Entender melhor os desejos e o comportamento de compra dos consumidores por meio de um uso mais inteligente das informações disponíveis nos mais diferentes canais deve estar no centro das estratégias dos varejistas brasileiros. O alerta é de Rodrigo Lacerda, novo membro do Conselho da Seed Digital, fundada em 2014 e uma das líderes em soluções de analytics para o varejo. A empresa tem no seu portfólio clientes como Coca-Cola, Starbucks e Centauro, e trabalha com tecnologia própria para fornecer dados precisos de hábitos de consumo, que possibilitam o cruzamento de informações para a tomada de decisões estratégicas e mensuração da eficiência do investimento em comunicação. O executivo, que já foi vice-presidente de marketing e novos negócios do Carrefour e passou por outras companhias, como Danone e Nestlé, diz que o varejo tradicional tem muito a aprender com o universo on-line. "A tecnologia será cada vez mais fundamental para ajudar o varejo a entender os seus clientes e conseguir tomar decisões mais assertivas para o futuro dos negócios", observa.
Jornal do Comércio - Qual é o maior gargalo para que o varejo tradicional consiga tomar decisões mais inteligentes no dia a dia da operação?
Rodrigo Lacerda - Durante muitos anos, estive no dia a dia das operações de um dos principais varejistas do Brasil, que é o Carrefour, e pude perceber que um dos grandes gargalos desse setor é a qualidade das informações disponíveis para a tomada de decisão. Temos muitos dados, mas que geralmente estão concentrados no pós-venda, e não antes ou durante o processo de compra, o que dificulta a análise dos gestores para conseguirem identificar cenários, ajustar rumos e redefinir investimentos. Os varejistas precisam levantar dados, transformar isso em conhecimento e, depois, em ferramentas para a tomada de decisão. Um dos pontos em que o e-commerce leva vantagem, sob a ótica da gestão, é justamente pelo fato de ter muita informação e estar conseguindo se utilizar de métricas para identificar o comportamento de compra dos seus consumidores.
JC - Qual o caminho para identificar as demandas dos consumidores diante de tantas ofertas que eles recebem hoje em dia?
Lacerda - O varejo tradicional precisa absorver as ferramentas inteligentes que estão disponíveis. No fundo, o que todo mundo quer é entender melhor o comportamento do consumidor - e como ele age e reage aos diferentes impulsos que está recebendo - para vender mais. Esse é um processo vivo, pois, quando a gente acha que conhece os clientes, chegam novas ofertas, necessidades e tendências. O consumidor está em constante mudança, e precisamos da tecnologia para conseguir acompanhá-lo. É fundamental qualificar a informação, saber quantos e quem são os clientes que entram e saem das lojas e identificar, por exemplo, por que não estão comprando.
JC - Que lições o Brasil precisa aprender com os Estados Unidos e a Europa em termos de aplicação do uso da tecnologia no varejo?
Lacerda - Temos muito a evoluir. O mercado brasileiro do varejo ainda está em um estágio inicial em termos de comunicação e de adoção de tecnologia de ponta em loja. Em alguns países, por exemplo, toda precificação é feita digitalmente - e aqui é em papel. Isso gera uma quantidade enorme de dados, maiores custos e lentidão em qualquer mudança de estratégia de preço. Além disso, a quantidade de etapas pelas quais o consumidor brasileiro precisa passar para comprar algo na loja física é enorme. Ele sai de casa, estaciona o carro, entra no supermercado, coloca os produtos no carrinho, depois tira para passar no caixa, coloca de novo para levar até o carro e tira para guardar. Estudos globais mostram que a tendência é reduzir ao máximo o número de etapas, o que vai resultar em mais eficiência e menor tempo e custos envolvidos. Basta olharmos a nossa realidade para vermos que ainda temos um bom chão a percorrer.
JC - Como a tecnologia pode auxiliar para tornar o processo de compra mais ágil?
Lacerda - Muitos varejistas europeus e americanos já começam a usar sistemas como o de self check-out, no qual o consumidor vai passando pelas gôndolas, escaneando os produtos que deseja e, ao final, apenas retira as suas compras. Outra estratégia é a de unir o mundo on-line ao off-line, permitindo que as pessoas façam as suas compras pela web e retirem na loja física.
JC - Além da questão tecnológica, quais são os outros desafios a serem vencidos para essa evolução se tornar uma realidade no varejo brasileiro?
Lacerda - Existe o fator de custo, pois, na medida em que a escala ainda é pequena, se torna muito caro adotar essas novas tecnologias. Os processos mais tecnológicos também exigem sistemas de autochecagem modernos, que garantam que o produto que está sendo passado é o mesmo pelo qual a pessoa vai pagar lá no final do processo. E sem falar na questão cultural. O nosso consumidor está muito habituado ao varejo básico. Ele vai até a loja e, na maioria dos casos, parece não se importar de ficar em uma fila. Como o Brasil tem uma política de custos muito atrelada a promoções, as pessoas gostam de estar in loco no momento da compra para sentirem que fizeram a melhor escolha. Tudo isso ainda deixa o País em uma posição de atraso na adoção das ferramentas disponíveis do varejo.
Veículo: Jornal do Comércio - RS