As compras de bens duráveis e semiduráveis vêm se recuperando há mais tempo e de forma mais acelerada do que os produtos de consumo imediato, como os alimentos, produtos de higiene e remédios.
Esse movimento está relacionado com a elevada taxa de desemprego e dificuldades de avanço na renda das classes sociais mais baixas, avaliam especialistas. O consumo das famílias corresponde a 63,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do País.
O consumo de bens duráveis – que são os eletrodomésticos e automóveis, por exemplo – tem apresentado expansão contínua desde agosto de 2017. No acumulado de 12 meses até abril, as compras desses produtos tiveram alta de 11%, em relação a igual período de 2017.
Já os semiduráveis, como os calçados e vestuário, recuperam-se desde julho, na mesma base de comparação, com elevação de 10,2% até abril, conforme dados mais recentes do Monitor do PIB, calculado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).
Os não duráveis, por sua vez, começaram a crescer em novembro do ano passado. Nos 12 meses até abril de 2018, as compras dos produtos de primeira necessidade registraram ampliação de 2,3%. Já a contratação de serviços aumentou 0,3% no período. Dessa forma, no total, o indicador consolidado do consumo das famílias registrou alta de 2,5% nos 12 meses até abril.
O pesquisador do Ibre-FGV, Claudio Considera, explica que os produtos básicos compõem a maior parte do indicador do consumo e que, por estarem com uma recuperação mais lenta do que a dos demais itens, estão puxando para baixo o número total.
Ele esclarece que o fraco dinamismo dos bens de primeira necessidade está vinculado ao elevado nível de desemprego – que atinge 13,4 milhões brasileiros – o qual, por sua vez, tem colocado obstáculos ao crescimento da renda. Quando o desemprego é alto, é mais difícil para os trabalhadores, principalmente para os mais pobres, conseguirem barganhar aumentos reais de salário (ou seja, acima da inflação).
“Foram as classes mais baixas que perderam o emprego” ressalta Considera. Ele explica que a cesta de consumo dos mais pobres, especialmente neste cenário de fraca recuperação, é menos variada do que a da classe média e alta, as quais, por sua vez, têm mais possibilidades de se endividar para adquirir eletrodomésticos, vestuário e calçados.
“As classes mais baixas, que compraram carros durante o período de crescimento econômico, não estão podendo nem gastar mais com a gasolina como antes, por exemplo. A mesma coisa está ocorrendo com a alimentação, bebidas. Os mais pobres, que foram os que mais perderam emprego, também reduziram os gastos com os produtos não duráveis”, comenta o pesquisador.
Pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) têm mostrado que, de fato, a desocupação atual atinge bem mais a baixa renda sem ensino superior do que as classes média e alta com educação universitária. A professora de economia da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), Juliana Inhasz, avalia que este cenário indica que nem todos os brasileiros estão saindo da recessão da mesma forma.
“A recuperação da economia está ocorrendo – ainda que de forma lenta e gradual –, mas de maneira distinta para cada classe social. Quem está sofrendo mais é a classe menos favorecida”, destaca Inhasz, lembrando que indicadores oficiais têm revelado aumento das desigualdades sociais.
Novas dívidas
Claudio Considera detalha que a recuperação dos duráveis e semiduráveis desde a metade de 2017 foi possibilitada pela liberação das contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) a partir de março do ano passado.
Ele conta que a medida permitiu às famílias quitarem as suas dívidas e voltar para o mercado de crédito, contraindo novos compromissos. Essa análise é válida, principalmente, para as camadas sociais com maior poder aquisitivo.
Juliana Inhasz observa que os dados do Ibre sugerem que as pessoas estão dando mais preferência para recompor a aquisição de bens duráveis e semiduráveis do que para a contratação de serviços. Na série do acumulado em 12 meses, os serviços apresentaram queda contínua entre novembro de 2015 e fevereiro de 2018. Em março, eles alcançaram estabilidade (0,0%) e, em abril, expandiram 0,3%.
“Parece que quem está com um pouco mais de folga na renda está preferindo adquirir bens do que contratar serviços. É como se, no período de crise, elas tivessem aprendido a fazer certas coisas que antes não sabiam [como fazer unha, cabelo, consertos domésticos]”, reflete Inhasz .
Na avaliação dela, após os choques internos e externos de maio – como a greve dos caminhoneiros e a disparada do dólar – e com as eleições em outubro, a tendência é que o consumo apresente, desde maio, uma trajetória de retomada mais gradual do que a observada até o mês de abril.
Uma recuperação mais consistente dependerá, contudo, de uma queda expressiva da taxa de desemprego.
Fonte: DCI