Governo recua e pede mais cautela no apoio a megafusão no varejo

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A repercussão negativa do anúncio da possível fusão do Carrefour com o Pão de Açúcar, com apoio financeiro de R$ 3,9 bilhões do BNDES, preocupou o governo. Do Palácio do Planalto saiu ontem a ordem de "redobrar a cautela" com a operação, para que não prevaleça a ideia de que o governo está se intrometendo em um negócio privado e atuando para torná-lo viável. A cúpula do governo se sentiu "desconfortável" com a ideia de apoiar um negócio em que há violenta rejeição de um dos sócios, o Casino, que tem o direito de assumir o controle da rede em 2012.

 

Representantes legais do Casino estiveram no BNDES, na quarta-feira, para alertar o banco de que estava apoiando uma operação ilícita e que feria contrato entre os sócios. Argumentaram que a iniciativa era um risco para a imagem do BNDES e do próprio país, pois a operação não seria aprovada e sofreria questionamentos judiciais.

 

Depois dessa visita, o BNDES decidiu divulgar uma nota que agradou os representantes do Casino, por ser uma manifestação pública e por escrito de que os contratos serão respeitados. O Banco reitera sua "estrita observância das leis e dos contratos" e acrescenta que só vai trabalhar na operação de fusão se ela for resultado de acordo entre a partes envolvidas, ou seja, o grupo de Diniz e o Casino.

 

O Carrefour tem consciência de que precisará abrir mão de alguns de seus ativos no mundo para aplacar a fúria do conterrâneo Casino e convencê-lo a iniciar negociações. O BTG Pactual, responsável por estruturar a proposta de fusão junto com a butique financeira Estáter, estuda a oferta de "presentes" ao Casino, como uma espécie de compensação pelos dissabores dos últimos dias. E poderá oferecer a transferência de alguns ativos em mercados emergentes, como as redes de supermercados na Turquia, Polônia, Indonésia e Taiwan. Em novembro, o Casino comprou a operação do Carrefour na Tailândia por US$ 1,2 bilhão. Em um primeiro momento, quando desenhava o acordo, o BTG pensou em oferecer a rede Dia% em todo o mundo.

 


Plano é usar Casino para convencer Cade a aprovar negócio

 

Consultorias querem mostrar visão negativa de presidente da rede francesa sobre hipermercados

 

As consultorias que fizeram a modelagem da união entre Pão de Açúcar e Carrefour Brasil foram buscar em seu maior rival, o Casino, os argumentos para garantir uma futura aprovação do negócio pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Em análises preliminares sobre a fusão, elas listaram várias afirmações de Jean Charles Naouri, o principal executivo do Casino, a respeito do varejo.

 

Nelas, Naouri diz que o grande hipermercado não é lucrativo e que o futuro está em pequenas lojas mais próximas dos consumidores. O futuro do varejo estaria na segmentação fina dos consumidores, segundo entrevista de Naouri ao "Les Echos", o principal jornal econômico francês, em março.

 

Na ocasião, ele se referiu a um movimento que chamou de "comércio de precisão" no qual o ideal para as varejistas é ter lojas adaptadas a segmentos específicos de consumidores.

 

Isso é tudo o que grandes redes do varejo que estão se unindo querem ouvir, pois indica que megafusões no setor não seriam capazes de prejudicar a concorrência ou os consumidores.

 

Na entrevista ao "Les Echos", Naouri, que também é o maior acionista do Casino, disse que não acredita muito no modelo de hipermercado.

 

Primeiro, ele apontou que esse tipo de ponto de venda sofre a concorrência das lojas especializadas, como as redes de eletrodomésticos. Em seguida, ele falou que o consumidor unipessoal (sem preferência específica por produtos e mais adaptado aos hipermercados) está envelhecendo.

 

Naouri afirmou também que as crises econômicas favorecem as lojas perto de casa e que as altas nos preços da gasolina limitam a atração dos hipermercados - normalmente mais afastados dos bairros.

 

O executivo avaliou que o grande e o hipermercado não são lucrativos e que o futuro do varejo europeu está na loja alimentar de bairro. Ele disse também que o comércio eletrônico vai ser a opção mais competitiva no futuro. No caso do Brasil, o executivo argumentou que a fase de crescimento através de hipermercados já terminou. Ela só funcionaria em países subdesenvolvidos, o que não seria o caso brasileiro.

 

Agora, essas avaliações de Naouri estão sendo utilizadas por analistas no Brasil para mostrar que há espaço para a união de grandes redes do setor, pois os hipermercados não seriam tão decisivos na preferência dos consumidores.

 

O objetivo é utilizar o pensamento do executivo do Casino a favor da união Carrefour-Pão de Açúcar, quando e se ela for notificada para o Cade. Só que o empresário francês, que fez um acordo para assumir o controle do Pão de Açúcar (do qual já é o maior acionista, com 43% do capital), a partir de 2012, é contra a união do grupo de Abílio Diniz com o Carrefour, seu maior rival na França.

 

No Cade, a avaliação preliminar é a de que a concentração de supermercados resultante da união entre o Pão de Açúcar e o Carrefour seria mais forte nas regiões Sul e Sudeste. Para avaliá-las, o órgão antitruste não vai levar em conta apenas a participação geral das duas redes no país como um todo, que é de 32%, mas sim as participações locais em cidades e bairros, que podem ser maiores ou menores do que esse percentual.

 

Ontem, o presidente do Cade, Fernando Furlan, afirmou que nos locais em que só houver lojas das duas redes, o domínio seria de 100% e, portanto, as empresas teriam de vender algo para concorrentes. "Se, por exemplo, em uma cidade, só existir uma loja do Carrefour e uma do Pão de Açúcar, vamos ter uma concentração de 100% e alguma restrição terá que ser feita. Por exemplo, uma das lojas terá que ser vendida a um terceiro", disse.

 

Essa foi uma sinalização de que, dificilmente, o negócio será aprovado sem restrições, pois algumas lojas terão de ser vendidas para concorrentes nos locais de maior concentração.

 

O Cade também está fazendo a análise final a respeito da união entre o Pão de Açúcar, a Casas Bahia e o Ponto Frio. Nela, o órgão antitruste tem como base o parecer da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda que pede alienações de lojas em 12 cidades em São Paulo, no Rio de Janeiro e no Distrito Federal. Mas ainda não há prazo para a realização do julgamento neste caso.

 


Veículo: Valor Econômico

 

 


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