As vendas no varejo encerraram o terceiro trimestre com altas expressivas, mas mostrando desaceleração em relação aos trimestres anteriores, numa trajetória diferente da registrada pela indústria, que ganhou fôlego ao longo do ano. A comparação dos números do comércio e da indústria sugerem que o setor produtivo terminou setembro em níveis elevados de produção e com estoques crescentes, preparando-se para um fim de ano positivo, que pode não se concretizar dado o agravamento da crise global, marcado pela forte contração do crédito.
No terceiro trimestre, as vendas do comércio varejista ampliado (que inclui veículos, motos e material de construção) aumentaram 2% em relação ao segundo, na série com ajuste sazonal, de acordo com a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) do IBGE. É um número inferior aos 4,3% do primeiro e aos 4,1% do segundo. A produção industrial teve alta de 2,7% no terceiro trimestre, acelerando-se na comparação com os dois trimestres anteriores (expansão de 0,7% no primeiro e 0,9% no segundo).
O economista David Kupfer, diretor de Pós-Graduação do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que, como a indústria "preparou-se para um quarto trimestre muito mais animado do que vai ocorrer", a tendência é de que exista "algum estoque forçado" que deve resultar em promoções de fim de ano, pelo menos para aquelas empresas que estiverem com seus caixas mais apertados.
Um dos casos mais evidentes de estoques elevados é o da indústria automobilística - em outubro, os inventários equivaliam a 38 dias de vendas, mais que os 29 registrados em setembro, de acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Os números do mês passado já refletem em parte a piora das condições de crédito e a menor confiança dos consumidores. "Os estoques elevados explicam as férias coletivas concedidas pelas montadoras em outubro", diz o economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero.
O resultado das vendas do comércio em setembro foi bastante positivo, ainda que tenha havido uma desaceleração nas taxas de crescimento trimestrais. Em setembro, o comércio ampliado teve alta de 4% em relação a agosto, na série com ajuste sazonal, e de 16% sobre setembro de 2007. No caso do comércio restrito, houve aumento de 1,2% na comparação com agosto e de 9,4% sobre o mesmo mês de 2007.
Os grandes destaques foram as vendas de bens que dependem fortemente do crédito, como móveis e eletrodomésticos, veículos e motos, partes e peças, e equipamentos e material para escritório, informática e comunicação - este último item, por exemplo, cresceu 50,6% em relação a setembro de 2007. As vendas de veículos e motos aumentaram 28,8%.
Para a economista Thaís Marzola Zara, da Rosenberg & Associados, esses números refletem "em grande parte, uma corrida para aproveitar as últimas oportunidades de crédito disponíveis". Ela acredita que muitos consumidores também anteciparam compras para evitar reajustes de preços devido às pressões sobre o câmbio.
Para a economista Giovanna Rocca Siniscalchi, do Unibanco, o período entre julho e outubro vai marcar o último trimestre de expansão forte da atividade econômica. "A partir dos números de outubro nós teremos uma noção mais clara dos impactos da crise, afirma ela, que viu um desempenho bastante firme das vendas no varejo em setembro, ainda refletindo condições de crédito favoráveis e o momento positivo do mercado de trabalho. Thaís também diz que os dados de outubro de produção e comércio deverão mostrar uma mudança significativa da atividade econômica. Os números da fabricação e vendas de veículos já divulgados indicam isso. O emplacamento de veículos caiu 11% em relação a setembro.
A grande dúvida é saber o ritmo em que se dará a inflexão da atividade. Montero observa que os estoques estavam crescendo mesmo quando a demanda avançava a uma velocidade expressiva. Com a piora das condições de crédito e a incerteza em relação à demanda, manter inventários elevados se torna algo ainda mais custoso.
Especialista em economia industrial, Kupfer diz que vê dois cenários para o problema dos estoques: o primeiro deles é o das promoções, que ele considera consistente com o quadro de liquidez baixa trazido pela crise financeira internacional. "Pelo menos aquelas empresas que estão com grandes estoques e com o caixa não tão generoso vão tender a entrar em grandes promoções. E isso vai ter um efeito positivo para a sustentação do nível de atividade."
No segundo cenário, Kupfer vê empresas que se estocaram, mas que estão com o caixa mais confortável e, por isso, irão ter uma atitude mais passiva, aguardando o escoamento natural desses estoques no começo de 2009.
Um provável Natal cheio de promoções, segundo a análise do economista da UFRJ, terá efeito positivo sobre a inflação. Mas, independentemente dos efeitos positivos que os esforços de vendas possam trazer para o nível de atividade econômica, Kupfer diz ser inevitável que os próximos índices de produção industrial revelem uma parada importante da indústria. "Somente as férias coletivas que vários setores deram em outubro já terão um impacto significativo sobre o índice de produção industrial."
Veículo: Valor Econômico