Mesmo depois da alta do dólar ante o real de 0,69% na semana passada e de 2,39% em maio, a moeda brasileira ainda tem um dos melhores desempenhos se comparada a outras divisas de perfil similar. O enfraquecimento do preço das commodities, que tem como pano de fundo perspectivas piores para o desempenho da economia chinesa, explica a pressão de desvalorização para o câmbio de países cuja pauta de exportação é concentrada nesse tipo de matéria-prima, casos de Brasil, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul.
Essa circunstância pode justificar a decisão do Banco Central de não intervir no mercado, apesar de a cotação ter ultrapassado o nível antes considerado o teto informal da banda cambial. "Acho muito difícil o BC defender um nível artificial do câmbio para segurar a inflação até a eleição. Ele conhece bem a experiência de 1999 para saber que isso geraria um grande desastre mais à frente", diz um experiente profissional, referindo-se aos efeitos da política de bandas cambiais, que antecedeu o atual sistema flutuante.
A pressão de alta de dólar, que cresceu no mundo todo, tem como pano de fundo a discussão sobre uma mudança no rumo da política monetária americana. Investidores se antecipam à possibilidade de o quadro de liquidez abundante ser revertido, ideia reforçada por declarações do presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, de que a redução do programa de compra de títulos pode começar em alguns meses.
Só que esse movimento é ainda mais potente sobre as moedas de países emergentes. Primeiro, porque esses ativos foram os que mais se beneficiaram da fase de liquidez abundante. Mas também por causa dos sinais de desaceleração da economia da China, o grande consumidor global de commodities. O preço do minério de ferro, por exemplo, acumula perda de 8,5% no último mês.
Nesse mesmo período, as moedas com perfil semelhante ao real "apanharam" mais do dólar do que o euro (o dólar ganha 0,60% do euro nesse período) e o iene (1,60%). O dólar ganha 6,01% ante a moeda australiana, 4,41% ante o rand sul-africano e 4,42% em relação ao dólar neozelandês. Na comparação ao real, a alta é de apenas 1,24%.
O fluxo positivo de recursos no Brasil ajuda a explicar esse desempenho melhor do real. Têm inundado o mercado recursos da captação externa de US$ 11 bilhões da Petrobras, além de dinheiro de exportadores, que internalizam os dólares recebidos por seus clientes aproveitando o câmbio mais favorável. Esses ingressos têm sido absorvidos pelas instituições financeiras, que deixaram uma posição "vendida" (apostando na queda do dólar) em cerca de US$ 4 bilhões para ficar "compradas" (ganha com a alta da moeda) em US$ 3,3 bilhões, segundo os últimos dados de fluxo do Banco Central.
Também existe a perspectiva da venda de um lote de NTN-A, títulos cambiais detidos pela massa falida do Banco Econômico, em leilão marcado para 4 de junho, o que terá efeito de fluxo positivo de cerca de US$ 3,8 bilhões. O ingresso e a perspectiva de fluxo explicam a melhor performance do real se comparado a outras moedas.
Mas também existe a sombra das atuações do BC. Embora o mercado acredite que este não é o momento adequado para intervenções, o fato de existir um volume de reservas à disposição inibe movimentos mais fortes. Sem falar no instrumento do IOF sobre títulos de renda fixa, atualmente fixado em 6%, e que poderia ser retirado caso fique evidente uma deterioração mais intensa das condições de rolagem da dívida.
Uma variável que acende essa preocupação é o comportamento dos juros futuros para 2023, que balizam os preços para títulos públicos de longo prazo. Esse contrato alcançou a máxima de 10,30% na sexta-feira, como reflexo da mudança de posições de investidores estrangeiros pelo mundo. A alta dá um sinal de encarecimento para a dívida e alimenta, entre agentes, o debate sobre alguma ação mais direta sobre o ingresso de capital externo para renda fixa no Brasil.
Por fim, a perspectiva de um aperto monetário mais intenso tem efeitos sobre a cotação. O mercado trabalha hoje com a ideia de uma alta da taxa Selic de 0,5 ponto percentual na reunião do Copom dessa semana. "Se vier menos que isso certamente a pressão de desvalorização do câmbio vai ficar mais forte", prevê um analista.
Veículo: Valor Econômico