Fernanda Aranda e Humberto Maia Junior
A adoção do pedágio urbano era vista pelos cientistas políticos como um assunto que seria tabu nesse período eleitoral. E também não encontra consenso entre especialistas. O consultor de trânsito Jaime Waisman, por exemplo, disse que outras medidas são mais eficazes para reduzir os índices de poluição do que essa tarifação. "Temos a inspeção veicular para ônibus e caminhões. Mas, para o grosso da frota, automóveis, ainda não temos nada."
Para o especialista, que também é professor de Engenharia dos Transportes da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP), a cobrança do pedágio vai penalizar os motoristas. O problema, disse, é a falta de opções ao automóvel. "Não pode adotar a restrição sem dar alternativa, uma vez que o transporte público é de má qualidade." Waisman lembrou de cidades onde a circulação de automóveis é cobrada, como Londres, Estocolmo e Sydney (mais informações nesta página), mas ressaltou que, em todas, o sistema de transporte é eficiente. "Pedágio urbano é a última coisa a ser feita aqui."
Já o presidente da Comissão de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ciro Vidal, disse que a medida deve ser adotada, desde que tenha planejamento. "Não vejo por que (a idéia) não possa ser tentada. Tem de experimentar." Segundo Vidal, não há entraves legais contra a proposta. Ele disse, porém, que o pedágio não pode ser adotado em ruas centrais, onde, segundo ele, não há espaço físico. "Tem de estudar a localização." Ele citou as Marginais do Tietê e do Pinheiros e a Rodovia dos Bandeirantes como possíveis praças. "No centro, onde seria? Na 23 de Maio? Ela já não anda, pararia de vez. Na Tiradentes? Não tem condição, porque ela afunila."
Pesquisa Ibope, encomendada pela ONG Movimento Nossa São Paulo, revelou que o pedágio urbano foi reprovado por 87% dos 1.512 paulistanos ouvidos em janeiro. Entre os candidatos, só Soninha Francine (PPS) defende abertamente a proposta de cobrança.
POLUENTES
Como medida para reduzir a emissão de poluentes na capital, porém, sobram defensores. O Laboratório de Poluição da USP já identificou que 12 pessoas morrem por dia na capital em decorrência dos efeitos dos gases tóxicos.
Ontem, enquanto o governo titubeava na questão, com críticas veladas ao texto final entre vários secretários, a defesa coube ao titular da pasta do Verde e Meio Ambiente, Eduardo Jorge. Jorge citou um estudo da secretaria que mostra que 75% da emissão de poluentes vem do uso de energia. Desses, 90% da emissão equivale ao uso de combustível fóssil (sobretudo gasolina e diesel). "Temos de agir muito forte."
PELO MUNDO
Estocolmo
Desde janeiro de 2007, adota pedágio urbano no centro. Durante a semana, das 6h30 às 18h30, os motoristas pagam taxas a partir R$ 3, conforme o trânsito. O congestionamento caiu pela metade e a poluição do ar, em até 14%. A frota de ônibus ganhou mais 200 veículos e os horários do metrô foram ampliados. Carros flex ficam isentos do pedágio
Londres
Adotou o pedágio urbano há quatro anos. Em fevereiro de 2006, a área sujeita à cobrança dobrou de tamanho. Funciona nos dias úteis, entre 7 e 18 horas, para circular no centro. O dinheiro arrecadado é reservado para gastos com transporte. Táxis, ambulâncias e veículos de propulsão elétrica são isentos. Os congestionamentos foram reduzidos em 20%
Santiago
Tem pedágio eletrônico com tecnologia de chip desde 2004 nas principais autopistas. Câmeras fotografam a placa do carro assim que ele passa por um dos pórticos e o pedágio é cobrado instantaneamente. As tarifas variam de acordo com horário e distância percorrida. O governo investe pesado em transporte público
Bogotá
Iniciou o rodízio em 1998. A medida limitou a circulação de carros em 40%, proibindo quatro placas por dia nos horários de pico, das 6h30 às 9 horas e das 17 às 19 horas. Quatro anos depois, a chamada pico y placa aumentou a velocidade média de 14 km/h para 25 km/h. Aumentou também em 20% a ocupação do transporte coletivo e em 54%, a ocupação dos táxis
Cidade do México
Proposto como medida ambiental em 1989, o rodízio restringia inicialmente a circulação em 20%. Hoje, após inspeção veicular, o carro ganha um adesivo que indica a que restrição está submetido. Quando os níveis de poluição estão muito altos, o rodízio é intensificado, proibindo alternadamente chapas pares e ímpares
Para cientista político, medidas não devem trazer grande impopularidade
Eduardo Reina
Desespero eleitoral por permanecer na terceira posição nas pesquisas de intenção de voto ou coragem para efetivar medidas urgentes para São Paulo, que diariamente acumula quilômetros e mais quilômetros insolúveis de congestionamento? Qual a explicação para a apresentação de projeto polêmico que cria pedágio urbano e bolsões de estacionamento de ônibus, entre outras propostas, para amenizar a poluição e a agonia dos motoristas na capital?
Nenhuma nem outra coisa. Para o cientista político Rui Tavares Maluf, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp), o projeto encaminhado pelo prefeito e candidato à reeleição está dentro do contexto do principal tema dessa eleição, a gravidade do trânsito na capital. Mas também mostra "uma crença inabalável" do povo brasileiro, "que acredita que pela lei é possível resolver todos os problemas". "Ele está coerente com os dois grandes discursos atuais, de trânsito-transporte e ambiente. Esses temas encurralam o prefeito e ele precisa mostrar que pode agir sobre a matéria. Entretanto, por estarmos no segundo semestre e em meio a uma campanha eleitoral, a aprovação fica mais difícil."
Tavares Maluf destacou ainda que a proposta enviada à Câmara Municipal aponta para a criação de pedágio urbano e outros dispositivos de controle de tráfego para evitar congestionamentos, mas que não serão instalados se a lei for aprovada pelos vereadores. É preciso legislação específica para que tudo entre em vigor. "Haverá uma nova batalha, será preciso uma nova avaliação político-legislativa. Quase todas as leis dependem de outras, que nunca são criadas. Hoje, as medidas propostas não trazem uma dose de impopularidade grande, apesar de mexer com interesses de muitas pessoas", afirmou.
IMPOPULARIDADE
O receio de se tornar impopular, juntamente com a necessidade de resolver o problema dos congestionamentos, levou Kassab a dizer, no fim do ano passado, que não adotaria novas tarifações. "Eu sou contra. É muito simplista dizer que vai instalar o pedágio urbano", disse ao Estado em 20 de dezembro de 2007. Na época, o prefeito chegou a admitir apenas que aceitava discutir o aumento dos dias de rodízio de carros, como solução aos congestionamentos. "Eu aceito discutir o rodízio. Mas a outra medida (o pedágio urbano) não está na pauta no momento."
Veículo: O Estado de S.Paulo