Com uma taxa de poupança interna cronicamente baixa e grande propensão ao consumo, talvez o Brasil devesse esquecer a ideia de ter uma indústria local heterogênea e adotar um modelo mais próximo ao australiano: grande produtor de commodities, o país tem um déficit em transações correntes de 5,5% do Produto Interno Bruto (PIB) segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) para 2013, e uma indústria com pouca representatividade no PIB.
Em meio aos esforços da indústria para se reerguer de um cenário de queda na produção e de baixos níveis de produtividade, a polêmica recomendação é defendida por um grupo de economistas que enxerga uma correlação importante entre poupança e indústria. E que, na falta da primeira, busca apontar alternativas ao crescimento econômico que não sejam necessariamente ancoradas em setor manufatureiro amplo e forte.
Em linhas gerais, um país com uma baixa taxa de poupança, como o Brasil, se torna um importador de poupança externa via bens e serviços vindos de fora. Nessa dinâmica, o câmbio é a variável a ajustar essa necessidade de poupança externa, o que significa que a tendência da moeda local é de valorização - algo mortal para a indústria de manufatura. "A queda da participação da indústria no PIB é meio inexorável, mas há países em que parece que essa desindustrialização é mais forte", afirma Silvia Matos, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (IBRE/FGV). O Brasil seria um deles.
Segundo Silvia, a taxa de poupança doméstica tem se mantido perto de 17% do PIB nos últimos dez anos, afastando-se tanto das taxas de países asiáticos quanto de países da América Latina. Essa discrepância, mais forte especialmente a partir dos anos 1990, pode ter entre as suas explicações o modelo de previdência adotado pelo Constituição de 1988.
"A nossa seguridade social faz com que a poupança privada seja estruturalmente baixa", diz Samuel Pessôa, chefe do centro de crescimento econômico do IBRE. Para ele, dado que a agenda da sociedade é focada na equidade e não no crescimento, ciclos de expansão econômica geram aumento do gasto público, da carga tributária e dos programas sociais, tendo como resultado, a redução da poupança interna.
Além de não sair do lugar, a taxa de poupança interna deixou de se relacionar com a taxa de investimento. Silvia, Pessôa e outro economista da FGV, Gabriel Leal de Barros, argumentam em estudo ainda inédito que, nas duas últimas décadas, a maior parte da expansão da taxa de investimento - especialmente entre 2004 e 2008 - se deveu à elevação da poupança externa, sendo um de seus efeitos colaterais o câmbio valorizado e a consequente desindustrialização. O quadro para a indústria seria agravado por pelo menos um outro fator: países com baixa poupança tendem a ter um custo de capital mais alto (juro mais elevado), o que também é ruim para a indústria, intensiva em capital.
Segundo Silvia, a depreciação do câmbio para estimular a reação da indústria com a consequente redução dos salários reais envolveria um equilíbrio político complicado e custos que a sociedade não parece disposta a pagar. Fora o forte impacto sobre a inflação. "O fato é que todos os nossos ciclos de crescimento vêm com aumento de importação", diz Silvia. "As pessoas teriam que parar de consumir tanto, mas esse seria outro país".
Diante desse cenário, diz Silvia, seria possível adotar uma perspectiva de crescimento alimentado por mais poupança externa, o que significa maiores déficits em conta corrente. Algo próximo, complementa a economista, ao modelo australiano, de forma que o déficit em transações correntes brasileiro saísse dos 2,3% registrados em dezembro para algo entre 4% e 6% do PIB. Além disso, diz Silvia, o país deveria concentrar esforços apenas nos setores da indústria mais competitivos, como a agroindústria e a indústria extrativa.
A escolha, no entanto, exigiria cuidados. Pessôa lembra que a acumulação de dívida em outra moeda exigiria a criação de algumas estruturas institucionais que mitigassem o risco cambial, como mercados financeiros líquidos e que reduzam o custo de hedge (proteção) cambial, além de uma moeda mais conversível. "Não tem nada na teoria econômica que diz que é errado poupar pouco". diz. "Mas quando a gente poupa pouco tem que ter certas instituições".
A visão, no entanto, tem os seus críticos. "Discordo que a melhor forma de aumentar a taxa de investimento do Brasil é aumentar a poupança externa", diz o professor emérito da FGV, Luiz Carlos Bresser-Pereira. Segundo o ex-ministro da administração federal no primeiro governo de FHC, a ideia de crescer com poupança externa foi adotada em 1994, com a estabilização da moeda. Os efeitos, diz ele, foram o desincentivo ao investimento e o estímulo ao consumo, impulsionado pelo aumento do salário real e da propensão aos gastos da sociedade brasileira.
Bresser-Pereira admite que a elevação do déficit para 4% ou 5% até poderia impulsionar o investimento em alguma medida, mas a um custo bastante elevado. "É o que chamo de populismo cambial ortodoxo, já que aumenta salário e consumo, deixando todo mundo feliz". Mas, complementa, é caro, expõe a economia a uma fragilidade financeira internacional, além de levá-la mais facilmente a uma crise cambial, como a de 1998.
Em sua "macroeconomia estruturalista do desenvolvimento", o economista avalia que, nos países em desenvolvimento, pode ser observada uma sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio - seja em razão de entradas excessivas de capital, da política de crescimento com poupança externa ou doença holandesa (a valorização excessiva do câmbio via exportações de commodities, afetando os setores de manufaturados). E sugere uma taxa de câmbio de equilíbrio industrial entre R$ 2,80 e R$ 2,90.
"É claro que é uma desvalorização grande, mas ajudaria o Brasil a crescer a taxas duas ou três vezes acima do que cresce hoje". Bresser-Pereira não nega que existiriam fortes custos no curto prazo distribuídos para toda a população. "Mas essa é uma decisão que a sociedade vai ter que tomar".
Veículo: Valor Econômico