Em farmers market e lojas próprias, agricultores negociam a produção sem intermediários.
Próximo às margens do rio Connecticut, o mais longo do nordeste dos Estados Unidos, pouco mais de 30 hectares de hortaliças, frutas e leguminosas são produzidas na Atlas Farm, em Deerfield – distante 160 quilômetros da capital de Massachusetts, Boston. Com mão de obra predominante de migrantes do México e da Jamaica, a produção orgânica é vendida diretamente ao consumidor, em loja própria e em feiras de agricultores em diferentes cidade do Estado americano.
No período de safra, de maio a novembro, trabalhadores vindos da América Central se revezam na colheita e na triagem da produção agrícola. Nesse período, a presença de latinos para suprir a escassez de mão de obra local faz o espanhol reinar sobre o inglês. Há oito anos, o jamaicano Delroy May passa os meses de primavera e verão trabalhando em propriedades rurais dos Estados Unidos. Além das despesas de viagem e acomodação pagas, o migrante recebe em média US$ 12 (cerca de R$ 45) por hora de trabalho.
– Nem se compara com o que ganhamos lá – disse May, contando que na Jamaica recebe menos de R$ 3 por hora.
A poucos quilômetros de onde os produtos são colhidos, pepinos, tomates, repolhos, alfaces e morangos frescos são comercializados diariamente em uma loja própria da Atlas Farm. No local, em formato de minimercado às margens de uma rodovia, a produção é destacada com uma certificação de orgânicos. A identidade visual da fazenda é vista por toda a loja, desde etiquetas nos produtos até em sacolas ecológicas.
A produção que não vai para a loja é destinada à Copley Square Farmers Market, uma das principais feiras de agricultores familiares em Boston, aberta de maio a novembro quatro dias por semana.
Tradicionais nos EUA, os farmers market (mercados de agricultores, em português) vêm ganhando espaço no varejo americano nas últimas duas décadas. De 2000 a 2015, o número de feiras cresceu quase 200%, conforme informações do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).
Os mercados de produtores, segundo o USDA, estão concentradas em áreas densamente povoadas, como o Nordeste, Centro-Oeste e a Costa Oeste. As vendas diretas, dentro das chamadas cadeias curtas agroalimentares, crescem com a busca dos consumidores por alimentos menos industrializados, explica o pesquisador Marcio Gazolla, professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
– Esses mercados se fortalecem com o apelo cada vez maior por uma alimentação saudável e pela redução da obesidade, com produtos frescos e menos processados – completa Gazolla, acrescentando que o tema tem motivado pesquisas científicas no Brasil, nos EUA, na Europa e no Leste Europeu.
Ao comparar a realidade americana com a brasileira, Gazolla cita duas experiências bem semelhantes de cadeias curtas no Brasil: as feiras de produtores rurais e as agroindústrias familiares, que também vendem suas produções sem intermediário, muitas vezes em comércios próprios.
– A indústria distanciou a produção e o consumo. As cadeias curtas são uma alternativa para fazer essa reconexão.
A maior proximidade com a origem do produto também estabelece uma relação de confiança entre produtor e consumidor, destaca Glauco Schultz, professor dos programas de pós-graduação de Desenvolvimento Rural e de Agronegócio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
– Esses mercados criam uma relação social de confiança, de segurança ao consumir os alimentos – completa o professor, ponderando que a entrega direta requer um esforço maior dos agricultores que, além de produzir, assumem papel de processadores e distribuidores.
Com mais de 7 mil propriedades rurais, das quais 96% de agricultores familiares, o Estado de Massachussets tem hoje cerca de 300 farmers market. Os pontos de venda, com produtos orgânicos e convencionais, reúnem produtores de leite, hortaliças e frutas como maçã, pêssego, uva, pera, acerola e berries (frutas vermelhas, em português).
Na cidade de Amherst, a feira de produtores ocorre todos os sábados pela manhã. O local é frequentado especialmente por idosos, famílias e jovens com bom nível de escolaridade. Nas bancas, circulam atentamente e buscam informações detalhadas sobre a origem e a qualidade dos produtos.
– São consumidores exigentes, que sabem exatamente o que querem – conta Bobbie Kamen, que leva à feira vinhos da marca Mount Warner Vineyards, produzidos com o marido Gary Kamen.
Os agricultores fabricam a bebida, premiada em concursos internacionais, a partir de videiras cultivadas em uma propriedade em Hadley, distante seis quilômetros do local da feira. Todos os produtos vendidos na Amherst Farmers Market trazem o adesivo de uma campanha para incentivar a compra de produtos locais, intitulada Be a local hero (Seja um heroi local), e fortalecer a economia regional.
Veículo: Jornal Zero Hora - RS