Os impactos da pandemia da Covid-19 no Brasil, agravados pela instabilidade política, atingem praticamente todos os setores da economia, com reflexos nos investimentos financeiros e no mercado de capitais.
O lockdown, somado ao embate entre os poderes Executivo e Legislativo, impacta as expectativas macroeconômicas para o ano. Apesar de reações pontuais da Bolsa de Valores, os indicadores são preocupantes.
O Boletim Focus dessa semana sinaliza uma queda do Produto interno Bruto (PIB) na ordem de 6,25%. Cabe destacar, de acordo com a projeção do FMI (Fundo Monetário Internacional), que a economia brasileira em 2020 deve retrair-se em torno de 5,3%.
O Ministério da Economia assumiu que, no mês passado, houve um déficit primário do setor público superior a R$ 600 bilhões este ano, ou seja, aproximadamente 8,25% do PIB, considerando o último relatório de mercado divulgado pelo Banco Central do Brasil (Bacen).
Dentre os fatores impactantes, a retração do consumo, pressionada pelo aumento do desemprego, começa a se materializar e logo se torna quase inevitável um novo corte de juros no mês de junho.
Nesse contexto, o Brasil fica menos atrativo para o investidor estrangeiro em relação a investimentos, o que, em parte, reduz o ingresso de dólares. Assim, um novo corte acentuado da Selic pode ser contracíclico, pressionando ainda mais o câmbio.
A depreciação do real, que deixaria os produtos nacionais mais baratos em relação aos estrangeiros, não impede a retração da indústria brasileira. Esta tem pouca relevância atual nas nossas exportações, das quais a sua maioria é pautada por commodities.
Logo, mesmo com os sucessivos recordes de valorização do dólar, o saldo da balança comercial no primeiro trimestre foi 32% inferior em relação ao mesmo período de 2019.
Em um cenário de estagnação com depreciação da moeda doméstica, o ganho de competitividade dos exportadores não será efetivado em todo o seu potencial, devido à desaceleração econômica global.
Todavia, para os importadores, o real desvalorizado aumentará os custos de investimentos e insumos. Outro aspecto é que algumas empresas, em decorrência das crises dos últimos anos, aumentaram sua dívida em dólar, e muitas não conseguiram proteger seus financiamentos internacionais com operações de hedge cambial.
Nesse sentido, os dados trimestrais das economias globais começam a retratar o impacto da pandemia nos mercados. A economia dos Estados Unidos encolheu a uma taxa anualizada de 4,8% no primeiro trimestre de 2020. Já o PIB da Zona do Euro retraiu-se em 3,8% no trimestre, com queda gradativa do PMI industrial.
Os resultados das companhias ligadas à tecnologia da informação tendem a apresentar saldos contundentes. O lucro trimestral do Facebook foi 102% superior em relação ao trimestre do ano passado.
Porém, salvo algumas exceções, a expectativa é nada animadora com relação à temporada de divulgação dos resultados das companhias. A petrolífera Royal Dutch Shell apresentou queda de 48% no lucro do trimestre, obrigando-a a cortar o pagamento de dividendos como forma de preservação da geração de fluxo de caixa e manutenção da liquidez. No Brasil, empresas exportadoras podem ser beneficiadas com a alta do dólar.
É o caso da Vale S/A, que reverteu o prejuízo e registrou R$ 984 milhões de lucro líquido no primeiro trimestre do ano. No setor financeiro, o lucro do banco Bradesco retraiu-se em 39,8% no trimestre, enquanto a Smiles teve queda de 60,3% e a Cielo, de 69,4%, no comparativo ao primeiro trimestre de 2019.
O índice VIX (indicador que mede a volatilidade com base nas opções do S&P500), também conhecido como “índice do medo”, atingiu neste ano patamares superiores à crise dos subprimes (crédito de risco) de 2008, e ainda sinaliza que a volatilidade, aversão ao risco e a incerteza continuarão nos mercados globais.
As expectativas econômicas deste ano já estão comprometidas, e o avanço das reformas administrativa e tributária parece novamente ficar na retórica. A aversão ao risco causado pelo novo coronavírus, somado ao efeito da redução de juros e ao risco político no Brasil, é uma combinação perigosa para o futuro do País.
Assim, espera-se que, em paralelo à contenção do contágio e das respostas da ciência ao Covid-19, a Nação conte com mais sinergia e comprometimento dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), além do fortalecimento da parceria do setor público com o privado, no tocante às medidas de recuperação da economia.
Fonte: Diário do Comércio