Conjuntura: Crise frustrou projeção anterior de alta de até 10% sobre 2008; taxa do ano vai cair entre 10% e 15%
O investimento sofreu um forte baque neste ano, depois de crescer três anos a taxas próximas ou superiores a dois dígitos. Em 2009, o país deverá investir R$ 504 bilhões, R$ 146 bilhões a menos do que se vislumbrava antes do agravamento da turbulência internacional, em setembro de 2008, aponta estudo de André Carvalho, sócio da Main Street Consultoria, especializada na análise da atividade econômica. Os R$ 146 bilhões equivalem a quase três vezes o valor a ser investido pela Petrobras no pré-sal de 2009 a 2013, ou cinco usinas de Belo Monte, no Pará, incluindo as linhas de transmissão.
A expectativa dominante é que a formação bruta de capital fixo (FBCF, que mede o que se investe na construção civil e em máquinas e equipamentos) recue entre 10% e 15% este ano, refletindo fatores como a crise de crédito, a queda abrupta do nível de ocupação da capacidade instalada na indústria, as incertezas sobre a demanda futura, o tombo das exportações e a redução das margens de lucro. Antes da quebra do Lehman Brothers, Carvalho acreditava em alta de 9% para a FBCF em 2009 e hoje aposta num tombo de 14,9%. Um pouco menos pessimista, ainda assim a MB Associados projeta recuo significativo, de 11,2%.
Economista-chefe da Federação da Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) entre 1999 e 2004, Carvalho diz que o mergulho do investimento é o "pior legado da crise", que levará um tempo considerável a ser vencido. A turbulência provocou a interrupção de um ciclo robusto de expansão da FBCF, que avançou 9,8% em 2006, 13,5% em 2007, e 13,8% em 2008, aumentando a capacidade do país de crescer de modo sustentado a taxas mais altas. "No fim do ano, o investimento deverá estar 23% abaixo do patamar projetado antes da quebra do Lehman Brothers."
Para Carvalho, o investimento na construção civil deve recuar 11% este ano e o consumo doméstico de máquinas e equipamentos, 17%. O economista-chefe da MB, Sérgio Vale, vê uma queda mais fraca da construção, de 5,2%, e mais forte do consumo de máquinas, de 20%.
Ao investir quase R$ 150 bilhões a menos em 2009 do que se esperava antes do agravamento da crise, o crescimento potencial do Brasil encolherá dos 4,5% a 5% do ano passado para a casa de 3,5% a 4%, acredita Carvalho. Conceito controvertido, criticado por economistas como o ex-ministro Antonio Delfim Netto, o Produto Interno Bruto (PIB) potencial indica o ritmo de expansão da economia que não provoca aceleração da inflação. Carvalho o calcula levando em conta o estoque de capital, de mão de obra e a produtividade.
O economista-chefe da MB, Sérgio Vale, também considera que o recuo do investimento diminui o PIB potencial. Dos cerca de 5% atingidos no terceiro trimestre de 2008, o número deve cair para algo mais próximo de 4%, diz ele, para quem o investimento despencou por conta das incertezas sobre a demanda futura, do recuo abrupto das exportações e da maturação de investimentos feitos ao longo dos anos anteriores, que diminui a necessidade de novas inversões. Carvalho destaca também a retração na oferta de crédito, a redução nas margens de lucros das empresas e a até a depreciação no valor das companhias - "se antes a melhor opção era construir uma planta, agora talvez seja melhor comprar empresa já constituída", diz ele.
Uma retomada mais consistente do investimento tende a ocorrer com mais força no fim deste ano, devendo ganhar mais embalo apenas em 2010, acreditam analistas. A avaliação unânime é de que a economia deixou a recessão para trás no segundo trimestre, devido principalmente ao consumo das famílias e ao consumo do governo. As projeções para a FBCF, por sua vez, não apontam para um desempenho animador.
Vale estima que, entre abril e junho, o investimento recuou 21,3% em relação a igual período de 2008. Na comparação com o primeiro trimestre deste ano, ele projeta queda de 4,4%. O Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco projeta um desempenho um pouco melhor no segundo trimestre: recuo de 16,8% sobre igual intervalo de 2008 e queda de 0,1% sobre o trimestre anterior. Ainda assim, está longe de ser um desempenho robusto. Um ponto fundamental para a demora na retomada no investimento é que ainda há bastante capacidade ociosa na indústria, lembra a economista-chefe da Rosenberg & Associados, Thaís Marzola Zara.
Em agosto, o nível de utilização de capacidade instalada (Nuci) estava em 81,3%, na série livre de influências sazonais, acima dos 77,6% de fevereiro - pior momento do ano -, mas bem abaixo dos 86,7% de junho de 2008. Com tamanha folga na utilização de recursos, há pouco estímulo para o investimento voltar com força.
É claro que essa situação não é homogênea em todos os setores, lembra Carvalho. Os segmentos de alimentos e bebidas, por exemplo, passaram bem pela crise, o que pode levá-los a investir mais rápido.
Para ele, o investimento deverá melhorar mais a partir do quarto trimestre, num cenário marcado pela combinação de perspectivas de crescimento mais forte da economia, custo de capital relativamente baixo - principalmente com recursos do BNDES - e ocupação gradual da capacidade instalada. Ele acredita numa alta de 6% da FBCF em 2010, percentual próximo dos 5,5% estimados por Vale. Thaís é mais cautelosa, projetando alta de apenas 3%, por prever uma recuperação mais lenta da economia no ano que vem. A sua estimativa para o crescimento do PIB em 2010 é de 2%, que deve ser revisada para mais perto de 3%. Ainda assim, é menos que os 4% projetados por Vale e os 4,9% do Bradesco.
Os analistas do Bradesco, aliás, são mais otimistas quanto à trajetória do investimento no ano que vem. O tombo da FBCF neste ano, estimado por eles em 12,9%, é visto como uma breve interrupção num processo de expansão mais firme do investimento, que aumentou 60% nos cinco anos anteriores. Já em 2010 a expansão deve voltar a superar dois dígitos. Para o Bradesco, a força da demanda interna e a perspectiva mais positiva para a economia global no ano que vem vão estimular o investimento, assim como os efeitos defasados das reduções da Selic promovidas neste ano e a diminuição das incertezas no cenário econômico. Com isso, a FBCF pode crescer 13,1% em 2010, acreditam os analistas do banco.
Para 2009, porém, existe a percepção unânime de recuo forte do investimento. Depois de atingir 19% em 2008, a FBCF como proporção do PIB deve fechar o ano em 16,2%, diz Carvalho. Se confirmado, será um número próximo dos 16,4% atingidos em 2006.
Veículo: Valor Econômico