários da Sociedade Nacional de Agricultura do Chile (SNA), que apresentaram à Comissão Antidistorções um pedido para a aplicação de tarifas alfandegárias maiores para os produtos que a Argentina exporta para aquele país. Na mira dos chilenos estão o milho, leite, carne de frango e óleos comestíveis.

 

De remédios a futebol. Além da falta de insumos, outros produtos, sem similares nacionais, desapareceram. O presidente do Sindicato de Bioquímicos da Argentina, Marcelo Peretta, informou que existe uma crescente escassez de remédios oncológicos e de tratamento para a aids, que são importados: "As reservas desses medicamentos durarão apenas 30 dias, no máximo 60".

 

Os economistas afirmam que o novo sistema do governo Kirchner cria mais problemas para a entrada de produtos, gerando desabastecimento.

 

Isso fica evidente no setor de eletrodomésticos, que desde dezembro está desabastecido. Para driblar a falta de produtos, os consumidores argentinos - que enfrentam uma escassez sem precedentes de ferros de passar e liquidificadores - atravessam o Rio da Prata para comprar eletrodomésticos no Uruguai.

 

Só em janeiro, graças aos compradores argentinos, o comércio uruguaio vendeu 20% a mais do que no mesmo mês do ano passado. "Os argentinos vem para cá para comprar produtos que não encontram mais em seu país", explicou Fabián Rozenblum, diretor da Motociclo, rede de eletrodomésticos uruguaia.

 

As medidas do governo Kirchner também estão afetando setores inesperados, como o futebol. Segundo a agência Noticias Argentinas, a brasileira Tramontina decidiu suspender o contrato de patrocínio que tinha com o clube argentino River Plate por causa das barreiras de Guillermo Moreno, que impossibilitariam a entrada das tradicionais facas brasileiras, admiradas pelos consumidores argentinos.

 

Veículo: O Estado de S.Paulo

 


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