Juros ameaçam as compras de Natal

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Com as taxas em trajetória de alta, o recomendado é não se endividar para adquirir presentes. Crédito fácil é armadilha

 



Quem planeja ir às compras este fim de ano deve preparar o bolso. Com a economia desaquecida, a inflação elevada e as famílias comprometidas com dívidas, os bancos dificultaram ainda mais as condições para concessão de crédito. Apenas as linhas emergenciais, como o cartão de crédito e o cheque especial, justamente as opções de pagamento mais usadas no comércio, têm sido liberadas facilmente, pois são menos exigentes com a comprovação de renda e capacidade de pagamento pelo tomador. Mas, o que à primeira vista pode parecer uma facilidade, trata-se, na verdade, de uma armadilha ao consumidor.

Uma pessoa que recorrer a financiamentos para realizar compras de fim de ano poderá pagar até 10 vezes o valor do bem apenas com juros, dependendo da operação feita. É o caso do empréstimo pessoal não consignado feito pelo Banco Daycoval, cuja taxa média de juros praticada em setembro chegou a 900,57% ao ano. Um cliente que tomasse R$ 1 mil a essa taxa pagaria, ao fim de 12 meses, nada menos que R$ 10.007,17.


Ainda que assuste, o valor, no entanto, ainda nem chega a ser o total que o cliente pagará pelo empréstimo. Em vários casos, ao se incluírem as tarifas e impostos de cada operação bancária, o custo do financiamento poderá até mesmo quadruplicar. Para conferir o valor final a ser pago, é preciso sempre consultar o Custo Efetivo Total (CET), que tem de ser informado pelo banco ou financeira.


“Assumir uma dívida dessas para adquirir um bem material, que muitas vezes não durará nem mesmo um ano, é empenhar a própria alma”, alerta o professor de finanças pessoais Silvio Paixão, da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis e Financeiras (Fipecafi). “A não ser que a pessoa ganhe na loteria, ela certamente terá muita dificuldade para quitar esse empréstimo”, diz, acrescentando que, provavelmente, ela terá de trabalhar todo o ano apenas para pagar juros. “Tudo para satisfazer um desejo absolutamente passageiro, que é o de presentear um ente querido no Natal”, diz.


Em geral, essas operações são feitas para quem já está com a corda no pescoço, com pouca ou nenhuma capacidade de honrar com os compromissos assumidos. “O mais comum é o consumidor usar esse dinheiro para quitar empréstimos atrasados. Mas, não raro, há quem recorra a esse tipo de financiamento para abusar das compras de fim de ano”, conta o educador financeiro Mauro Calil.

PERIGO Nesses casos, o ato de presentear um ente querido, que deveria ser uma atitude prazerosa, pode se tornar um risco à saúde financeira. “Não há problemas em parcelar as compras no cartão, fazer um carnê etc. Tudo isso é até aceitável, desde que não pese no orçamento doméstico”, diz. O especialista chama a atenção, porém, para outras formas de endividamento muito comuns no fim de ano e também perigosas, como o cheque especial e o cartão de crédito, cujas taxas também estão nas alturas.


Dados do Banco Central mostram que as taxas do cheque especial encontram-se no maior patamar em 15 anos. Em setembro, quem recorreu a esse tipo de empréstimo pagou, em média, juros de 183,3% ao ano. Em dezembro de 2013, o mesmo consumidor que tivesse usado o cheque para financiar as compras de Natal sentiria um peso bem menor no bolso, já que as taxas cobradas, naquela época, eram 35,3 pontos percentuais menores do que agora, de 147,9%.


No cartão de crédito a situação é ainda pior. A fatura de quem usou o dinheiro de plástico chegou, também em setembro, a 241,6% ao ano. Também há 12 meses a situação era menos delicada. Dados da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) mostram que as taxas cobradas, em dezembro de 2013 eram 50 pontos percentuais menores, de 192,4% ao ano.


No mesmo período, a taxa Selic, que serve de parâmetro para todos os empréstimos bancários no país, subiu apenas um ponto, de 10% ao ano para 11%. É por isso que, após a recente elevação dos juros, a tendência é que as demais operações de crédito também fiquem mais caras.

Escalada para 2015

Na semana passada, o Comitê de Política Monetária (Copom) anunciou a alta em 0,25 ponto percentual na taxa Selic, que passou de 11% para 11,25% ao ano. Para especialistas, foi o início de uma escalada que deve se estender pelo menos até meados de 2015. As apostas são de que o Copom eleve a taxa em 0,25 ponto percentual nos próximos três encontros, marcados para ocorrer em dezembro e em janeiro e março de 2015. Ao fim do processo, a Selic estaria em 12% ao ano – o maior patamar desde agosto de 2011.

O ajuste tende a tornar o custo de financiamentos ainda mais elevado para o consumidor, alerta o economista sênior da Besi Investimento, Flávio Serrano. Não só isso. Além dos juros mais elevados, o cenário econômico mais desfavorável, que combina baixo crescimento e inflação elevada, também tende a prejudicar as compras de Natal. “No fim das contas, o que vai fazer diferença é o endividamento mais alto das famílias, o rendimento real dos trabalhadores em queda e o mercado de trabalho desaquecido, o que se reflete na população ocupada também em desaceleração”, diz.
“Em alguns setores, como na indústria, está havendo desemprego, porque as montadoras estão demitindo”, reforça o economista, alertando que, em virtude do ambiente de incerteza, o desejável é que o consumidor evite se endividar. “É um momento de cautela. Aqueles que dependem de crédito têm que ser mais precavidos, até porque a situação econômica do país piorou muito, assim como as condições de juros, que estão mais difíceis por causa dessa apreensão dos banqueiros com o futuro”, assinala o economista Miguel Ribeiro de Oliveira, da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), que alerta: “Normalmente, as pessoas gastam tudo no Natal e se esquecem de que têm um ano inteiro pela frente, a partir de janeiro”, conta.

Não por outro motivo, o educador financeiro Mauro Calil recomenda prudência com as compras de fim de ano. “Não adianta ter um Natal bom e o resto do ano terrível. É melhor se sacrificar um pouquinho agora para não ficar com a corda no pescoço em 2015”, diz, acrescentando que a desaceleração da economia torna ainda mais delicada a vida do consumidor. “As coisas não estão fáceis. Tem aumento da gasolina, da inflação, da energia. É hora de botar as barbas de molho, até mesmo as do Papai Noel”, recomenda. (DB)

De olho no CET

O Custo Efetivo Total (CET) é uma taxa que corresponde a todos os encargos e despesas incidentes nas operações de crédito. É expresso na forma de taxa percentual anual, englobando não apenas a taxa de juro, mas também tarifas, tributos, seguros e outras despesas cobradas. Há bancos que cobram taxas de juros menores, mas, ao incluir outras despesas nos contratos, o CET fica mais elevado. Por isso, antes de contratar uma operação de crédito, compare o CET fornecido para um crédito de mesmo valor e prazo.



Veículo: Estado de Minas


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