Consumidor pode reclamar de ‘defeito’ de frutas e verduras ao produtor

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                         Mais varejistas têm adotado sistema de rastreabilidade de produtos, que informa origem e presença de agrotóxicos.

Uma fruta sem gosto ou com boa aparência por fora, mas estragada por dentro, pode ser reclamada pelo consumidor diretamente com o produtor. Um QR Code ou código de barras colado na caixa ou na própria unidade do fruto permite a rastreabilidade do alimento. O sistema, que possibilita saber a origem, a data do plantio e da colheita e a quantidade de agrotóxicos aos quais o produto na gôndola foi exposto, ainda é incipiente no Brasil. Mas está em crescimento. Este ano, em que é esperado uma retração na economia do país em torno de 3%, empresas do setor de rastreabilidade de produtos estimam alta de 2%.

Mostrar o caminho percorrido pelos alimentos até o supermercado não é obrigatório no país. Apesar disso, três dos cinco maiores grupos supermercadistas, segundo ranking da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) — Companhia Brasileira de Distribuição (Grupo Pão de Açúcar), Carrefour e Walmart — já adotam a rastreabilidade de alimentos, sobretudo os hortifrutigranjeiros. Assim, basta ter um aplicativo de leitura de código de barras ou de QR Code no celular para, em um clique, ter acesso a esse pacote de dados.

A produtora de frutas tropicais Brasnica, por exemplo, remodelou seu modelo de gestão em 2008, quando confrontada por varejistas a mapear toda a produção para fechar novos negócios. Uma decisão acertada na visão de Ivoney Soares Veloso, gerente-geral da filial da Brasnica no Rio:

— A rastreabilidade é útil para o consumidor porque, quando há um problema na qualidade da fruta, normalmente a culpa é do produtor. Através desse processo, o consumidor chega a quem está na outra ponta da relação de consumo, onde o problema está. Basta ligar e relatar o ocorrido informando o código. Com essa numeração, o produtor verifica o que ocorreu e, conforme for, envia um novo produto para o cliente.

Informação ainda insuficiente

O sistema garante a qualidade do que é vendido, aumenta a segurança alimentar por identificar processos que acarretem possíveis danos à saúde e ainda garante a sustentabilidade do negócio.

— Ganham os consumidores, os varejistas, os agricultores e pecuaristas, que chegam a receber aporte para a adequação e, obviamente, têm a venda garantida — explica Paulo Pianez, diretor de Sustentabilidade do Carrefour.

A rede trabalha com o sistema de rastreabilidade desde 1992 no mundo e de 1999, no Brasil. Já são cerca de 200 produtos hortifrutigranjeiros e de açougue com o selo “Garantia de controle”. Isso significa que aquele produto atendeu a cerca de 130 critérios ambientais, sociais e de qualidade impostos pela multinacional, ressalta Pianez:

— Cada vez mais o consumidor tem uma preocupação com a origem do alimento, da roupa. Com a rastreabilidade você garante, por exemplo, que não está consumindo algo oriundo de uma fazenda que promova o trabalho escravo.

A fisioterapeuta Thatiana Campos, de 35 anos, mãe de Helena, de 2 anos, e Laura, de 4 meses, mostrou-se surpresa ao saber que é possível achar em vários mercados Brasil a fora alimentos que podem ser rastreados.

— Comecei a me preocupar com alimentação ao ver os alertas do Instituto Nacional do Câncer (Inca) sobre a relação entre o excesso de agrotóxico e a doença, entre vários estudos que mapeiam como a dieta afeta a saúde. Sou uma cliente exigente, do tipo que mudaria de mercado por saber da disponibilidade desses dados. Hoje, não temos segurança de nada. A rastreabilidade devia ser mais divulgada — avalia Thatiana.

Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), em outubro do ano passado, com seis grandes redes, mostra que o conceito ainda engatinha: quanto menos embalados, mais difícil é ter informações sobre o caminho percorrido pelos alimentos até a gôndola. O levantamento considerou cesta de dez alimentos in natura, entre frutas, verduras, legumes e ovos. Entre os produtos embalados, 42,6% traziam informação sobre sua origem, bem diferente do que foi notado nos itens a granel, onde apenas um produto tinha o código de rastreamento: o que representa 0,06% das amostras colhidas.

A pesquisadora em Consumo Sustentável Renata Amaral, que coordenou o levantamento, chama a atenção de que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevê o direito do cliente à informação.

— Específico sobre a qualidade dos alimentos, existe apenas portaria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária sobre recall de alimentos, que ainda não está em vigor. Para piorar, existe uma não demanda do consumidor, por desconhecer o conceito da rastreabilidade, que faz com que os locais de venda não informem os dados.

Em condições ideais, em que o rastreamento da produção seja a regra e não a exceção, o consumidor poderia saber a quantidade de hormônios que o frango recebeu ou das condições de criação do porco até o abate. Mas como o tema é pouco debatido, tais controles ainda passam despercebidos.

Para o procurador Estevan Gavioli da Silva, do Núcleo do Consumidor, da Procuradoria da República do Rio Grande do Sul, a falta de informação deixa o consumidor em situação de grande desvantagem na hora da compra de alimentos:

— A insuficiência de identificação e informação da origem, seja pela falta de fiscalização ou por omissão da normas locais, acentua a vulnerabilidade do consumidor, já que não pode optar livremente por produtos que entende atenderem às suas necessidades. Ou seja, não pode rechaçar um fornecedor reconhecido por suas más práticas e dar preferência a outro em que confie.

‘NÃO É TECNOLOGIA, É PROCESSO’

Como resultado de colaboração entre a Abras e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a rede varejista tem, desde 2013, o Programa de Rastreamento e Monitoramento de Alimentos (RAMA), criado especialmente para rastrear e monitorar o uso de agrotóxicos nas frutas, verduras e legumes. Esse programa, cuja adesão é voluntária, rastreia, em média, 14 milhões de toneladas por mês. A garantia do processo se dá na visita de veterinários e agrônomos nas fazendas e de testes com amostras colhidas no varejo.

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Que fique claro: rastreabilidade não é ter código. O código é consequência da rastreabilidade, a forma física e visual de disponibilizar a estória do produto. A entidade responsável pelo estabelecimento do padrão no RAMA é a Associação Brasileira de Automação-GS1 Brasil, que explica o processo.

— Trabalhamos com padrões de identificação. É importante também que haja uma grande quebra de paradigma. Rastreabilidade não tem ligação com tecnologia, mas com processo. Tem a ver com toda a eficiência da cadeia, ter um histórico para saber identificar o problema em uma crise — explica Nilson Gasconi, assessor de negócios da GS1, associação multissetorial sem fins lucrativos, sediada em Bruxelas, que implementa e dissemina padrões de identificação de produtos pelo mundo.

 



Veículo: Jornal O Globo


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