Inflação encolhe embalagens dos produtos

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Reduzir quantia é legal, se informado no rótulo. Risco é varejo manter preço antigo e cliente não perceber

 



A alta da inflação, que acumulou 4,56% no ano até abril, superando o centro da meta perseguida pelo governo para o ano inteiro, de 4,5%, traz uma nova onda de redução de embalagens, já percebida por consumidores, que acabam levando para casa menos produto pelo mesmo preço. Na prática, a medida funciona como uma espécie de reajuste disfarçado, para não ser percebido pelo comprador. A indústria fala em readequação de tamanhos e não dá detalhes sobre os motivos das mudanças. Mas, para economistas, trata- se de uma estratégia do setor para compensar o aumento de custos sem reajustar preços — e sem correr o risco de perder mercado.

— O método de encolher o tamanho é antigo, da época da hiperinflação. A quantidade do produto diminui, mas o preço continua o mesmo de quando era vendido em quantidade maior. Procurase passar uma mensagem de que o produto não aumentou de preço e continua acessível aos bolsos e, muitas vezes o consumidor acaba enganado — explica o economista Gilberto Braga.

Se o rótulo da embalagem comunicar a mudança por três meses a partir da alteração, como determina a Portaria 81 do Ministério da Justiça, em vigor desde 2002, não há ilegalidade nessa redução. Foi o que fez recentemente a Pandurata Alimentos, detentora da marca Bauducco, que reduziu o produto wafer de 165g para 140g, informação agora presente no rótulo do biscoito. Outra mudança sentida pelos consumidores foi no requeijão Itambé. Desde agosto do ano passado, a apresentação foi reduzida de 250g para 220g.

Mas, mesmo que a informação seja dada, ainda há problema quando o varejo mantém o preço para um produto que encolheu, avalia Ione Amorim, economista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor ( Idec):

— Essa prática pode caracterizar aumento injustificável de preço, o que é proibido pelo Código de Defesa do Consumidor. E as pessoas devem procurar o Procon e denunciar.

SUPERMERCADOS CONFIRMAM ESTRATÉGIA

O lançamento de versões menores de alguns produtos também requer atenção. É o caso do sabão em pó Ace Naturals, que ganhou um pacote de 750g, além do tradicional, de 1kg; e do kit promocional de xampu e condicionador Dove, que além da versão com ambas as embalagens de 400 mls, agora tem uma versão com o xampu de 400mls e o condicionador de 200mls, embalados num invólucro de papel, igual ao do produto maior. Se o consumidor, acostumado ao kit antigo, não prestar atenção no volume dos produtos informado no rodapé da caixa, pode levar para casa menos condicionador do que pensa. Já o preço é praticamente o mesmo cobrado na versão maior.

—É o tipo de movimento de mercado para o qual o consumidor tem de ficar atento. Uma coisa é o lançamento de uma nova versão. A outra é a substituição de um por outro, menor, onde cabe cumprir a portaria, e a empresa deve comunicar sobre a redução — alerta o diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor ( DPDC) da Secretaria Nacional do Consumidor, Amaury Oliva.

Além da denúncia, Ione recomenda que se busque alternativas, como a troca por outra marca que tenha o mesmo produto em tamanho maior e, quem sabe, seja até mais em conta:

— O consumidor tem que aprender a se posicionar, a boicotar. A partir do momento que ele faz a substituição, ajuda a conter essa onda.

O presidente- executivo da Associação dos Supermercados do Estado do Rio ( Asserj), Aylton Fornari, explica que a precificação, nesse caso, não depende do varejo, pois a indústria entrega aos comerciantes um produto menor, ao mesmo preço:

— Para a sobrevivência do nosso negócio, temos de aplicar nossa margem de lucro, não temos como diminuir o preço se a indústria não o faz.

Para Fornari, diante do atual cenário econômico que já tem levado os consumidores a comprar menos e substituir marcas para economizar, se a indústria repassar o aumento de custos que a produção vem tendo para o preço final ao consumidor, as vendas caem mais. Por isso, opta por reduzir a apresentação de alguns produtos e manter o mesmo preço na gôndola, explica:

— O consumidor, é claro, acaba pagando mais caro pelo produto, mas como não há aumento nominal, a sensação é de que não precisa desembolsar mais pra isso. Até porque, se aumentar o preço como seria necessário, ele não consegue vender.

Eliana Formiga, coordenadora do curso de Design da Escola Superior de Propaganda e Marketing do Rio ( ESPM- Rio), esclarece que a mudança no tamanho da apresentação de um produto não é motivada somente pelo aumento de custos da produção. Ela pode ocorrer para atender uma demanda do mercado.

— Essa mudança pode ser motivada pela necessidade do consumidor, que pode ser ter opções menores para levar numa viagem ou mesmo para os que moram sozinhos. O erro ocorre quando a indústria, em vez de oferecer uma opção, substitui o maior pelo menor, pelo mesmo preço. Daí o consumidor vai se sentir enganado — pondera Eliana.

Para ela, quanto mais transparência a indústria empregar nessa mudança, melhor ela será aceita:

— O motivo da alteração tem de ficar muito claro para quem compra, para que seja convencido de que terá ganhos com a mudança.

Desde a implantação da portaria em 2002, o Ministério da Justiça já aplicou 85 multas em empresas por alteração do volume do produto sem comunicação adequada ao consumidor. Juntas somam R$ 31 milhões. As duas mais recentes foram aplicadas em abril do ano passado, quando as fabricantes da água mineral Minalba e do xampu Colorama Ultra Camomila foram penalizadas em R$ 419.201,20 e R$ 543.659,25, respectivamente. A Minalba reduziu as embalagens da Água Mineral com Gás de 600ml para 510ml. A Procosa Produtos de Beleza, fabricante do xampu Colorama, reduziu a embalagem de 500ml para 350ml, sem a devida informação ao consumidor. As duas fabricantes recorreram das decisões do órgão e aguardam julgamento dos recursos. Elas garantem ter informado sobre as mudanças, como determina a portaria.

— O consumidor é o maior fiscal do mercado de consumo. É ele quem tem que apontar aos órgãos reguladores o que está errado. O Estado não tem como intervir no mercado, dizendo como deve produzir, mas toda a vez que a indústria reduzir a apresentação de um produto, precisa agir de forma leal e transparente para que consumidor escolha se quer ou não continuar comprando — diz Oliva.

EMPRESAS NEGAM RELAÇÃO COM PREÇO

A Pandurata Alimentos informou que a mudança no Bauducco ocorreu no Sudeste do país, ano passado, “devido ao movimento de harmonização adotado pela marca”. A região Sul já possuía o produto na versão 140g. A Itambé disse que a linha de requeijão passou por uma adequação na embalagem de 250g para 220g em agosto de 2014, “para enquadrar o produto no padrão de gramatura usual para a categoria ( de alimentos)”. A empresa informou, ainda, ter comunicado os consumidores sobre a alteração nos rótulos, conforme determina a portaria, e nas gôndolas.

A P& G, fabricante do sabão em pó Ace Naturals, garantiu que a marca não substituiu a embalagem de 1kg, mas sim incrementou o portfólio lançando a versão com 750g. Acrescenta, ainda, que “embora não tenha controle sobre os preço no mercado, a embalagem menor dificilmente é vendida pelo varejista com preço semelhante à de 1kg”.

A marca Dove disse que os dois kits promocionais têm preços distintos. O maior no valor médio de R$ 17,90, e o com condicionador 200ml R$ 13,90 em média. Para fazer a foto que ilustra esta reportagem, porém, O GLOBO comprou numa farmácia do Rio o kit com condicionador de R$ 200 ml por R$ 19,90. Em outras lojas, onde havia o pacote com ambos produtos com 400 mil, o preço médio era de R$ 20,50.

 

Veículo: O Globo - RJ


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