Com apoio de bancos privados, que querem retomar mercado, lojas já parcelam vendas em até 17 meses
Nunca as lojas ofereceram prazos tão longos para parcelamento sem juros no próprio cartão, que tem sempre um banco como sócio. Hoje o prazo máximo para parcelar eletrodomésticos, eletrônicos e itens de informática, sem acréscimo, pode chegar a 15 vezes no Ponto Frio, Extra e Carrefour. No fim do mês passado, as Casas Bahia parcelavam em até 17 vezes sem juros. Esse movimento é uma clara indicação de que o comércio não espera uma alta de juros tão cedo, enquanto o mercado financeiro já especula sobre a provável elevação da taxa básica.
"Ofertas de prazos tão longos sem juros como os atuais é algo inédito", afirma o vice-presidente da Associação Nacional do Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel Ribeiro de Oliveira. No passado recente, lembra, anúncios de parcelamento em 12 vezes sem juros no cartão da loja eram raros.
Há várias interpretações para o alongamento de prazos. Segundo Ribeiro de Oliveira, a hiperconcorrência entre varejistas ampliou as condições de pagamento. "Em São Paulo, as Casas Bahia querem manter a liderança diante da chegada do Magazine Luiza à Capital e da compra do Ponto Frio pelo Grupo Pão de Açúcar." Além disso, diz, as lojas devem ter grande volume de estoques negociados em condições favoráveis com a indústria, isto é, prazos mais longos de pagamento.
Para o economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, esse movimento de prazos mais longos no cartão das próprias lojas é a volta dos bancos privados ao crédito para a pessoa física, já que nesse tipo de financiamento feito por meio do cartão da loja sempre há uma instituição financeira no negócio.
"Os bancos privados querem recuperar a fatia de mercado que perderam para os bancos públicos", afirma Borges. Segundo dados do Banco Central (BC), os bancos privados detinham 65,8% dos empréstimos para empresas e consumidores em setembro de 2008. Em agosto deste ano, último número disponível, eles respondiam por 59,6% do crédito. "Eles perderam mais de 6 pontos porcentuais, e cada ponto significa milhões de reais, especialmente com esses spreads excelentes", diz o economista.
No fim de 2008, lembra Borges, com a crise, o grande temor dos bancos era que o calote explodisse. Mas isso não ocorreu porque o desemprego não aumentou como se previa. Agora, mesmo com a perspectiva alta dos juros, os bancos não querem perder mercado.
Emílio Alfieri, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), diz que as lojas querem aproveitar a "boa maré" da conjuntura. "No ano que vem tem Copa do Mundo e eleições que garantem a atividade aquecida por pelo menos 12 meses." Além disso, mesmo que o juro suba em 2010, há um intervalo até que ele tenha impacto na economia real.
Encargos financeiros chegam a 35% do preço
As ofertas milagrosas de parcelamento em 12 ou 15 vezes sem juros embutem na prática pesados encargos no preço anunciado, imperceptíveis ao consumidor. Uma simulação feita pelo professor de matemática financeira do Insper (antigo Ibmec), José Dutra Vieira Sobrinho, com as ofertas das grandes redes varejistas e levando em conta a taxa média de 5,99% ao mês de juros do comércio, pesquisada pela Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), indica que os encargos financeiros representam de 30% a 35% do preço anunciado do produto.
Na prática, uma TV de LCD de 32 polegadas, parcelada em 12 vezes de R$ 133,33 sem acréscimo, que segundo o anúncio sai por R$ 1.599,99 à vista ou a prazo, carrega R$ 481,56 de juros embutidos no preço. É 30% do valor anunciado do produto.
Dutra pondera que a taxa usada na simulação é alta, 5,99% ao mês. Mas ela representa a média cobrada pelas lojas. De toda forma, independentemente da magnitude da taxa de juros, ele frisa que não existe parcelamento em 15 vezes sem juros. "O dinheiro tem um custo no tempo", diz o professor.
Essa também é a avaliação do diretor de relações com o mercado das Lojas Cem, Valdemir Colleone. A rede anuncia parcelamento em até seis vezes sem juros no cartão. "Fazemos isso contra a nossa vontade, é uma operação cara", diz ele, sugerindo que é uma estratégia puxada pela concorrência. Segundo Colleone, é possível anunciar o produto em até 50 vezes sem juros. "Tudo depende do preço", diz o executivo.
Dutra recomenda que o consumidor pesquise muito antes de comprar. O importante, diz ele, é primeiro escolher o prazo de financiamento e pesquisar o valor das prestações, já que a taxa cobrada não é explicitada.
O professor ressalta que, pelas simulações feitas com os preços anunciados, o consumidor disposto a pagar à vista deve pedir desconto de 30% a 35% no preço, o que corresponde à parcela dos juros no valor anunciado. Segundo Dutra, a perspectiva a médio prazo para o comércio é que ele trabalhe com dois preços: à vista e a prazo.
RISCOS
Anunciar a venda a prazo sem encargos pode parecer uma estratégia arriscada para as lojas, mas na verdade não é. Na avaliação de Dutra, a margem financeira embutida no preço anunciado é suficiente para cobrir qualquer desarranjo financeiro que possa ocorrer num prazo tão longo, de 15 ou 17 meses.
Na opinião do vice-presidente da Anefac, Miguel Ribeiro de Oliveira, haveria risco se ocorresse uma reviravolta na economia. "Mas a realidade é outra", observa o economista. "Vamos crescer pelo menos 5% no ano que vem." Essa também é a avaliação do economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges. Diante das boas perspectivas, ele acaba de rever para cima a projeção de crescimento da economia brasileira para o ano que vem, de 5,2% para 5,5%.
Mesmo que o Banco Central (BC) volte a subir os juros em 2010, esse movimento deve ocorrer só na segunda metade do próximo ano, pondera Borges. Até lá, lojas e bancos terão muito tempo para desfrutar do cenário favorável. [
Veículo: O Estado de S.Paulo