Otimismo do brasileiro pode virar armadilha

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Os gestores brasileiros não compreendem os aspectos mais profundos da crise e, por isso, estão otimistas em relação à economia nessa época de incertezas. A afirmação é do presidente do Grupo BPI no Brasil, Gilberto Guimarães. A empresa acaba de divulgar uma pesquisa mundial sobre as expectativas dos altos executivos em relação à atual turbulência financeira. Surpreendentemente, os brasileiros são os mais confiantes. O estudo ouviu de 7,5 mil profissionais, em 14 países (Bélgica, Brasil, Finlândia, Polônia, Romênia, Rússia, Suíça, Reino Unido, Alemanha, França, Espanha, Itália, China, Estados Unidos).

 

De acordo com o levantamento, os brasileiros acreditam que a crise durará pouco, que o governo tomou medidas eficazes e que, apesar das reestruturações corporativas, suas equipes não serão afetadas. Mas, para Guimarães, tal postura reflete uma certa falta de informação. Para se ter uma idéia da disparidade entre o País e o resto do mundo, 44% dos executivos brasileiros acreditam que a crise durará, no máximo, dois anos. Outros 40% acham que a instabilidade continuará por no máximo um ano. Somente 14% apostam que a crise ultrapassará dois anos. Nos outros países, a maioria acredita em prazos de dois ou mais anos.

 

Por outro lado, os líderes nacionais não ignoram a gravidade da crise pela qual as economias de todo o globo está passando. Entre os brasileiros, 79,6% acreditam que as consequências para as empresas serão muito sérias. Esse percentual só é maior na Inglaterra (88%) e nos Estados Unidos (84,2%).

 

Para melhor compreender as contradições presentes na parte brasileira do estudo, Guimarães elaborou uma levantamento qualitativo e entrevistou executivos nacionais. Ele afirma que, no País, muitos gestores não sabem exatamente o que está acontecendo. "Dizem que o problema é a ‘crise do subprime’. Quando indagados sobre o que isso significa, afirmam que os bancos criaram títulos que não serão pagos pelas pessoas. Quando se pergunta por que não haverá pagamento, percebe-se que eles não entendem as razões profundas do problema", assegura.

 

Para explicar melhor o comportamento das lideranças nacionais, Guimarães compara a crise a um problema de saúde. "O governo, os executivos e os economias estão ignorando pontos importantes da questão. Como não sabem qual é exatamente a doença, aceitam quando o médico diz que é preciso apenas descansar". Para ele, o otimismo verificado é fruto de certa ignorância sobre as causas e os possíveis efeitos da crise. "Eles dizem ‘A crise é séria, veja a General Motors lá fora. Mas a minha empresa não tem esse problema.’ Todos com quem conversei afirmam que, se demitirão, é por exigências da matriz. Eles falam coisas como ‘A crise é séria, mas não é minha’. Há nisso muito de desejo e bastante falta de informação", assegura.

 

Setembro negro

 

Segundo Guimarães, o mercado escolheu setembro de 2008 como a data de uma mudança significativa na economia global, mas a transformação começou antes, com a gradativa passagem de um modelo econômico baseado no valor do capital para outro no qual o que importa é conhecimento. "A grande variável de produção era o valor do dinheiro e do capital. Os bancos faziam alavancagens com base no seu patrimônio. Num determinado momento, todos perceberam que aquilo que era avaliado por 100, na verdade valia 10. Naquele instante, a economia, que era movida pelo consumo baseado no crédito, perdeu velocidade", analisa.

 

Na opinião de Guimarães, a crise é estrutural e emergiu em um momento de fragilidade do modelo econômico vigente, com o estouro da bolha do subprime. Porém, o episódio em si não foi a única causa do impasse financeiro. "Há alguns anos, todo mundo que tinha uma linha de telefone a declarava no Imposto de Renda. Hoje, ela não vale nada. O que está havendo é uma mudança de valorização patrimonial. Essa é a ruptura", assegura. Guimarães ressalta que empresas como o Google se ergueram sob um novo modelo, que não é baseado em um patrimônio físico, mas em conhecimento. Para ele, a economia entrou de vez em um modelo baseado em elementos como marcas e know-how.

 

O otimismo demasiado, segundo ele, pode levar os executivos a evitar medidas desagradáveis. "Se a crise não vai durar mais do que um ano, então não é preciso tomar remédios amargos. Mas isso cria o risco de se adiar decisões importantes enquanto se espera pelas ações do governo." Segundo o estudo da BPI, no mundo cerca de 40% dos executivos acreditam que os seus respectivos governos tomaram medidas eficazes para combater a crise. Entre os brasileiros, esse percentual chega a 56%, perdendo apenas para China, país onde esse índice chega a 70%.

 

Segundo o levantamento da Grupo BPI, 68% dos executivos brasileiros acreditam que vão evoluir na carreira mesmo com a crise. No mesmo clima de otimismo, 82% creem que terão aumento de salário superior ou igual ao de anos anteriores. Esses números divergem do resto do mundo, onde 40% dos entrevistados não acreditam em aumentos e 27% acha que se eles ocorrerem, serão inferior ao de anos anteriores.

 

Disputa por talentos

 

Segundo um estudo realizado pelo Instituto Korn/Ferry em janeiro deste ano, com profissionais de mais de 70 países, para 77% dos executivos a demanda por talentos irá crescer nos próximos cinco anos. Apesar da forte onda de demissões, 52% afirmam que haverá uma recuperação no mercado de trabalho ainda neste ano, embora 35% acreditem que a melhora só chegará no segundo semestre. Outros 39% esperam que os desafios do mercado de trabalho se estenderão até 2010.

 

Segundo o sócio-diretor da Korn/Ferry e responsável pela prática de tecnologia da empresa, Jairo Okret, as empresas têm adotado tanto uma postura estratégica quanto tática na hora de gerir seus talentos nesta época de crise. Segundo ele, a tática diz respeito a um questionamento interno sobre como as companhias podem se preparar para enfrentar a turbulência financeira e quais profissionais são necessários para essa tarefa. O estratégico diz respeito à análise sobre quais os talentos serão necessários após a crise.

 

Okret concorda que os gestores se mostram particularmente confiantes em relação à economia nacional. "Eles afirmam que o Brasil sairá da crise relativamente mais forte do que entrou. Essa é uma percepção tanto de executivos nacionais quanto estrangeiros", diz. Porém, a situação aparentemente favorável do País pode levar a um aumento das cobranças. "Nas empresas globais existe grande pressão por resultados sobre a operação nacional. Isso cria grandes exigências para os executivos que atuam aqui", diz

 

Veículo: Gazeta Mercantil


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