Crise faz o paraense a apertar o cinto e cortar o supérfluo

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                                                                 Trabalhador reduz o consumo ao constatar a queda no poder de compra.

Menos roupas e sapatos novos; perfumes nem pensar; sorvetes, queijos e iogurtes, só de vez em quando. E redução drástica das atividades de lazer. A ordem é diminuir ao máximo o consumo e só levar para casa o estritamente necessário, com prioridade absoluta para a alimentação básica. Este é o comportamento adotado pelas pessoas para sobreviver nestes tempos de crise. Em busca da percepção dos cidadãos mais simples sobre o cenário econômico de desemprego e inflação alta, O LIBERAL entrevistou paraenses da capital e do interior, em variados ambientes de Belém, a fim de descobrir como eles sentem e vivem o momento econômico ruim.

O desejo de manter pequenos luxos, conquistados durante a última década é enorme, mas o paraense, sobretudo os das classes C e D, se vê obrigado a abrir mão de seus ganhos de padrão de vida, para ter o básico na mesa e, principalmente, honrar compromissos essenciais, como ter em dia as contas de água e luz, e poder comprar o gás de cozinha, que varia entre R$ 55 e R$ 60, na Região Metropolitana de Belém.

O pedreiro Luciano Gonçalves dos Anjos, 40 anos de idade, mora no bairro da Cremação com sua companheira e a filha do casal de 12 anos e mais três enteados, de 19, 18 e 17 anos de idade.  Na quarta-feira, 20, ele e um outro colega realizavam serviços de alvenaria num edifício sofisticado, no bairro do Reduto. Ele contou à reportagem que, uma vez ao ano, comprava roupas novas para ele e à família. No ano passado, isso não aconteceu.

“Este ano que passou eu deixei de comprar roupa nova para mim e só comprei para um dos filhos de minha esposa, que precisava muito. Tem de ser assim. Uma coisa tem de compensar a outra’’, afirmou.

Baixa renda sofre os efeitos da recessão

A desaceleração do crescimento da economia, a alta do desemprego e dos preços dos produtos exigem novos hábitos do consumidor. Mas, as pessoas de baixa renda são as mais impactadas, principalmente quando perdem a vaga no mercado de trabalho. “Eu estou muito preocupada porque eu não sou casada e sem filhos. Minha família é do interior e se eu não trabalhar, eu não como, não é? Posso dizer que entrei o ano com o pé esquerdo’’, queixou-se Margareth Trindade, 39 anos, demitida na semana retrasada, depois de quase oito anos de carteira assinada na empresa Ocrim Produtos Alimentícios, onde atuava como analista de controle de qualidade.

Margareth foi ouvida pela reportagem na fila do posto do Sine, à avenida Nazaré, onde iria solicitar a liberação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Natural de Inhangapi, próximo a Castanhal, ela contou que veio pequena para Belém, depois de passar fome no interior, onde “até o sal para o mingau era emprestado”. “Agora, as coisas não são mais assim em Inhangapi. Quando vou lá, vejo os ribeirinhos comendo e bebendo à beira do igarapé o fim de semana todinho, tanto, que até me perguntava, mas que crise é essa? Só que agora, ela me pegou’’, diz Margareth, que aguarda um nova oportunidade no mercado de trabalho. “Eles me demitiram dizendo que era redução de quadro. Já deixei currículo em várias empresas. Sei que Deus vai ser comigo; a gente não pode é se acomodar’’, ensina.

Com cursos de qualificação na área de segurança, Daniel Nazaré Martins, 43 anos, foi ao posto do Sistema Nacional de Empregos (Sine), no bairro de Nazaré, na semana passada, para dar entrada em sua documentação trabalhista, após a recente demissão da empresa Pará Segurança, onde trabalhou por 12 anos. “Eles disseram que estão com dificuldades e tinham de demitir funcionários. Desligaram, de uma vez, 200 e poucos vigilantes’’, disse Daniel, que tem tentado cortar os gastos da família. Ele tem esposa e um filho de 18 anos, que já fez curso para vigilante, mas ainda não conseguiu ocupação na área.

“A gente tem de dar prioridade para as coisas necessárias na casa, como as contas de luz e água e o gás de cozinha, que está muito caro. Tudo que dá para cortar, a gente corta’’, contou o trabalhador, que disse que, a partir de agora, desempregado, vai fazer o que for possível para sustentar sua família. “Um homem tem de ter várias funções. Também sou hidráulico, trabalho de pedreiro e até de mototaxi. Vou dar um jeito’’, afirma.

José Roberto Dias Miguez, 51 anos, atua como autônomo, realizando fretes para os portos de Belém, com ponto fixo na frete do Terminal Rodoviário de Belém, em São Brás. Ele disse que as viagens diminuíram bastante. Sem trabalho regular, a saída é apertar o cinto e trocar produtos de marcas por outros mais populares.

Miguez citou a constante subida dos preços dos alimentos nos supermercados. Ele acha a carne e o peixe caros. “Tenho feito almoço com sardinha enlatada’’, diz ele, acrescentando que reduziu suas saídas de lazer e até mesmo o consumo de bebidas. “Cerveja, para mim, agora é supérfluo’’, afirma o autônomo, que reclamou ainda da mensalidade de R$ 400 do plano de saúde. “Estou fazendo assim, um mês eu atraso o plano, no outro, eu pago. Para mim, o importante é estar em dia com as contas de luz, telefone e água’’, afirma.

À espera de seu primeiro filho, o garçom Rosivan Pinheiro Pinto, 26 anos, foi ouvido pela reportagem na fila de uma casa lotérica em São Brás, onde foi pagar uma conta.   Empregado de carteira assinada há mais de um ano num restaurante, ele teme a perda do emprego e por isso tem se dedicado para manter-se na vaga. “Eu sei que a partir do momento que a empresa se desestabiliza, qualquer pessoa pode sair, por melhor que seja o profissional’’, comenta Rosivan, afirmando que desde o início da gravidez de sua esposa, que está perto do sétimo mês de gestação, todos os gastos extras foram cortados e a família está voltada para as compras do enxoval do bebê. “Eu não estou comprando nada para mim’’, diz.

Com 16 anos de praça, o taxista Paulo Roberto Monteiro, 42 anos, calcula matematicamente a crise a partir de sua experiência no volante. “São 10h30 e estou com duas corridas, antes dessa crise estourar, eu já havia feito, no mínimo, umas sete viagens’’, disse ele, que faz ponto fixo numa cooperativa da avenida Visconde de Souza Franco. Sobre os cortes feitos no orçamento familiar Paulo Roberto contou que reduziu o passeio nos shoppings com a esposa e o filho. E tem deixado de comprar o que gosta de comer e usar, por causa do medo de não conseguir dar conta. “Meu rendimento caiu bastante’’, admite Paulo Roberto, que espera que o movimento de passageiros melhore depois dos dias de folia. “Dizem que o ano só começa depois do Carnaval, então vamos ver’’, conclui.

 



Veículo: Jornal O Liberal - PA


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