Estimativa de associação é que 45% da produção seja destinada ao açúcar
Lobão confirmou ontem que o governo estuda restringir empréstimos oficiais para quem não priorizar o etanol
Mesmo diante do plano do governo de restringir financiamento de bancos oficiais ao setor, a safra da cana deste ano terá mais investimentos em fábricas para produção de açúcar do que etanol na região centro-sul do país.
Segundo a Unica (União das Indústrias de Cana-de-Açúcar), serão 8 novas unidades de açúcar (a maioria em Minas) e 11 ampliações, ante as 5 previstas de etanol.
A projeção reforça a tendência de uma safra mais açucareira, mas vai na contramão do que espera o governo, que quer maior produção de etanol para evitar a migração para a gasolina e o consequente alta da inflação.
Pelo menos uma delas, a Cevasa (Companhia Energética Vale do Sapucaí), de Patrocínio Paulista, teve financiamento do BNDES.
Segundo a Unica, a estimativa é produzir 568,5 milhões de toneladas de cana e destinar 45,3% à produção de açúcar -o maior percentual desde a safra 2007/2008. Porém, para a instituição, os números não devem impactar a produção de etanol.
Ontem, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, confirmou que o governo estuda conceder menos empréstimos de bancos estatais para usinas que priorizem a produção de açúcar, como antecipou a Folha.
Além disso, o governo pode taxar a exportação de açúcar entre 4% e 5% e deixar de cobrar a Cide (contribuição sobre consumo de combustível usada para financiar a intervenção do governo) da gasolina importada.
Há hoje no país 435 usinas em operação, sendo que 301 produzem tanto açúcar quanto etanol; 122 produzem somente álcool, e 12, açúcar.
PREÇO MELHOR
Segundo especialistas, o maior investimento em unidades produtivas de açúcar é resultado do melhor faturamento ante o etanol. Levantamento da FG/Agro aponta que o faturamento de uma fábrica só de açúcar é, em média, 27,8% maior.
Para o presidente da Datagro, Plinio Nastari, a safra mais açucareira é resultado do aumento da capacidade industrial e, principalmente, do preço da commodity.
"Mas isso não trará prejuízos ao etanol, que terá maior estoque na entressafra."
Já o diretor técnico da Unica, Antonio de Padua Rodrigues, afirmou que as novas fábricas somadas às unidades inauguradas em 2010 vão processar, juntas, 30 milhões de toneladas de cana. "Isso equivale a 5% do total produzido na região", disse.
No entanto, na semana passada, a própria instituição afirmou que a produção de cana no país será suficiente para abastecer apenas 45% da frota de carros flex.
Já um estudo da FEA/USP apontou que o país precisaria de ao menos 15 usinas de etanol já em atividade para atender a demanda do mercado de combustíveis.
Uma das novas usinas que produzirão açúcar, a Cevasa, controlada pela Cargill, deverá fabricar 200 mil toneladas por safra. Para
O investimento na unidade foi de R$ 200 milhões, sendo 60% do BNDES, e também inclui cogeração de energia.
Medidas podem provocar efeito contrário ao que o governo deseja
Se o governo realmente colocar em prática o que se diz nos bastidores, deverá desincentivar a produção de álcool em vez de incentivá-la. O momento é errado, pois o álcool já começa a cair nos postos; as medidas são duvidosas, pois não atacam os problemas do setor.
O bom do novo sistema de carro flex é a opção de o consumidor usar ou não o álcool hidratado. A não utilização do álcool traz um problema para a Petrobras, devido à demanda acentuada por gasolina e à necessidade de mais álcool anidro.
As dificuldades vividas pela Petrobras na entressafra vêm, em parte, da própria política de manutenção contínua dos preços da gasolina.
Não reajustando o preço do combustível, a empresa dificulta os reajustes no álcool, o que eleva o consumo durante a safra e reduz a oferta na entressafra.
A exigência do governo de a Petrobras participar mais do setor traz outra preocupação: a empresa vai bancar o álcool com preços estáveis, como faz com a gasolina?
O caixa das usinas não aguentaria tal concorrência. O setor industrial vai pensar duas vezes antes de investir, principalmente porque as regras desse mercado não ficarão muito claras.
Outro problema crucial para o setor é o das compras da mão para a boca. Essas negociações têm de ter uma regulação, até para o planejamento da própria cadeia.
A colocação do açúcar como bode expiatório no setor também é muito duvidosa. A taxação do açúcar passará a reforçar o caixa do governo, que perderá receita com a Cide (tributo sobre a gasolina).
Produção é regida pelo mercado. Há um ano, produzir açúcar rendia 155% mais do que produzir álcool hidratado e 130% mais do que o anidro. Hoje, rende 30% e 1%, respectivamente.
Se agora o governo dá satisfação aos consumidores porque o álcool ficou caro, amanhã terá de fazer o mesmo com o açúcar, se desincentivar a produção.
Veículo: Folha de S. Paulo