A lista de quais produtos serão definidos como essenciais – ou seja, que deverão ser trocados pelo varejo ou fabricante assim que o consumidor avisar que há problema – ainda não foi elaborada pela Câmara Nacional de Relações de Consumo, integrada pelos Ministérios da Justiça, Fazenda, Desenvolvimento, Planejamento e Casa Civil, e não há previsão de quando isso ocorrerá. O prazo anunciado pelo governo federal para a sua elaboração se esgotou em 15 de abril, 30 dias após o lançamento do Plano Nacional de Consumo e Cidadania (Plandec).
Mas isso não significa que as empresas não tenham que se preocupar com o assunto. O Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu parágrafo 3º do artigo 18, determina que o consumidor pode exigir de imediato a substituição de um item sempre que, em razão do vício, a substituição das partes viciadas comprometa a qualidade ou as características de um produto.
Só que o mesmo artigo define o prazo de 30 dias para a empresa reparar a parte viciada e devolver ao seu cliente o produto em perfeitas condições de uso. E é aí que gera toda a confusão. "Para alguns itens, o consumidor não pode esperar esse prazo. Daí o próprio mercado convencionou trocá-los rapidamente. É o caso de remédios, alimentos e produtos que o consumidor não tem como ficar sem. Mas é uma prática extra-lei", avisa Marco Antonio Araujo Junior, advogado e presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-SP. Ou seja, o fornecedor pode se negar à troca se valendo dos argumentos do próprio CDC e deixar o caso seguir para a Justiça.
"Mas a empresa de boa-fé entende a essencialidade de alguns produtos e age rapidamente. Por exemplo, como dizer que não é essencial um computador para quem tira o seu sustento dele? Deixá-lo esperar por 30 dias para o reparo não fere só o bom relacionamento da empresa com o seu cliente, mas o princípio da boa-fé objetiva na qual toda a legislação consumerista é baseada", ressalta.
O advogado lembra outro detalhe importante para a troca de produtos que o mercado convencionou como essenciais: "O item tem de estar dentro do prazo de garantia legal ou contratual." Isso significa que, quanto mais tempo um fornecedor conceder de garantia, mais amarrado ele ficará na troca em caso de vício, caso o produto seja considerado essencial na lista a ser elaborada pelo governo. A garantia legal para produtos duráveis é de 90 dias, conforme destaca o artigo 26 do CDC, lembra o advogado.
Com a lista de produtos essenciais, toda essa situação tenderá a ficar mais clara. Em contrapartida, poderá também crescer a procura pelo consumidor por trocas. O cliente, segundo especialistas em defesa do consumidor, vai optar pela substituição imediata, em vez do reparo. "Com o aumento do risco, o preço dos produtos também se elevará. Alguém vai pagar a conta, e com certeza não será o governo", acrescenta Araujo Junior.
Celular pode ser incluído
Se ainda não há uma lista ou a definição do que é produto essencial pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), é possível recorrer à Lei de Crimes contra a Economia Popular (Lei nº 1.521/1951), que define o que é um bem de primeira necessidade.
Entretanto, orgãos governamentais de defesa do consumidor vão mais longe nessa definição, e dizem ser todos aqueles indispensáveis ao dia a dia do consumidor. Com base nessa interpretação, uma geladeira, um ferro de passar ou um fogão também deveriam ser trocados de imediato, se não funcionarem corretamente. Neste rol de itens essenciais, vem sendo discutida a inclusão do aparelho celular. A razão é simples: a falta de assistência técnica e de peças obriga o consumidor a esperar muito tempo para o reparo, que ultrapassa até o limite de 30 dias estabelecido pelo CDC.
A discussão sobre a essencialidade do celular já foi motivo de nota técnica publicada pelo Departamento Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), vinculado à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon/ Ministério da Justiça). Essa nota, publicada em 2010, foi contestada na Justiça pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), que teve ganho de causa mesmo depois de o Ministério Público Federal ter divulgado entendimento sobre a essencialidade do celular – e, de que o consumidor tinha direito à substituição imediata, à restituição da quantia paga ou ao abatimento proporcional do preço do aparelho.
Veículo: Diário do Comércio - SP