PIB recua 0,6% no segundo trimestre, mas indústria e investimentos reagem
Em meio a uma recessão que já dura mais de dois anos, a economia brasileira recuou 0,6% no segundo trimestre, frente ao trimestre anterior, informou ontem o IBGE. O resultado do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) entre abril e junho mostrou uma queda mais intensa do que no primeiro trimestre deste ano, quando a retração foi de 0,4%. Mas o desempenho de alguns setores do PIB no segundo trimestre e outros indicadores conjunturais mais recentes sugerem que a economia brasileira está deixando a UTI.
A avaliação de especialistas é a de que há sinais de mudança no perfil do desempenho econômico. Mas o cenário ainda é nebuloso sobre o ritmo dessa retomada, bem como em relação a qual setor da economia vai liderar esse movimento.
— As taxas são parecidas, mas o perfil da economia no segundo trimestre é mais auspicioso. A hemorragia da demanda interna está estancando. O investimento deu sinal de vida, e a indústria também parou de cair — afirma o economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges.
Após dez trimestres seguidos de queda, os investimentos, medidos pela Formação Bruta de Capital Fixo, subiram 0,4% em relação ao primeiro trimestre. Já a indústria voltou ao azul, após cinco taxas negativas, com alta de 0,3%. Quem ofuscou essa reação do investimento e da indústria, no entanto, foi o setor de serviços, que viu acelerar sua retração de 0,4% no primeiro trimestre para 0,8% no segundo.
Na comparação com o segundo trimestre de 2015, a economia encolheu 3,8%, a nona taxa negativa consecutiva. Já o resultado acumulado em 12 meses registrou variação negativa de 4,9% — a maior da série histórica, iniciada em 1996.
— O que os números mostram é que não vamos morrer, que estamos fora de perigo, mas ainda na UTI. Quando vamos ter alta e sair do hospital, ainda não sabemos. Mas estamos indo nessa direção. Há um excesso de otimismo sobre soluções para nossos problemas. A duração da crise será menor do que em outros ciclos, mas o mundo não está ajudando. Fomos alavancados pelo consumo das famílias, do setor público e das empresas, que agora estão pagando suas dívidas, com juros altos. Por isso, o BC deve baixar os juros em algum momento — diz a economista do Ibre/FGV Silvia Matos.
‘ESTAMOS NUM MOMENTO DE TRANSIÇÃO DO CICLO’
Pelos cálculos do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da FGV, a atual recessão brasileira já dura nove trimestres — desde março de 2014 —,e o PIB acumula queda de 7,9% no período. Com isso, o pesquisador da FGV e membro do Codace Paulo Picchetti destaca que já foi superada a perda registrada no ciclo recessivo de 1989 a 1992 — de 7,7% —, que se manteve, no entanto, como o mais longo, de onze trimestres. A recessão de 1981 a 1983, na época da moratória da dívida externa brasileira, mantém-se como a de perda mais intensa, de 8,5%, com duração de nove trimestres.
Alessandra Ribeiro, da consultoria Tendências, avalia que a contração maior do PIB no segundo trimestre não ofusca os sinais positivos da economia e diz que é possível enxergar uma luz no fim do túnel na virada do ano.
— A contração foi maior, mas há sinais positivos. Do lado da oferta, indústria foi o destaque. Pela ótica da demanda, os investimentos puxaram, o que mostra que já há uma reação da confiança — afirma Alessandra.
Ela avalia que o terceiro trimestre será de estabilização, com crescimento de 0,3% nos três últimos meses do ano. Para o segundo trimestre, a economista esperava queda de 0,5% ante o trimestre imediatamente anterior.
Para o economista do Santander Rodolfo Margato, o pior já passou:
— Estamos num momento de transição do ciclo econômico. Quando se olha um conjunto mais amplo de indicadores, a sensação térmica é de estabilização. A produção industrial está cada vez mais no território positivo e a demanda doméstica está reagindo.
A recessão foi provocada por um forte tombo na demanda doméstica. Se não fossem as exportações e importações, o PIB teria recuado 5,9% em relação ao segundo trimestre do ano passado. Mas até esse indicador apresentou um alívio. No primeiro trimestre, a retração do consumo interno havia superado os 10%.
E outros indicadores mais recentes sinalizam uma recuperação do PIB, destaca a economistachefe da XP Investimentos, Zeina Latif, citando os dados de faturamento do setor de serviços e as vendas do varejo, além dos índices de confiança do consumidor e da indústria:
— A expectativa daqui para frente é que a economia se estabilize, embora o resultado negativo do ano já esteja contratado, até pelo efeito estatístico.
Gerente de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis afirma que o desempenho positivo de investimentos e indústria na passagem entre o primeiro e o segundo trimestre sugere uma mudança no desempenho da economia. Mas ela ressalta que uma eventual recuperação vai depender do setor de serviços, que responde por 72% do PIB.
José Francisco Lima Gonçalves, economistachefe do banco Fator, é mais cauteloso. Ele concorda que, ao olhar o PIB por dentro, é possível identificar alguns sinais positivos, mas tem dúvidas de quão sustentáveis eles são:
— A dúvida daqui para frente é se os investimentos serão sustentáveis, uma vez que o custo de capital continua alto, e a ociosidade das fábricas também. E o consumo das famílias e os serviços tendem a piorar ainda mais num primeiro momento — afirma Gonçalves.
AJUSTE FISCAL, REFORMAS E PRIVATIZAÇÕES
O debate agora se dá sobre qual será o ritmo da recuperação e de onde virá a força para a retomada. Analistas afirmam que há ainda muitas incógnitas no horizonte. É preciso que o novo governo do presidente Michel Temer — que deixou de ser interino ontem, com o afastamento definitivo de Dilma Rousseff — avance rapidamente na aprovação do ajuste fiscal e das reformas da Previdência e trabalhista. E ainda acelere o programa de concessões de infraestrutura, para viabilizar a retomada dos investimentos. Um recuo da inflação e a consequente redução dos juros são condições para o consumo voltar a crescer.
— Se em 2009 a economia voltou a crescer como um foguete, agora teremos uma recuperação gradual. Mas espera-se que venha acompanhada de reformas, como previdenciária e trabalhista, além do lançamento das concessões na área de infraestrutura. Com isso, acredita-se que seja mais sustentada — diz o economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Paulo Levy.
A avaliação de uma retomada via investimentos, no entanto, não é unânime.
— É uma situação difícil de ver esse investimento. É preciso a mão do governo, com uma nova rodada de concessões e melhora no ambiente de negócios e da economia — diz Silvia, da FGV.
Fonte: Jornal O Globo