O alimento não é a única propriedade dos animais de corte: após a extração da carne, um terço do volume de bois, aves e suínos é dispensado pelos frigoríficos - quando entram em cena as chamadas graxarias, que são empresas de coleta e beneficiamento desses resíduos. A reciclagem dos subprodutos deixados pela atividade pecuária ainda é pouco conhecida no Brasil, apesar de evitar que mais de doze milhões de toneladas de restos orgânicos acabem nos aterros sanitários.
O primeiro diagnóstico desse mercado, a exibir um faturamento de R$ 5,8 bilhões, data do último mês de 2011, registrando que o trabalho de 169 companhias corresponde a 60% da produção nacional de farinhas e óleos (3,3 milhões de toneladas), que são vendidos a indústrias de ração, cosméticos e biocombustíveis. O segmento passa por um período de reorganização, em que busca "mostrar a cara" à sociedade e obter maior comunicação com as esferas governamentais.
"O governo só atende um setor quando há projeto, organização", diz o presidente da Associação Brasileira de Reciclagem Animal (Abra), Clênio Antônio Gonçalves. "Sem identidade, fica difícil dialogar. Precisamos de um 'endereço' esclarecedor, uma definição", acrescenta o consultor José Eduardo Malheiro, que esteve presente, nesta semana, no primeiro seminário organizado pela associação, durante a Feira da Indústria de Aves e Suínos (AveSui), em São Paulo.
Criada em 2005, a Abra pleiteia apoio às pesquisas do segmento, isenção de impostos (já que as empresas estão na condição de recicladoras) e tratamento diferenciado em questões logísticas, como no livre acesso para estacionar na frente de frigoríficos, já que um dos problemas do setor é a alta incidência de multas.
As autuações de trânsito custaram R$ 99 mil à indústria agroquímica Braido no ano passado. Sediada em São Caetano do Sul (SP), a companhia mantém uma frota própria de 90 caminhões e coleta sebo e ossos bovinos de quatro mil pontos comerciais. "Compramos de muitos e vendemos para poucos", conta o diretor de Logística da empresa, Nelson Antônio Braido. A clientela do grupo, que inclui gigantes como a Unilever, é reduzida porque lida com produtos de alto valor agregado.
Utilizado na síntese da borracha e na formulação de amaciantes, o ácido graxo responde por 50% do faturamento anual da Braido, de R$ 120 milhões. A farinha de carne e de ossos pesa menos na receita e rende cerca de R$ 10 milhões por ano, mas, sendo ingrediente para as rações de animais, é uma das principais mercadorias do grupo. O produto vem dando prejuízo desde o início do ano, segundo Nelson, porque o custo, principalmente do frete, supera o valor de mercado.O empresário diz que a farinha de carne e ossos compete com o farelo de soja. Cotado internacionalmente, o derivado da oleaginosa determina a demanda pelo produto animal, que atende apenas o mercado interno. "Não temos preço para vender lá fora", diz Nelson. Mas fontes do segmento garantem que, embora as exportações pudessem ajudar a estabilizar os preços, o consumo interno é suficiente para ocupar toda a oferta. "A força do mercado interno é muito importante", considera o presidente da Profat Consultoria, Alexandre Ferreira.
Disputa por ossos
Como os grandes frigoríficos têm à mão suas próprias graxarias, cabe às empresas de reciclagem animal buscar sebo, ossos e penas nos açougues de pequeno porte. "Meus fornecedores são açougues de uma porta só", explica Nelson, que não revela o volume de resíduos coletados pela Braido porque há "um ciuminho" entre empresas do segmento, em relação a esse dado.
A consultora ambiental da graxaria fluminense Grande Rio, Alessandra Caline, vai além e diz que há uma verdadeira disputa pela matéria-prima dessas companhias. "Há sabotagem na coleta, o tempo todo", afirma. Outro diretor da Braido critica o fato de que os empresários do ramo perdem tempo discutindo "por causa de uma canela de boi". Um dos maiores problemas (e motivo de altos custos) do segmento é a necessidade de as empresas coletarem a matéria-prima nos açougues e frigoríficos, quando estes poderiam ser responsáveis pelo envio à reciclagem.
Normatizando graxarias
A primeira vez em que o governo federal reconheceu oficialmente o mercado de coleta e beneficiamento de subprodutos da pecuária foi em 2003, quando o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) estabeleceu uma instrução normativa (n. 15) para o segmento. O documento foi reeditado duas vezes (IN n. 29/2004 e n. 34/2008), e está sendo mais uma vez editado com sugestões da Abra. "O principal ponto da norma está ligado à sanidade", observa Ferreira.
Veículo: DCI