O próximo ato do crescimento

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Juros baixos não bastam. Empresários e banqueiros se mobilizam e pressionam o governo para criar novas fontes de recursos de longo prazo para investir.

 

Foi-se o tempo em que os empresários roíam as unhas à espera das reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom). Na quarta-feira 11, sem surpresas, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini e seus sete diretores diminuíram a taxa Selic para 8%, o menor nível da história. “O Copom considera que, neste momento, permanecem limitados os riscos para a trajetória da inflação”, justificou o colegiado. O que, para os decifradores das atas do BC, indica que novos cortes virão por aí. Vencida a batalha dos juros básicos estratosféricos, o País agora espera pelo próximo ato do governo para solucionar a falta de recursos de longo prazo para financiar projetos de investimento.

Depois de serem cobrados para que cedessem ao espírito animal e corressem mais riscos em prol do crescimento, os empresários apresentaram à equipe econômica um mapa com o caminho das pedras para que isso aconteça. No último dia 6, mais de 40 representantes do comércio, da indústria e dos bancos privados almoçaram no hotel Emiliano, em São Paulo, com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do BNDES, Luciano Coutinho. O encontro, organizado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), colocou na mesa um menu de alternativas de financiamentos de longo prazo, hoje restritos ao BNDES. A saída sugerida foi o desenvolvimento de um mercado de títulos emitidos por empresas – de, no mínimo, quatro anos de prazo –, hoje quase inexistente.

Coube ao presidente do Iedi e co-presidente do Conselho de Administração da Natura, Pedro Luiz Passos, a função de detalhar as sugestões a Mantega e Coutinho, com o objetivo de alcançar R$ 50 bilhões de emissões em três anos. O montante seria atingido por meio de dois tipos de títulos: papéis voltados apenas para os investidores estrangeiros e debêntures de infraestrutura, destinados a aplicadores locais e internacionais. O presidente do BNDES não só gostou do que ouviu, como classificou de tímida a meta inicial. “Já, já, o mercado de longo prazo supera os R$ 400 bilhões”, afirmou Coutinho, segundo relato de um dos participantes do encontro. Na prática, os empresários querem que o governo coloque a força dos bancos estatais a favor desse mercado.

Eles garantiriam uma demanda mínima nas emissões e fariam leilões periódicos para dar fluxo aos papéis no mercado secundário. Hoje, os compradores de títulos corporativos sentam-se sobre os papéis até o vencimento e o mercado não deslancha. Criar volume é essencial para atrair os bilionários fundos de pensão e os bancos privados. Bradesco e Itaú, que enviaram representantes ao almoço, prometem participar. A tarefa não é fácil. Na década passada, em média, as debêntures financiaram apenas 9% dos investimentos na indústria e na infraestrutura, enquanto o BNDES foi responsável por 25% e o caixa das empresas por 48%. No ano passado, houve até uma tentativa por parte do governo de estimular a emissão de debêntures de infraestrutura.

Mas nenhuma operação foi feita porque há dúvidas jurídicas sobre a utilização desse instrumento. O ministro Guido Mantega mostrou-se confortável diante das propostas. “Gostei de 90% das sugestões apresentadas”, disse ele, prometendo levá-las adiante. O Brasil perde para seus vizinhos latinos a corrida pelo mercado de financiamento de longo prazo. Um estudo do ex-superintendente de Pesquisa e Acompanhamento Econômico do BNDES Ernani Teixeira Torres Filho, feito a pedido do Iedi, mostrou que em 2010, o Brasil tinha um estoque de debêntures equivalente a apenas 0,5% do PIB. O índice é superado por Colômbia (0,6%), Argentina (1,8%), México (3,4%) e Chile (14,6%).

“Os juros altos durante muito tempo inibiram o lançamento de títulos pelas empresas e, por outro lado, concentraram a demanda em papéis públicos, que têm liquidez e segurança”, diz Torres Filho. O governo já ensaiou algumas iniciativas, como a alíquota zero do Imposto de Renda (IR) nessas operações. A atual política de afrouxamento monetário tende a forçar os investidores a sair da zona de conforto e assumir mais riscos. “Com a queda dos juros básicos, os correntistas precisam buscar outros tipos de investimentos em vez dos títulos públicos”, diz o empresário João Guilherme Ometto, dono da usina São Martinho. Os papéis corporativos tendem a oferecer uma rentabilidade maior que a dos papéis do governo.

Para o presidente da Coteminas, Josué Gomes da Silva, esse mercado possibilita, também, uma poupança de longo prazo. “Era quase impossível concorrer com aplicações de renda fixa que oferecem rentabilidade muito alta, liquidez imediata e segurança”, diz Gomes da Silva. Se bem-sucedido, o novo mercado tornará as empresas menos dependentes dos financiamentos públicos. “O Brasil precisa incentivar mecanismos alternativos ao BNDES e atrair capitais internacionais que querem investir no longo prazo”, diz Passos, da Natura. Seria o mundo ideal para que o País mantenha em cartaz o tal espetáculo do crescimento anunciado por Lula, antecessor da presidenta Dilma Roussseff.


Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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