Brasileiro desconhece o próprio orçamento, mas já é possível encontrar ajuda psicológica e serviços que renegociam ou refinanciam as dívidas.
O brasileiro endividado cortou gastos com lazer, roupas e restaurantes para quitar os débitos, mas, ainda assim, um terço da população que renegociou o pagamento não está conseguindo honrá-lo e voltou à condição de inadimplente. Para quem está nesta condição, é possível encontrar serviços especializados na renegociação ou refinanciamento das dívidas e até auxílio na parte psicológica.
“Falar de finanças é um tabu, ainda mais se for sobre dívida. As pessoas não sentam para olhar o quanto ganham e gastam”, diz a economista-chefe do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), Marcela Kawauti. Pesquisa da empresa junto com a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) apontou que seis em cada dez brasileiros não sabem quanto devem.
O inadimplente precisa começar pondo no papel todas as dívidas, verificando as mais caras (com maior juro) e checando o salário líquido (após todos os descontos). Desde 2012, a Fundação Procon-SP oferece ajuda profissional a superendividados, aqueles cuja dívida ultrapassa 50% dos ganhos, por exemplo. Após preencher uma planilha financeira e passar por uma triagem, que seleciona os casos mais graves, o devedor recebe orientações. Em audiências, especialistas fazem a intermediação na renegociação da dívida com bancos e outras empresas.
Uma opção é trocar dívidas caras, como a do cartão de crédito, cujo juro foi de447,5% ao ano em fevereiro, por mais baratas. Há empresas que empacotam todas as dívidas e as refinanciam, como a Novi, onde é possível tomar um empréstimo com garantia imobiliária ou de automóveis. No caso em que o imóvel é a garantia, a taxa de juros atual é de 18,86% ao ano e o empréstimo soma até 50% do valor do bem. As parcelas são de, no máximo, 30% da renda do cliente e o prazo é de até 15 anos.
“O cliente pode tomar nosso empréstimo para vários fins, mas cerca de 60% usam o serviço para consolidar dívidas”, afirma o presidente da Novi, Luiz Pedro Albornoz. A vantagem seria o alongamento da dívida, por um juro menor.
Uma das maneiras de trabalhar o problema da dívida crônica e compulsiva é buscar apoio nos Devedores Anônimos. “Eu queria ter o dinheiro, não olhava juro nem quanto devia. Conforme o problema aumentou, acabei recorrendo ao álcool”, relata um membro do grupo, que preferiu não se identificar. Em encontros semanais, os participantes recebem o auxílio para falar do problema e aprender a lidar com o que o grupo considera uma doença que não pode ser curada, mas detida. Dividir e ouvir a experiência de outras pessoas faz com que o endividado se identifique e passe a buscar soluções, segundo o membro. Para participar, não é preciso se identificar e as reuniões não são pagas.
Desinformação. Desemprego e descontrole financeiro aparecem como os principais motivos para o nome sujo na praça. Na pesquisa, a perda do emprego foi citada por 29,2%. “Não deixa de ser um descontrole, pois indica que, quando estava empregada, a pessoa não fez nenhuma reserva”, diz Marcela, do SPC Brasil.
O problema começa nas disciplinas ensinadas nas esolas. O tema finanças geralmente fica de fora das grades. "A falta de conhecimento, porém, não é exclusividade da baixa renda. Há clientes que chegam com grandes dívidas, mesmo tendo renda mensal de R$ 50 mil ou mais", diz Luiz, da Novi. Além da falta de educação financeira nas escolas e de conversa em casa, a desinformação é motivada pelo fato de o amplo acesso ao crédito ser um fenômeno recente, lembra Thiago Alvarez, sócio do aplicativo GuiaBolso, que ajuda os usuários a controlar a movimentação das contas e cartões. “O boom do crédito é recente, depois dos anos 2000. Trata-se de uma primeira geração que está tendo acesso ao crédito e aprendendo a usá-lo”, avalia.
Confusões na hora de utilizar o crédito também contribuem para o endividamento. Há quem confunda o pagamento do mínimo do cartão de crédito, por exemplo, com um parcelamento da dívida, sem juros. Outros acham que o cheque especial é uma extensão do salário. "É muito conveniente facilitar o acesso às duas linhas de crédito mais caras. O cliente as usa sem saber que está se endividando", afirma Alvarez.
Para o educador financeiro da Novi, Vinicius Azambuja, é preciso entender que o cartão de crédito não é um dinheiro extra, mas um meio de pagamento. "A questão psicológica também piora a situação. O crédito é pré-aprovado. O endividado não precisa falar com ninguém, não expõe que são devedoras", diz.
Se a dívida ficou mais cara por conta da alta do juro, o lado bom é que os bancos estão mais dispostos a negociar, segundo Alvarez. "Estão mais abertos a quem já está inadimplente. Os bancos estão vendo que é melhor ganhar um pouco do que não ganhar nada", avalia.
Veículo: Jornal O Estado de S. Paulo