País tem ‘ rating’ incompatível com seus indicadores. Analistas temem corte pela Moody’s
A agência Moody’s deve reduzir a nota de crédito brasileira, preveem analistas. Enquanto o Brasil tem dívida de 62% do PIB, outros países com a mesma nota têm endividamento, em média, de 41% do PIB. Outros indicadores, como PIB e déficit externo, também são piores no Brasil. Técnicos da agência estão em visita ao país avaliando sua situação econômica.
Ao aterrissar no país esta semana para obter dados atualizados da economia brasileira, os técnicos da agência de classificação de risco Moody's encontraram números ruins e que devem piorar até o fim do ano, segundo projeções dos economistas. Alguns indicadores são piores, inclusive, do que de países com economias semelhantes à brasileira e que possuem a mesma nota ( Baa2) dada pela Moody’s, dois degraus acima do grau de investimento. Um estudo comparativo feito pela consultoria LCA com três países classificados como Baa2 pela agência — Colômbia, África do Sul e Filipinas — mostra que os indicadores do Brasil ficam abaixo da média.
O país tem a pior perspectiva de crescimento do grupo para este ano e um déficit orçamentário mais elevado do que os demais analisados no estudo. Enquanto Colômbia, África do Sul e Filipinas devem crescer 4%, em média, a economia brasileira deve encolher 1,5% na projeção da LCA. O déficit orçamentário do Brasil, em porcentagem do PIB, está em 5,6%, enquanto a média dos outros três países é de 2,77%. A dívida bruta brasileira também é maior que a média de seus pares: 61,8% do PIB frente a 41,2%. Já o saldo em conta corrente está em - 4,2% do PIB no Brasil e, nos demais, a média é de 1,60%.
APOSTA NA QUEDA NO RATING
Países como a Itália e a Espanha também têm nota Baa2 da Moody's. Mas são países considerados desenvolvidos, integrantes da União Europeia, e suas economias têm dinâmicas diferentes da brasileira. Por isso, a LCA fez a comparação com nações mais parecidas com o Brasil, como por exemplo, na dependência de
— Diante desse quadro, acreditamos que a Moody's deverá rebaixar a nota do Brasil para Baa3, mas poderá mudar a perspectiva da nota para estável se levar em conta o esforço que o país está fazendo para atingir o equilíbrio fiscal. Hoje os indicadores do Brasil estão ruins demais — afirma Celso Toledo, economista da consultoria LCA.
Toledo pondera que há possibilidade de a agência manter a perspectiva negativa, porque existe um componente subjetivo na avaliação. Silvio Campos Neto, da equipe de macroeconomia e política da consultoria Tendências, também acredita que a Moody’s vai rebaixar a nota do Brasil e que esta queda foi absorvida pelo mercado. Já a perspectiva da nota, ele considera incógnita:
— Por mais que o Brasil tenha indicadores complicados, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem boa credibilidade, e o Brasil está promovendo seu ajuste fiscal. Assim, é possível que a Moody's mude a perspectiva da nota para estável. Mas não dá para descartar que a agência mantenha a perspectiva negativa, o que seria o pior cenário, já que os mercados poderão antecipar a perda do grau de investimento.
Há também o fator político que vem contribuindo para a deterioração das expectativas, segundo os especialistas. A relação da presidente Dilma Rousseff com o Congresso é complicada. E as investigações da Operação Lava- Jato, que apura desvios de recursos em contratos da Petrobras, pesam negativamente.
— Cada hora surge um fato novo com a Lava- Jato, e há dificuldades de aprovar medidas que interessam ao governo no Congresso. Tudo isso mina a confiança dos empresários, do consumidor e traz insegurança. Isso passa uma imagem ruim do Brasil para as agências de classificação de risco — afirma Zeina Latif, economista- chefe da XP Investimentos, que acredita que o Brasil ainda corre o risco de perder o grau de investimento, uma espécie de selo de bom pagador do país.
A própria Moody’s projeta uma queda de 1,8% no PIB este ano mas, por enquanto, prevê que, em 2016, já haverá um sinal positivo trazido pelas reformas. A agência avalia que a economia brasileira pode crescer 1% em 2016. De acordo com Marcos Schmidt, vice- presidente e analista sênior da Moody’s, o Brasil teve retração de 1,6% no primeiro trimestre deste ano contra o mesmo período do ano anterior.
Ontem, o ministro Joaquim Levy, tentou convencer a Moody ´s a não rebaixar a nota do Brasil. Em reunião com técnicos da agência, ele detalhou os esforços feitos para equilibrar as contas públicas e manteve o discurso de que é preciso “mirar para o alto” na meta fiscal.
META FISCAL DEVE SER REDUZIDA
A missão da Moody’s chegou ao país na semana em que a equipe econômica discute uma redução da meta de superávit primário ( economia para o pagamento de juros da dívida pública), hoje em R$ 66,3 bilhões, ou 1,13% do PIB. Segundo interlocutores, o ministro Joaquim Levy acredita que há condições para que o superávit fique em 0,8% este ano. No mercado, a aposta é de 0,5%. Após o encontro com a Moody’s, Levy se limitou a dizer: — Foi bem. Caso a Moody’s decida mesmo rebaixar o Brasil, isso não será surpresa para a equipe econômica. Entre as agências de rating, a Moody’s é vista como a que toma as decisões mais erráticas. Nas palavras de um interlocutor do Palácio do Planalto, é a mais “mal humorada” das agências, e o governo trabalha com a possibilidade concreta de que faça uma avaliação negativa do Brasil. Isso, no entanto, ainda não faria o país perder o grau de investimento. A única agência que poderia fazer o Brasil perder o selo de bom pagador hoje seria a Standard & Poor's, mas ela não tem dado sinais de redução da nota.
Mesmo com o cenário ruim, especialistas não esperam um quadro catastrófico, com o Brasil se transformando numa Grécia. Dizem que o ajuste tem caráter recessivo, mas recolocará o país nos trilhos do crescimento, embora isso possa levar mais tempo do que o esperado.
Veículo: Jornal O Globo - RJ