Elias Tergilene, fundador e presidente da Rede Uai de Shoppings, tem uma meta ousada: abrir o primeiro shopping center dentro de uma favela. O projeto, que será desenvolvido dentro do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, já foi apresentado e deve se concretizar até dezembro deste ano.
O empresário mineiro que já foi camelô e vendedor de esterco em Betim (MG), é hoje sócio da empresa italiana de móveis Doimo e um dos empreendedores que, de forma pioneira, trabalham com mercados pouco explorados por grupos tradicionais do setor de shopping centers.
Apesar da conjuntura econômica desfavorável - com a queda do poder de compra das classes D e E pelo avanço da inflação -, empresas como a Uai, que foca seus empreendimentos nas classes D e E, e a Tenco, que está desenvolvendo projetos em cidades como Arapiraca (AL) e Macapá (AP), crescem e comprovam que existem oportunidades em nichos deixados de lado por algumas empresas.
Elias Tergilene explicou ao DCI que o conhecimento do setor em que se está atuando pode definir o sucesso ou fracasso dos empreendimentos. Ele aponta que os shoppings populares não podem funcionar da mesma maneira que as grandes operações já existentes. "Hoje temos três shoppings em Belo Horizonte [nos bairros de Venda Nova, Céu Azul e no centro] e um em Manaus [no bairro de São José], região onde estão concentrados camelôs e prostitutas, camadas que pessoas e negócios tendem a excluir. Isso assusta empreendedores de shoppings normais."
A Rede Uai, considerada a primeira rede de shoppings populares pela Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), teve faturamento de R$ 24 milhões no ano passado e prevê que os negócios gerem uma receita entre R$ 30 milhões e R$ 35 milhões este ano. "Estamos expandindo nossas operações, três shoppings vão dobrar de tamanho, e temos um projeto dentro da favela do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Esse mercado é muito grande, e o preconceito com este segmento é maior ainda".
A Uai quer investir cerca de R$ 1 bilhão nos próximos cinco anos em novos empreendimentos, e a intenção é abrir dois novos shoppings por ano até 2023, chegando a 25 operações. O grande diferencial da rede é atuar como um "equipamento de infraestrutura urbana", segundo Elias, preenchendo lacunas deixadas pelo poder público. "Nós cumprimos um papel social muito grande, além do econômico. As áreas degradadas da periferia e do centro precisam de infraestrutura, e nos shoppings você tem praça de alimentação, opções de lazer e banheiros, além do comércio."
Gestão, riscos e investimento
Mesmo com os bons resultados nos últimos anos, empreendimentos voltados para as camadas populares estão mais suscetíveis a fatores como a alta dos juros. O fundador da Rede Uai comenta que os últimos meses não foram favoráveis nem para a empresa, nem para o comércio popular em geral. "Com manifestações e pessoas falando em crise, o comércio despencou cerca de 50%. Nosso público nos shoppings era de 30 mil pessoas ao dia e foi para 12 mil. Isso mostra a sensibilidade da base da pirâmide. Por isso, a gestão tem que ser uma das nossas prioridades".
Tergilene salienta que as medidas para amenizar problemas têm que ser rápidas neste segmento. "Assim que público começa a cair, temos que movimentar uma programação especial, agenda de eventos, promoções. Da mesma forma que esse quadro nos afeta por sermos pequenos, temos capacidade de mudança e flexibilidade grande, nos reunindo frequentemente com lojistas, por exemplo."
Ele comenta que a busca por investimentos para os negócios voltados para classes D e E foram complicados a princípio, mas que hoje os shoppings da Rede Uai já contam com grandes players, como, por exemplo, Lojas Americanas, Boticário, Triton e grandes empresas de telefonia.
"Hoje as operações estão maduras, são uma realidade. Estamos atraindo investidores estrangeiros, nacionais e fundos de investimento. No início tivemos dificuldade de convencer franquias a entrar no shopping. Achavam que as operações seriam feias, desorganizadas, e viemos com conceito de gestão de shopping popular. Somos populares, mas profissionais, fazemos a geração de empreendedorismo e de renda na base da pirâmide", conclui Elias Tergilene.
Rumo ao interior
Abrir operações em cidades pouco acostumadas a este tipo de negócio também se mostra como uma atitude pioneira capaz de gerar lucro fora dos grandes mercados. O grupo de shopping centers Tenco tem como foco principal mercados pouco atendidos pelo setor, conforme explica o diretor comercial da companhia, Júlio Macedo.
"Atendemos novos mercados, que ainda não eram bem atendidos por shopping centers, ou que não eram nem atendidos. Este ano inauguraremos empreendimentos em Arapiraca, Macapá e Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, dia 10 julho".
A companhia tem um plano ambicioso: contar com 32 empreendimentos até 2017, número bem maior do que os 15 atuais entre operantes e em desenvolvimento.
Entre os locais que devem receber shopping centers da Tenco estão Guarapuava, no Paraná, e até o estado de Roraima, o único território nacional sem uma operação deste tipo, segundo a Abrasce.
Para isso, a empresa conta com o apoio da Pátria Investimentos, cuja parceria gerou um fundo de investimentos de R$ 1 bilhão disponibilizado para os próximos três anos.
Mesmo construindo em cidades menores e mais afastadas, os negócios tendem a contar com uma grande diversidade de clientes, explica o diretor da Tenco.
"Dentro dessas cidades, o shopping acaba se tornando, efetivamente, o melhor local para fazer compras, por ter acesso a serviços e entretenimento. Por isso, atendem espectro bastante amplo, com foco nas classes B e C, mas também atingindo a classe A e até pessoas que estão emergindo da classe D."
Veículo: DCI