Escassez de cacau trava aportes industriais

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A queda da produção brasileira de cacau, que desde a crise da "vassoura-de-bruxa" é incapaz de atender à demanda das indústrias instaladas no país, tornou-se um desestímulo a novos investimentos e abriu espaço para um forte aumento das importações de produtos processados e chocolate de outros mercados.

Cálculos da Associação das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), que representa quatro multinacionais (ADM, Cargill, Delfi e Barry Callebaut) e uma companhia nacional (Indeca), sinalizam que já seria necessário elevar em 15% a capacidade de processamento instalada no Brasil para compensar o atual volume importado de derivados e produtos finais, o que exigiria aportes de US$ 80 milhões a US$ 100 milhões.

As empresas associadas à AIPC respondem por mais de 90% da capacidade instalada no país, que é de 230 mil a 240 mil toneladas. A recuperação da produção brasileira de cacau é um dos pleitos da entidade, conforme seu secretário-executivo, Walter Tegani. Ele diz que mantém conversas com diversas entidades e órgãos, entre os quais a Secretaria de Agricultura da Bahia e a Câmara Setorial do Cacau, para alertar sobre o situação crítica do segmento.

A produção brasileira da amêndoa hoje não chega a 200 mil toneladas, e as importações somam entre 50 mil e 60 mil toneladas. Diante desse quadro, afirma Tegani, as multinacionais estão dirigindo seus investimentos para países como Costa do Marfim e Indonésia.

Mas ele tem esperanças de que o déficit pelo menos diminua nos próximos anos, graças a uma expectativa de recuperação da produção da Bahia - que, apesar da crise do passado, ainda responde por mais de 70% da produção nacional.

Nesse processo de retomada, o Pará também poderá desempenhar um papel importante. Conforme o governo do Estado, a crescente produção local será suficiente para compensar o volume importado da amêndoa em aproximadamente cinco anos.

Tegani considera que, apesar de o produto importado ser mais barato que a matéria-prima brasileira, mesmo incluindo os gastos com frete e impostos, a importação acarreta um custo grande para as indústrias que precisam deslocar um grande volume financeiro para honrar os compromissos de trazer grandes volumes de cacau.

Além disso, as companhias que atuam no país também exportam uma pequena parte da produção, principalmente para a América Latina. Isso porque elas participam do regime de drawback, por meio do qual têm isenções de tributos na importação da matéria-prima a ser usada na industrialização e posterior exportação.

Enquanto isso, as empresas instaladas no Brasil confirmam que não programam investimentos polpudos por aqui no curto prazo.

É o caso da Delfi, do grupo Petras Food, que tem base em Cingapura e é um dos maiores fabricantes e fornecedores de ingredientes de cacau. A companhia desembarcou no país em 2003, após a compra de uma unidade da Nestlé em Itabuna (BA).

A capacidade de processamento local dobrou de 30 mil para 60 mil toneladas por ano desde 2005, a partir de investimentos de cerca de US$ 20 milhões, como informa a diretora da empresa e vice-presidente da AIPC, Patrícia Moles, e agora não há nada novo de peso no horizonte.

A unidade no Brasil atua na produção de liquor, manteiga e pó de cacau. O foco é atender ao mercado interno. A executiva relata que é difícil competir com derivados importados de países como China, Indonésia e Malásia, que chegam com preços cerca de 20% mais baixos que os produzidos no Brasil.

Segundo Patrícia Moles, o problema mais crítico para o segmento é mesmo a falta de matéria-prima local. "Se ficássemos três ou quatro anos sem déficit [entre produção e demanda], o clima para investimentos seria diferente".

Ela realça a necessidade de se melhorar a qualidade e a produtividade do cacau brasileiro, mas lembra que o elevado endividamento dos produtores também limita os aportes nas lavouras.

A Cargill é outra que não prevê novos investimentos significativos. Os aportes têm sido pontuais, destinados à manutenção do parque industrial existente. Como suas concorrentes, o foco da múlti americana, que atua nos segmentos de cacau e chocolate na Europa Ocidental, na África, no Brasil, no Canadá e nos EUA, é ajudar os agricultores de Bahia e Pará a recuperar a produção.

O líder da unidade de negócios cacau e chocolate da empresa, Miguel Sieh, que assumiu em julho a presidência da AIPC, informa que fábrica processadora da Cargill instalada na Bahia produz 85 mil toneladas por ano - ou 32% da moagem brasileira da amêndoa.

O investimento mais recente da Cargill no Brasil, de cerca de US$ 7 milhões, foi realizado há cinco anos. Contemplou a construção de uma fábrica de chocolate em Porto Ferreira (SP), com capacidade para 10 mil toneladas de chocolate para fins industriais e food service.

No momento, diz Sieh, não há previsão de ampliação da indústria e da processadora que produz manteiga, pó e liquor de cacau, ainda que a demanda seja promissora por conta do aumento do consumo per capita brasileiro. Nos últimos anos, os aportes da múlti estão concentrados em mercados como África e Ásia. Uma nova fábrica foi construída em Gana. E a grande aposta parece ser a Ásia. "É um mercado com potencial interessante. Não existe cultura de consumo de chocolate como no Ocidente ", afirma o executivo.

A brasileira Indeca não foge à regra e também não tem planos de investir no aumento de sua capacidade no país. Mas, segundo o diretor-geral Luis Aguirre, a empresa busca um empréstimo de R$ 10 milhões junto ao BNDES para melhorar seu processo produtivo.

O foco atual dos aportes é o aumento da produtividade das fazendas. Kátia Menezes, analista de mercado da Indeca, observa que o ganho real na lavoura e a viabilidade econômica da indústria vêm diminuindo, em razão da combinação entre cotações elevadas da matéria-prima e preços mais baixos recebidos pelas indústrias pelos derivados. "A conta fica difícil de fechar. As indústrias vão quebrar se continuar moendo abaixo da capacidade", alerta.



Veículo: Valor Econômico


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