A valorização da moeda americana no segundo trimestre acendeu uma luz amarela para as empresas com dívida em moeda americana e deve reduzir o lucro das companhias listadas em bolsa. O dólar Ptax, utilizado como base para contratos financeiros, encerrou o período em R$ 2,216, em alta de 10% em relação à cotação do fim de março.
A variação ficou próxima da verificada no segundo trimestre do ano passado e, naquele período, o salto nas despesas financeiras foi significativo: o número negativo no resultado financeiro líquido de 240 companhias nacionais listadas cresceu mais de cinco vezes em relação aos três meses anteriores. Levantamento elaborado pelo Valor Data mostra que esses gastos passaram de R$ 4,8 bilhões para R$ 26,3 milhões e sua fatia em relação à receita subiu de 2% para 8%.
Excluindo-se Petrobras, Vale e Eletrobras da lista - que, por causa de seu tamanho, distorcem o resultado geral -, o avanço nas despesas financeiras naquela época foi de 198%, para R$ 15,5 bilhões. A rubrica consumiu 6,8% do faturamento contra 2,5% no primeiro trimestre de 2012.
Aplicando-se essa variação ao segundo trimestre de 2013, os gastos com pagamento de juros e variação cambial podem tirar R$ 13,2 bilhões dos balanços das empresas listadas. Considerando-se Vale, Petrobras e Eletrobras, o rombo geral seria ainda maior, de R$ 25,4 bilhões. Vale ressaltar que esse é apenas um exercício simplificado, já que não considera a variação do estoque de dívida denominada em dólar e nem eventuais mudanças nas políticas de proteção financeira (hedge).
O impacto ocorre porque os passivos em moeda estrangeira são todos corrigidos pela cotação do último dia útil do período e a diferença em relação ao trimestre anterior é contabilizada como perda financeira. Ainda que não implique desembolso imediato de recursos - o chamado "efeito caixa" -, essa correção tende a reduzir o número da última linha do balanço e pode comprometer a distribuição de dividendos.
Além do efeito imediato do dólar mais caro no estoque de dívida, há uma implicação mais sutil sobre a geração de caixa das empresas, que depende essencialmente do perfil do negócio - exportador ou importador - e do descasamento entre a moeda pela qual são compostos os principais itens do faturamento e dos custos.
Apesar de exportar petróleo, com esse nível de câmbio a Petrobras deve encerrar o segundo trimestre no zero-a-zero, com lucro de R$ 0,01, diz o Morgan Stanley. O principal impacto ocorreria por conta da correção da dívida, que é cerca de 60% denominada em dólar. Outro impacto, no entanto, viria do aumento da defasagem entre os preços internacionais dos combustíveis e seu valor no mercado interno. A estatal compra gasolina e diesel no mercado externo, em dólares, e vende mais barato no mercado interno, em reais. Por isso, a expectativa do banco é de queda de 3% no lucro operacional da companhia em relação ao trimestre anterior, para R$ 15,7 bilhões.
Mesmo as produtoras de papel e celulose, que são cotadas pelos analistas como as mais beneficiadas no médio prazo pela valorização do dólar, com mais de 80% das receitas em moeda americana, podem passar ao vermelho no segundo trimestre devido ao efeito cambial. "As perdas na última linha do balanço da Suzano e Fibria no segundo trimestre são resultado da dívida em moeda estrangeira", afirma a equipe do Deutsche Bank em relatório.
Apesar da expectativa de uma receita mais forte e de melhora operacional, o lucro líquido dessas companhias pode ser ofuscado pelos efeitos da conversão da dívida. No caso da Fibria, que tem 90% da sua dívida em dólar, o Deutsche Bank revisou a expectativa anual de lucro de R$ 162 milhões para um prejuízo de R$ 329 milhões. No caso da Suzano, que tem uma fatia menor do passivo em dólar, de 45% - o efeito será mais brando, passando de ganho de R$ 177 milhões para perdas de R$ 37 milhões. As previsões levam em conta uma média de R$ 2,15 para o dólar neste ano.
A aérea Gol é apontada pelos analistas como uma das mais afetadas pela alta do dólar - número que se reflete nas ações da companhia, que recuaram 37% entre o fim de março e junho. Cerca de 55% dos gastos da companhia são denominados em dólar, por causa de gastos com combustível, contratos de leasing e manutenção de aeronaves. Além disso, 70% da dívida está em moeda americana. Na contramão, apenas 5% das receitas são geradas em dólar.
Nesse cenário, pelos cálculos do BTG, cada 5 centavos de valorização do dólar tira 1 ponto percentual do lucro operacional da companhia. A expectativa do banco é que o prejuízo da Gol aumente em R$ 153 milhões, para R$ 369 milhões no segundo trimestre.
Até mesmo a Sabesp, que tem um perfil mais defensivo, com operações ligadas ao mercado interno e fluxo de caixa pouco sujeito à oscilações da economia, deve sofrer com o dólar. No fim do primeiro trimestre, 27% da dívida de R$ 8,83 bilhões era denominada na divisa americana. Nas contas do J.P. Morgan, o ganho de valor frente ao real deve trazer perdas cambiais de cerca de R$ 290 milhões para a companhia. A quantia é parcialmente compensada por um ganho de R$ 30 milhões com o enfraquecimento do iene, que representa 10% do endividamento.
Veículo: Valor Econômico