Indústria prepara até 12% de repasses, do pão às bebidas

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A tímida trégua do dólar durou pouco. Um dia depois de a moeda norte-americana recuar 1%, chegando a R$ 3,993 na venda, ontem, voltou a subir em 0,7%, recuperando o patamar de R$ 4,021. Com esse valor, 48% superior ao de janeiro de 2015, quando valia R$ 2,70, a moeda norte-americana começa 2016 apertando ainda mais o orçamento dos brasileiros. Empresários do ramo de importação e as indústrias de pães, massas e biscoitos anunciam repasses para o consumidor, como ajuste aos custos mais altos. Além do câmbio, pesa na conta dos fabricantes e do comércio o novo salário mínimo, de R$ 880, mais tributos e energia cara. O pão francês deve encarecer até 11% nos próximos dias e biscoitos, massas, bolos e pães industrializados tendem a ser reajustados em 12%.

A chegada do dólar a R$ 4 pode ser só começo, como prevê o editor da Moneyou e economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira. Segundo ele, a tendência é de que a moeda norte-americana se mantenha nesse patamar, porém, com pico de R$ 4,30 no decorrer do ano. “Fatores como a saída de dinheiro do Brasil, com a falta de confiança no país, são um dos motivos para essa variação. Estamos vivendo um momento de incerteza, o que espanta os investidores e a entrada de dólar”, afirma o especialista, acrescentando que os conflitos no mundo, como a tensão entre o Irã e Arábia Saudita, também influenciam na valorização da moeda.

A preocupação com os rumos da economia chinesa, locomotiva mundial do consumo e, ontem, a declaração da Coreia do Norte de que realizou, com sucesso, seu primeiro teste com bomba de hidrogênio são tensões que levam os mercados a procurarem ativos considerados mais seguros – como o dólar – fazendo a cotação da moeda subir. Por aqui, o impacto é inevitável. Além da alta do câmbio, a crise econômica brasileira tem deixado empresários arredios e com receio sobre como vai ser 2016.

“Esse impacto do dólar é uma injeção na veia. O trigo usado na panificação consumido no Brasil é quase todo importado. Por isso, a desvalorização do real é algo completamente danoso para a indústria”, comenta o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Panificação, José Batista de Oliveira. Segundo ele, o preço do pão está, em média R$ 12 o quilo e a previsão da entidade é de que, com os custos mais altos, as padarias repassem até 11% de aumento aos clientes. Já a Associação Brasileira da Indústria de Massas, Biscoitos, Bolos e Pães Industrializados estima que haja um reajuste de 12% nesses produtos.

O impacto é grande e há outros componentes que pesam no caixa dos empresários, como a energia elétrica, que é um dos maiores custos na panificação. O insumo encareceu 51% em 2015, além do aumento do salário da mão de obra. Diante desse cenário, as empresas alegam que o reajuste é inevitável. “Matéria prima, energia elétrica e mão de obra são os maiores custos para o setor”, justifica.

Irani Magalhães, dono da padaria Pedro Padeiro, no Bairro Santa Tereza, sabe bem o que isso significa. Ele conta que o preço da farinha de trigo subiu sistematicamente no último ano e, com a variação cambial, praticamente toda semana ele paga um valor novo pelo insumo. “Para se ter uma ideia, de julho até dezembro, houve aumento de 20% no preço do trigo. Há um ano, estamos segurando o preço do quilo do pão em R$ 13, 67. Mas, a nossa conta de energia passou de R$ 4 mil para R$ 10 mil, e este mês, temos o dissídio coletivo dos trabalhadores”, comenta Magalhães. Ele diz que em 22 anos no ramo, nunca atravessou fase tão tenebrosa.

O câmbio a R$ 4 também não é o único vilão para empresários de outros setores. Além da alta da moeda, tributos também aumentaram nos últimos meses, lembra André Martini, um dos sócios da Casa do Vinho. Ele diz que, com o dólar variando desde o ano passado, conseguiu manter estoque de bebidas, o que ajuda a enfrentar as possíveis novas altas da moeda em 2016. No entanto, o maior impacto é o novo modelo de tributação para vinhos, espumantes, uísques, vodcas, entre outras.

“Desde 1º de dezembro, passaram a valer as novas alíquotas do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI), que variam de 10% a 30% sobre o preço da garrafa na indústria ou importador”, destaca Martini. Além disso, pesa a alíquota do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre bebidas (exceto cachaça), de 27%. “É impressionante o volume de tributos que os governantes estão impondo ao comércio e tudo isso vai impactar no valor final dos produtos. O impacto do IPI é maior que o câmbio e não vemos nenhum incentivo governamental para tentar alavancar os negócios”, critica.

O chefe do Departamento de Economia da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), Guilherme Leão, explica que a desvalorização do real tem efeitos diferentes na indústria e depende das estratégias de cada empresa. “Uma desvalorização forte como essa é mais prejudicial para a economia como um todo do que para um setor específico. Para a economia há um agravante de pressionar a inflação, as empresas, principalmente aquelas com dívidas em dólar, sofrem mais”, avisa.

Leão aponta que empresas que exportam produtos se beneficiam neste momento, como o segmento de celulose. “Já uma companhia aérea que tem toda a estrutura e investimento em dólar, com despesas como combustível e manutenção das aeronaves tem as receitas prejudicadas”, diz, apontando que os setores que tendem a sofrer mais agora são a de eletroeletrônicos, tecnologia da informação e veículos automotores, que são áreas extremamente dependentes do câmbio. “As indústrias que podem se beneficiar são a de extrativismo mineral, o segmento de alimentos que tem uma parcela voltada para a exportação, além da metalurgia. Para esses não é só pela exportação, com a desvalorização do real, esses setores ganham parte do mercado”, diz.

Mesmo em um ano de desconfiança política e de indicadores ruins da economia, que levaram o Brasil a perder o selo de bom pagador por duas agências de classificação de risco, o fluxo cambial total de 2015 ficou positivo em US$ 9,414 bilhões. O resultado é o melhor para o país desde 2012, quando o volume de entradas de dólares superou o de saídas em US$ 16,753 bilhões. Nos dois últimos anos, o envio de recursos foi maior do que os ingressos. Em 2014, o resultado ficou negativo em US$ 9,287 bilhões e, em 2013, em US$ 12,261 bilhões. De acordo com dados divulgados ontem pelo Banco Central, a área financeira pode ser avaliada como o lado ruim dessa conta, assim como já havia ocorrido em 2014.

 



Veículo: Jornal Estado de Minas - MG


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