Com as reservas internacionais baixando há oito meses de maneira ininterrupta, a Argentina oficializou ontem a anistia para quem concordar em trazer para o país recursos em dólar que não foram declarados. A lei, que cria instrumentos financeiros para aplicação no mercado imobiliário e na capitalização do setor de óleo e gás, foi publicado no "Diário Oficial" do país.
Ontem, as reservas fecharam em US$ 38,612 bilhões, ou 10,9% menos que os US$ 43,2 bilhões registrados no primeiro dia útil deste ano. Nos últimos 12 meses, o recuo foi de 19,3%. Quando a presidente Cristina Kirchner se reelegeu, em outubro de 2011, as reservas estavam em US$ 48 bilhões. Em 2010, fecharam em US$ 52,1 bilhões - 26,2% a mais que agora. O resultado, porém, é ligeiramente superior ao de sexta, quando as reservas ficaram em US$ 38,574 bilhões.
O governo argentino estima que existam cerca de US$ 200 bilhões entesourados ou enviados ao exterior de forma ilegal por empresas e cidadãos argentinos. Em uma anistia semelhante, em 2009, a administração de Cristina conseguiu o ingresso de US$ 4 bilhões. Agora, o resultado tende a ser menor: há uma brecha da ordem de 60% entre a cotação oficial do dólar, que é de 5,29 pesos, e a paralela, que está em 8,60. E a moeda americana nos últimos dias começou a se valorizar em relação ao restante das divisas mundiais, sobretudo as de países em desenvolvimento.
" O panorama faz prever resultados mais modestos para essa repatriação e o nível das reservas não deve melhorar em função disso", disse o economista Ricardo Delgado, da consultoria Analytica. De acordo com Delgado, a queda das reservas, previsível com o pagamento de compromissos externos, foi acentuado com o aparecimento do câmbio negro na Argentina.
A expectativa de que o peso irá desvalorizar com força a médio prazo fez com que os produtores de grãos atrasassem suas exportações. No primeiro quadrimestre, a liquidação de contratos foi inferior a do ano passado, em que as condições climáticas fizeram com que a safra fosse 20% menor. O câmbio negro ainda fez com que parte do fluxo de recursos de turistas estrangeiros que visitam a Argentina fosse parar na mão dos cambistas ilegais, que pagam mais pelo dólar e pelo real. Segundo Delgado, também colaborou para a redução das reservas o aumento das importações de petróleo e gás no início deste ano.
O nível das reservas internacionais argentinas, de cerca de 8% do PIB, ainda não aponta para uma crise cambial como a que passa a Venezuela, em que representam apenas 6,5% do PIB. Mas está longe da situação folgada de países como Brasil, México, Colômbia, Peru, Paraguai, Bolívia e Uruguai: em todos eles, as reservas superam 15% do PIB, e cresceram desde 2007. No caso do Brasil, as reservas correspondem a cerca de 16% do PIB e pagam 18 meses de importações.
Nos últimos cinco anos, a Argentina foi o único país da região, além da Venezuela, que registrou uma descapitalização. "Em 2007, as reservas pagavam 12 meses de importação e hoje pagam seis meses. Mas é importante lembrar que, às vésperas do colapso cambial de 2001, elas eram suficientes para apenas 15 dias de compras externas", afirmou Delgado.
Veículo: Valor Econômico