Dificuldades com trabalhadores e concorrência de importados põem em xeque modelo de negócios baseado em incentivos fiscais
Empresas do setor calçadista que pararam de produzir no Rio Grande do Sul estão fechando unidades em outros Estados e países, pressionadas pelas dificuldades para treinar trabalhadores e pela concorrência de produtos importados. Os casos mais emblemáticos são a Azaleia, que está encerrando atividades de 12 unidades na Bahia, e a Schmidt Irmãos, que abandona a Nicarágua.
No passado, as duas empresas optaram por abandonar o Estado em busca de vantagens fiscais e de menor custo de mão de obra. Ainda que os problemas que as atinjam hoje sejam diferentes, para o presidente do Badesul e coordenador do setor coureiro-calçadista da Política Industrial do Estado, Marcelo Lopes, as dificuldades enfrentadas por essas empresas podem apontar um erro de avaliação sobre os riscos de fazer a migração.
— Algumas saíram e acabaram voltando, e outras tantas têm crescido sem deixar o Rio Grande do Sul. Construir um cluster (complexo) calçadista não é fácil, e isso já está estabelecido aqui — afirma Lopes.
Mesmo que as empresas que deixaram o Estado estejam encontrando dificuldades em outros lugares, para o diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein, os empregos que se perderam com o fechamento das fábricas locais não devem voltar ao Estado. Conforme dados do Ministério do Trabalho e da Abicalçados, em 1991, o setor empregava 56,8 mil pessoas. No ano passado, eram 44,6 mil. Em duas décadas, 12,2 mil vagas foram suprimidas.
— São situações muito pontuais, não terão reflexos no emprego aqui. As empresas brasileiras sofrem com os importados — avalia Klein.
O presidente do Badesul, no entanto, considera possível a volta das empresas. Lopes afirma que estão sendo realizadas reuniões com representantes do segmento para discutir ações que ampliem a competitividade do Rio Grande do Sul.
— A questão fiscal é central para as empresas calçadistas. Tivemos modificações no ano passado, e é possível que possamos avançar nesse tema — projeta Lopes.
Nem na Bahia estrangeiros dão trégua
Fundada em Parobé, no Vale do Paranhana, onde chegou a ter 8 mil funcionários, a Azaleia deixou definitivamente de produzir no Estado em 2011. Agora está fechando 12 filiais no Nordeste, desempregando 4 mil trabalhadores. A única fábrica baiana que seguirá é a de Itapetinga.
A opção da Azaleia por produzir no Nordeste foi baseada principalmente nos incentivos fiscais recebidos. Conforme a Abicalçados, enquanto no Rio Grande do Sul o ICMS chega a 12%, a alíquota na Bahia está perto de zero.
Além disso, a mão de obra nordestina, no início da migração das empresas gaúchas, há mais de 20 anos, era em média 10% mais barata. Hoje, essa diferença quase inexiste.
A Vulcabras, dona da Azaleia, afirma que está fechando as unidades em função de "sucessivos e elevados prejuízos financeiros". O problema seria causado pela maior competição com produtos importados a preços baixos. Conforme analistas de mercado, o modelo de unidades em diferentes cidades estaria aumentando as perdas, o que explicaria a opção por centralizar a produção.
— A carga tributária não é só ICMS, e em certos setores se justifica não produzir no Brasil — diz o especialista em direito tributário e professor da UFRGS, Humberto Ávila.
Falta de mão de obra treinada na Nicarágua
A Schmidt Irmãos chegou a ter 21 unidades no Estado, com 3 mil funcionários. Fundada em 1943, em Campo Bom, a empresa foi atraída para a Nicarágua em 2010 principalmente pelo acordo de livre comércio firmado entre países da América Central e os Estados Unidos. O Cafta prevê imposto menor para exportar, gerando redução no preço final do produto entre 10% a 12% em relação ao Brasil.
Pouco mais de um ano depois, a indústria perdeu seu principal cliente nos EUA. Além disso, teve dificuldades para treinar mão de obra qualificada. Em agosto, a Schmidt Irmãos começou a reduzir sua equipe na Nicarágua, e a tendência é de que a unidade seja fechada.
— A empresa ainda mantinha funcionários em Campo Bom, que agora devem perder seus empregos. Avaliamos que estejam encerrando definitivamente suas atividades — afirma o presidente do Sindicato dos Sapateiros de Campo Bom, Vicente Selistre.
A Schmidt Irmãos confirma que deve deixar a América Central, mas não comenta desdobramentos.
— Há problemas culturais, que as empresas precisam analisar antes de decidir ir para outro país — analisa José Carlos Lehn, especialista em administração e negócios internacionais e professor da Universidade Feevale.
Veículo: Zero Hora - RS