Inflação alta força famílias a mudarem hábitos para não estourar o orçamento

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                                               Com os reajustes de preços superando dois dígitos, corte de despesa exige sacrifícios.

O Brasil que voltou aos anos 1990, com inflação de dois dígitos e desemprego em alta, está vendo a fartura virar escassez. Na luta diária contra a carestia, quem mais sofre são os pobres, à mercê de alimentos caros e indispensáveis. Mas o custo de vida está pesado para todas as classes sociais e é preciso muito jogo de cintura para driblar os efeitos perversos do aumento desenfreado de preços.

O economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) André Braz explica que um conjunto de fatores contribuiu para a elevação da carestia. “Os preços administrados, como energia elétrica e combustíveis, ficaram represados muito tempo. Em 2015, houve reajuste de mais de 50% no caso das tarifas da conta de luz. Ela encarece vários serviços e produtos em efeito cascata. Tudo que é refrigerado por exemplo”, alerta. O país também passou por uma crise hídrica. “A falta de água obrigou o uso de fontes de energia mais caras, e também provocou o aumento de preços nos alimentos in natura”, destaca Braz.

O pai de família e corretor de imóveis Marcelo Ramos, de 44 anos, conta como a inflação mudou a rotina da família. “Viajávamos com frequência, visitávamos os familiares da minha esposa toda semana. Mas com a alta da gasolina, conseguir manter o padrão seria um luxo”, afirma. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que abastecer o carro no ano passado encareceu 20,10%.

A família de Marcelo precisou se adaptar. “Vendemos o segundo carro em julho e começamos a utilizar mais o transporte público. O carro que restou procuramos utilizá-lo o menos possível, só nos fins de semana”, explica. Ele conta que hoje a família gasta mais de R$ 600 por mês com gasolina. Antes dos reajustes, o valor não passava de R$ 400. “Até dois anos atrás, nem fazíamos contas, tínhamos dois carros, gastávamos sem ver, pois nunca faltou. Agora complicou”, observa.

Mesmo com transporte público, Ana Luísa Ramos, de 19, operadora de telemarketing e filha de Marcelo, sente dificuldades. Pelas contas, ela gasta quase R$ 400 por mês com as idas e vindas do trabalho. “Poderia comprar coisas interessantes com esse valor, mas é algo que preciso pagar e não dá para abrir mão”, completa.

Os dias de folga da família passaram a ser diferentes. Ana conta que, apesar das dificuldades enfrentadas durante os últimos meses, a família está mais sociável e optando por programas mais saudáveis. O pai concorda e acrescenta que as dificuldades fizeram a família abrir mão de coisas como wi-fi, tevê a cabo e telefone fixo. “Com certeza, não somos mais os mesmos de alguns anos atrás. Não temos mais tanto conforto financeiro e mordomia. Mas em compensação estamos mais econômicos e organizados”, avalia Marcelo.

A esposa de Marcelo, Ludmila Ramos, de 38, promotora de vendas, conta que, em 2013, a família previa que a situação financeira do país ficaria crítica e, por isso, começou a organizar melhor as contas. “Abrimos mão do cartão de crédito. Decidimos adquirir o hábito das compras à vista”, explica. A família precisou dispensar os serviços de empregada doméstica. Plano de saúde também foi algo que pesou no bolso dos Ramos. “É muito caro, mas é necessário, então abrimos mão de outros itens, para manter o essencial”, diz Ludmila.

Se a classe média precisa mudar de hábitos para se adaptar, para os mais desfavorecidos a situação é ainda mais complicada. A costureira Maria Lima, de 62, é casada com o aposentado Edmilson Ferreira, de 73. Vivem na mesma casa há mais de 40 anos, na companhia de quatro filhas, três netos e a mãe de Maria. “Gosto de ter a casa cheia e até três anos atrás isso não era problema. Mas hoje é difícil até dar uma boa alimentação para todos”, afirma. Ela trabalha com costura por necessidade. “Já estou com problemas no braço e não vou ao médico, pois não posso imobilizá-lo. Se eu não trabalhar fica pior para todos”, destaca.

O marido é aposentado e recebe salário mínimo. Ele estima que a renda de toda a família alcance R$ 1,7 mil. “Para 10 pessoas é quase nada”, calcula. Além do mais, Maria cuida da mãe idosa, que está doente. “Gasto cerca de R$ 800 por mês só com medicação. Até o começo do ano passado, o gasto era de R$ 400 no máximo”, explica a esposa de Edmilson.

Maria conta que junta água da chuva para lavar roupas. “Não imaginava que chegaríamos a tanto”, lamenta o marido, Edmilson. Lazer não existe mais. “Não se passeia e não se diverte com dois salários mínimos e uma família tão grande”, diz ela. Sem condições de pagar por plano de saúde, Maria sentencia: “Se adoecer, morre, pois não se pode contar com os hospitais públicos no Brasil”.

Governo agrava o problema

Brasília – Alheio aos dramas dos brasileiros, o governo contribuiu para aumentar a inflação. Para Adriano Gomes, sócio-diretor da Méthode Consultoria e professor de Administração da ESPM, a inflação chegou aonde está por conta do descontrole das contas públicas. “O governo acumula enorme déficit primário e precisa financiar mais sua dívida. Como tem quantidade limitada de moeda, ele coloca mais títulos públicos no mercado a taxas de juros cada vez mais altas. Quem está tomando dinheiro lá na ponta, cada vez mais caro, para produzir, acaba embutindo isso no preço do produto que vende”, explica.

Na opinião de Paulo Eduardo Nogueira Gomes, da Azimut Brasil Wealth Management, o congelamento das tarifas de energia e combustíveis, para segurar artificialmente a inflação, e a posterior correção da defasagem foram os principais impulsos para a elevação da carestia. “Este ano, a tendência é os reajustes não serem tão altos. Mas a inflação está resistente”.

André Braz, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), destaca que a crise política aumentou a desconfiança de que o Brasil pode ter reduzida a capacidade de cumprir seus compromissos. “Isso gera evasão de divisas e desvalorização cambial. O dólar alto também pressiona a inflação, por conta de produtos, componentes e matéria-prima importados”, assinala.

Para o especialista, o principal instrumento para reduzir o custo de vida é a taxa de juros. “Mas a Selic não consegue conter essa inflação, porque ela não é mais de demanda. Com o desemprego em alta, não é o consumo desenfreado que está inflando preços. É a desconfiança, o dólar e os preços administrados. O Banco Central precisaria reforçar o compromisso de combate à inflação para ancorar as expectativas. No entanto, fez o contrário”, alerta.

 



Veículo: Jornal Estado de Minas - MG


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