No fim do primeiro semestre a recuperação da atividade econômica, antes concentrada em segmentos beneficiados por medidas fiscais, se espalhou mais e beneficiou um conjunto maior de setores industriais. Em maio, 77,8% dos setores apresentaram crescimento em relação ao mês anterior, maior percentual desde junho do ano passado, segundo dados da LCA Consultores com base na pesquisa industrial do IBGE. Na média móvel trimestral, a alta (63%) também foi a mais expressiva desde outubro de 2007. Para o segundo semestre, essa tendência de um crescimento mais espalhado deve se manter e ajudar na recuperação. Segmentos industriais que não foram beneficiados pela demanda da cadeia automotiva - como as indústrias têxteis, de calçados e de móveis, entre outros - esperam agora vendas maiores que as dos primeiros seis meses.
A Pesquisa Industrial Mensal, divulgada ontem pelo IBGE, mostrou que, apesar de mais espalhada, a recuperação continua lenta. A produção de maio foi 1,3% maior que a de abril na série com ajuste sazonal. Desde dezembro, a produção industrial acumula resultado positivo de 7,8%, revertendo parte da expressiva queda de 20% registrada entre o começo da crise internacional (setembro) e dezembro do ano passado.
De acordo com Isabella Nunes, gerente de análise do IBGE, a recuperação ainda é marcada pelos setores que mais sofreram com a crise, como veículos e metalurgia. Na comparação de maio com dezembro, o setor de veículos automotores subiu 64,9%, puxando a alta de 63,5% de bens de consumo duráveis. Já os intermediários subiram 6,8% em relação a dezembro, enquanto os bens de consumo semi e não duráveis, entre eles têxteis e calçados, cresceram apenas 4,7%.
As encomendas já feitas aos fabricantes de calçados e confecções permitem aos empresários desses segmentos apostarem em uma trajetória mais favorável no resto do ano. As indústrias têxteis de Santa Catarina estimam um segundo semestre melhor que o primeiro. As indústrias Cativa e Malhas Kyly mantêm as metas de aumento do faturamento para o ano de 20% e 30%, respectivamente, e acreditam que as encomendas aumentarão principalmente a partir de meados de julho e início de agosto, depois que o comércio estiver mais capitalizado com as vendas de inverno.
Para a Malhas Kyly, focada no segmento infantil, o primeiro semestre encerrou com aumento de 2% sobre o mesmo período do ano anterior. O presidente da empresa, Salézio Martins, acredita que o segundo semestre será diferente e a Kyly fechará dentro da meta de incremento de 20% no faturamento do ano. "O lojista comprou menos em junho, mas as carteiras para julho e agosto já estão agora no mesmo patamar do ano passado. Creio que o frio está sendo importante para animar o lojista", disse. A Kyly deve elevar a produção no segundo semestre em 30% sobre o volume do primeiro semestre.
"Os rumores de crise estão se acalmando e isso tem um efeito psicológico positivo sobre o consumidor", destaca Gilmar Sprung, presidente da Cativa, que também planeja aumentar a produção do segundo semestre em relação ao primeiro no mesmo patamar da Kyly. Até maio as vendas cresceram 22%, um desempenho relacionado a "um bom posicionamento de preços", segundo Sprung.
O desdobramento da pesquisa industrial do IBGE por setores mostra a diferença entre aqueles dirigidos ao mercado interno e os mais dependentes da exportação ou voltados ao investimento. "Os setores que apresentam alta no acumulado desde setembro são aqueles menos dependentes da renda, do crédito e da exportação", ressaltou Isabella, do IBGE.
No conjunto, o setor de calçados acumula tímida alta de 2,4% no ano e queda de 13% em relação ao mês de setembro de 2008, na série com ajuste sazonal. Essa queda, explicam os empresários do setor, decorre da exportação, que está em queda livre devido ao câmbio valorizado, à retração da demanda mundial e ao aumento da concorrência chinesa. Com este cenário externo ruim, o mercado interno está sendo visto como a tábua de salvação dos calçadistas neste ano.
A demanda interna de calçados deve se manter estável em 2009, enquanto os embarques ao exterior caíram 28,6% de janeiro a maio em relação a igual período do ano passado, diz o diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein. Para a Calçados Bibi, a retração de 30% nas exportações físicas no primeiro semestre aponta a frustração da meta de elevar em 10% o faturamento e em 4% a 5% os volumes em 2009.
Segundo o diretor-presidente da Bibi, Marlin Kohlrausch, a estimativa agora é que a receita aumentará 5% a 6%, para R$ 105 milhões, enquanto a produção deve repetir os 3,1 milhões de pares do ano passado, mas com produtos de maior valor. No mercado interno, houve alta de 3% no volume de pares vendidos no semestre, explica o empresário, que aguarda com expectativa o segundo semestre.
A Piccadilly, fabricante de calçados femininos, registrou queda de 9% na produção do primeiro semestre, para 3,5 milhões de pares, com recuo tanto nas exportações, também devido às restrições argentinas e do Equador, quanto no mercado interno, onde a demora para a chegada do frio atrapalhou, disse o diretor-comercial, Marlon Martins. Com isso, a empresa reviu de 15% para 10% a projeção de crescimento no ano.
Economistas da LCA Consultores e do Santander acham positiva a disseminação do crescimento mensal por mais setores, mas ainda veem uma recuperação fraca e lenta. "A recuperação disseminada por mais setores indica que estamos num processo de recuperação sustentada, mas o processo continua lento", afirma o economista da LCA Douglas Uemura. Para o segundo semestre, ele espera uma reação mais forte da indústria, influenciada pela postergação das medidas anticíclicas do governo. "O patinho feio ainda será o setor de bens de capital. Embora os incentivos ao investimento possam ajudar, a utilização da capacidade instalada está baixa e isso deve atrasar a recuperação do setor de bens de capital", observa. Mesmo com melhora no segundo semestre, a LCA prevê queda de 3,5% na produção industrial no ano.
A economista do Santander Luiza Rodrigues também vê com cautela a recuperação da indústria. "Olhando bens intermediários, o setor que se recuperou foi o de combustíveis e lubrificantes; bens de capital continuam em queda. O número é positivo, mas a recuperação se dá sobre uma base baixa", afirma. Para o ano, o Santander prevê queda de 5% na produção industrial, afetada ainda pelo fraco desempenho no mercado externo.
Veículo: Valor Econômico