Dólar de olho no ajuste

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Cotação sobe a R$ 3,233, por dúvidas sobre aprovação de medidas fiscais e juros nos EUA

 
Após atingir R$ 3,13 no início do mês, o dólar fechou a R$ 3,233 ontem. Temor sobre o ajuste fiscal e juros nos EUA pressionam cotação. Depois de passar as duas primeiras semanas de agosto cotado abaixo de R$ 3,20 — no dia 10, chegou a R$ 3,132 —, o dólar voltou a subir, puxado por dois fatores: internamente, pelo aumento dos temores de que o ajuste fiscal defendido pela equipe econômica não seja aprovado integralmente, e, no front externo, pelas incertezas sobre a alta dos juros nos Estados Unidos. Ontem, pelo sexto pregão consecutivo, a moeda americana voltou a valorizar-se ante o real, encerrando com alta de 0,68%, a R$ 3,233. A maior parte dos economistas acredita que o dólar pode voltar a ficar abaixo de R$ 3,20 a curtíssimo prazo — o que, se afeta as exportações, ajuda a segurar a inflação —, mas, nos próximos meses, tende a subir gradualmente para um patamar mais elevado. As projeções para a cotação da moeda no fim do ano, contudo, são muito díspares: variam de R$ 3,10 a R$ 3,65.


 A magnitude da “correção” vai depender, principalmente, de quando ocorrerá uma nova elevação dos juros nos Estados Unidos, mas também da velocidade na aprovação das reformas, vistas pelo mercado financeiro como essenciais para a retomada da atividade econômica. Consumado o processo de impeachment de Dilma Rousseff, o governo do presidente interino, Michel Temer, deve enfrentar pressão crescente para a aprovação das medidas de ajuste, e há dúvidas se ele terá o apoio necessário para estabelecer um teto para os gastos públicos e, principalmente, alterar as regras da Previdência.
 
— Essa alta do dólar é uma questão interna. Na quarta-feira à noite, o Senado suspendeu a votação da proposta que prorroga a Desvinculação das Receitas da União (DRU) por falta de quórum, o que mostra que a base aliada não é tão grande quanto o esperado. O mercado está perdendo a paciência, e esse mau humor vai continuar se não tiver nada concreto — explica Bernard Gonin, analista da Rio Gestão de Recursos.
 
BC REDUZ VOLUME DE LEILÕES
 
Nos últimos pregões, a cotação do dólar negociado no mercado local descolou-se do comportamento da moeda no exterior. Ontem, por exemplo, o índice Dollar Spot, da Bloomberg, que mede a força da divisa americana em relação a uma cesta de dez moedas, caiu 0,56%, chegando ao menor nível em quase três meses. Esse movimento refletiu a ata da última reunião do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), que mostrou uma divisão entre seus membros sobre a urgência de elevar a taxa básica de juros do país — hoje entre 0,25% e 0,50% ao ano. Essa divisão pode postergar o aumento da taxa de setembro para dezembro.
 
Para Luciano Sobral, economista do Santander, a tendência é que as condições externas mudem antes do fim do ano. Ele projeta um câmbio em R$ 3,65 até dezembro:
 
— Ainda vemos o exterior como positivo, mas, ao longo do ano, esse cenário não vai ficar tão favorável. Ainda há uma probabilidade de aumento de juros nos Estados Unidos, e isso reduz o apetite por ativos dos mercados emergentes. O preponderante é saber o que o Fed vai fazer.
 
Apesar da alta da moeda nos últimos dias, o dólar ainda acumula recuo de 17,3% em relação ao real. No mercado externo, o enfraquecimento da moeda americana também foi influenciado pela recuperação dos preços das commodities. Alessandra Ribeiro, economista especialista em macroeconomia da consultoria Tendências, não descarta que esses fatores possam levar o dólar de volta a um patamar em torno de R$ 3,15 a curtíssimo prazo.
 
Até o fim do ano, segundo suas projeções, a moeda pode chegar a R$ 3,40, avançando a R$ 3,50 em 2017, em razão da alta dos juros nos EUA, que terá impacto no fluxo de capitais para os emergentes, com os investidores voltando para os títulos americanos. Além disso, observa a economista, o Banco Central (BC) deve zerar sua exposição ao câmbio, hoje em torno de US$ 44 bilhões, reduzindo a necessidade de atuar no mercado.
 
Por uma semana, até ontem, o BC ofertou diariamente 15 mil contratos de swap reverso, que equivale a uma compra de dólar no futuro, no montante de US$ 750 milhões. Hoje, no entanto, a autoridade monetária voltará ao patamar anterior, de 10 mil contratos (US$ 500 milhões), desacelerando o ritmo de redução de sua exposição ao câmbio, que, no início, ultrapassava os US$ 100 bilhões.
 
— Mesmo com pressão dos exportadores, acho difícil o BC agir para definir um piso ou um teto para o dólar — diz Alessandra, lembrando que a baixa do dólar só será sentida pelos exportadores mais adiante, já que seus contratos são fechados com prazos entre seis meses e um ano.
 
A economista da Tendências lembra ainda que, embora a mudança de governo tenha melhorado o humor do mercado, as medidas que precisam ser aprovadas são impopulares e podem gerar desgaste para a gestão Temer. E são, principalmente, as incertezas políticas internas que explicam a disparidade das projeções entre as instituições financeiras. Levantamento da Correparti Corretora de Câmbio junto a 16 corretoras e bancos mostra que as estimativas para o dólar no fim do ano variam de R$ 3,10 (Banco Fibra) a R$ 3,65 (Santander).
 
BOM PARA INFLAÇÃO E SETOR DE VIAGENS
 
Para o professor do Insper João Luiz Mascolo, se o governo Temer conseguir fazer um ajuste abrangente como prometido, o dólar pode voltar a um patamar abaixo de R$ 3,20.
 
— Acredito que um dólar a R$ 3,20 é compatível com os fundamentos econômicos. Isso vai depender de o governo realizar um ajuste fiscal mais profundo. E acredito que isso pode acontecer independentemente das ações que o BC vier a tomar para conter a desvalorização do dólar, pressionado pelo setor exportador — avalia Mascolo, lembrando que os exportadores perdem com o real forte.
 
Por ora, a desvalorização da moeda acumulada no ano traz uma alívio para as empresas endividadas em dólar e que não têm receitas em moeda estrangeira. Outro benefício, de curto prazo, é seu efeito sobre a inflação, uma vez que parte dos produtos consumidos aqui é importada ou usa insumos que vêm de fora.
 
— Esse dólar mais baixo beneficia a queda da inflação. Os importados ficam mais baratos, o que limita a alta dos preços domésticos. Isso pode fazer com que o BC inicie mais cedo a queda nos juros — afirma Clemens Nunes, professor da Escola de Economia da FGV-SP.
 
Mas há ainda o problema da volatilidade. O setor de calçados aponta a volatilidade do câmbio como o maior problema para as exportações, já que prejudica as negociações. Para o vice-presidente da Abicalçados, associação que representa o setor, Heitor Klein, a instabilidade do câmbio traz perda de rentabilidade ou até mesmo cancelamentos de negócios em casos de desacordo:
 
— Nas feiras no primeiro semestre, negociamos as vendas com o dólar a R$ 3,50. Hoje estamos com o dólar mais perto de R$ 3,20. O prejuízo acaba caindo na conta do exportador, sob o risco de perda do negócio ou até mesmo do cliente.
 
Outros setores tiram proveito do câmbio desvalorizado. A Associação Brasileira de Viagens (Abav) previa crescimento de 5% a 5,5% no faturamento este ano. Mas o recente aumento da demanda em viagens internacionais deve levar a uma revisão, para cima, das projeções.
 
— O dólar nesse patamar ajuda bastante — explica Edmar Bull, presidente da Abav.
 
Fonte: Jornal O globo


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