Governo discute retaliações à Argentina

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Brasil pode adotar licenças não-automáticas para a importação de diversos itens


  

Passadas as eleições legislativas na Argentina, o governo brasileiro discute medidas para responder com dureza à onda protecionista no país vizinho, sob efeito da irritação causada pelo desvio do comércio bilateral para produtos chineses. Automóveis, autopeças, alimentos e laticínios poderão entrar no sistema de licenciamento não-automático das importações no Brasil.

 

A aplicação da medida, se ela efetivamente prosperar, afetará todos os parceiros comerciais indiscriminadamente. Mas o alvo é a Argentina e, com exceção das importações provenientes de lá, o governo promete liberação rápida das compras feitas de outros fornecedores. A intenção não é bloquear - e, se possível, nem mesmo diminuir - o comércio com o principal sócio do Brasil no Mercosul. O que quer o governo é colocar sobre a mesa um fato novo nas negociações com a Argentina e forçar um recuo de pelo menos parte das medidas que restringiram a importação de produtos brasileiros.

 

A pedido do Itamaraty, as medidas deixaram de ser aplicadas antes das eleições de domingo, para evitar a contaminação da arena política. O resultado das eleições fortaleceu a oposição e ameaçou o futuro do casal Kirchner no poder. A sucessão presidencial está prevista para 2011.

 

A tolerância pré-eleitoral com as restrições argentinas deverá ser substituída por uma postura mais agressiva. No início de junho, empresários brasileiros concordaram em reduzir voluntariamente suas vendas para o país vizinho em quatro setores: freios, embreagens, calçados e móveis. Os cortes vão de 19% (calçados) a 40% (embreagens) em relação aos embarques de 2008. Fabricantes de papel e baterias já haviam aceitado acordos semelhantes com a Argentina e outros setores estão em negociação, como têxteis e linha branca.

 

Para um funcionário graduado do governo brasileiro, a aplicação de medidas contra produtos argentinos é a "única linguagem" entendida pela Casa Rosada. Apesar de arriscada, trata-se da melhor estratégia para reverter uma situação tida como "absurda" em Brasília. Mais do que a queda de 44% nas exportações para a Argentina ou o déficit bilateral de US$ 52 milhões de janeiro a maio - o primeiro no período desde 2003 -, o que tem incomodado às autoridades brasileiras é a saída de empresas nacionais do mercado argentino por causa do atraso na aprovação das licenças não-automáticas.

 

Em vez de autorizar imediatamente o desembaraço aduaneiro, a licença exige um processo de avaliação das importações que leva até 60 dias. O maior problema é que esse prazo, definido pela Organização Mundial do Comércio (OMC), tem sido ignorado pela Argentina e atrasado a liberação de mercadorias em até 120 dias. Isso tem afastado empresas brasileiras do país e estimulado a transferência de comércio para fornecedores chineses. No caso de pneus (novos), por exemplo, ainda não houve venda de nenhuma unidade para o sócio do Mercosul neste ano.

 

Chegaram a auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva relatos de há dificuldade de companhias brasileiras até mesmo de receber de seus compradores argentinos. Diante das dúvidas sobre a aprovação das licenças não-automáticas, os argentinos evitam fazer pagamentos aos exportadores brasileiros enquanto não têm a confirmação de que a mercadoria foi liberada pela aduana.

 

Isso explica, na avaliação do governo brasileiro, o avanço de produtos chineses em setores do mercado argentino que eram predominantemente atendidos por importações do Brasil. Dados compilados pela consultoria Abeceb.com apontam que as importações argentinas da China diminuíram 25% no primeiro trimestre de 2009. Mas a queda foi além disso (35,3%) para importações em geral e substancialmente maior (45,4%) para produtos brasileiros.

 

Esse fenômeno não tem sido observado apenas durante a crise econômica, avaliaram economistas da Abeceb. No período entre 2007 e 2008, enquanto as importações provenientes do Brasil cresceram 23%, as compras da China aumentaram 38%. Setores como brinquedos, calçados, confecções e materiais de transporte foram especialmente atingidos pelo desvio de comércio.

 

Em abril a China disponibilizou 70 bilhões de yuans, equivalente a US$ 10 bilhões, em operações de swap cambial (troca de moedas), para que o país vizinho possa importar sem o uso de reservas cambiais, fazendo uso do yuan. O Brasil, logo em seguida, fez o mesmo, no valor de US 5 bilhões.

 

A suspensão da licença automática de importações anunciada pelo Ministério do Desenvolvimento no fim de janeiro havia sido acertada com o Ministério da Fazenda. O presidente Lula, porém, desautorizou seus ministros e recuou da medida em atendimento aos protestos dos presidentes Tabaré Vásquez, do Uruguai, e Cristina Kirchner, da Argentina. Pouco depois, a medida voltou à discussão na área econômica. Nos dois momentos, a iniciativa não tinha como objetivo recuperar o saldo da balança comercial brasileira, em queda acentuada na primeira ocasião. O foco foram as medidas protecionistas da Argentina, informou a fonte.

 

A ministra da Produção, Débora Giorgi, é vista pelo governo brasileiro como a maior defensora do protecionismo argentino, sob o argumento de que essas medidas poderiam reativar a combalida indústria local e atrair filiais de fábricas brasileiras. Para o Brasil, porém, inaugurações das filiais da Vulcabrás e Alpargatas são "movimentos isolados" e não devem se repetir em outros setores industriais, como o automobilístico.
 


Veículo: Valor Econômico


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