Com incentivo do governo peruano, empresas brasileiras de pequeno e médio porte buscam diversificar a produção, ampliar as vendas dentro e fora do Brasil e fazer parcerias na cadeia têxtil com fabricantes latinos para incrementar os negócios e a qualidade de seus produtos.
O Brasil está na mira da indústria têxtil peruana por ser o segundo maior mercado de exportação de roupas de algodão, com 8% de participação. Os EUA ficam em primeiro, com 64%, segundo dados do Mincetur (Ministério de Comércio Exterior e Turismo) do Peru.
As exportações ao Brasil somaram US$ 61 milhões no ano passado, com a venda principalmente de camisetas, camisas polo e peças de malha. Mas a participação do Peru no total de roupas que o Brasil traz de fora ainda é pequena -corresponde a 1,21% das 130 toneladas importadas no ano passado, segundo dados compilados pela Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil).
Do lado peruano, interessa fornecer aos empreendedores daqui o algodão pima, uma fibra mais longa e de alta qualidade, que só perde para o algodão egípcio, além da fibra de alpaca (lã natural que pode ser mais fina ou mais pesada e é coletada das alpacas que vivem no Peru).
As peças são fabricadas lá com a produção monitorada pelas grifes brasileiras. Grandes magazines e marcas daqui já usam o pima em suas roupas, mas o Peru quer incrementar as parcerias com pequenas e médias do setor têxtil.
Duas das regiões que estão na mira dos peruanos são Blumenau (SC) e Caruaru (PE), tradicionais polos de confecções. O que se discute com os empreendedores é estimular as exportações pelo porto de Itajaí (SC), que concede incentivos fiscais às empresas brasileiras.
A mão de obra qualificada (e mais barata), o maquinário de última geração, além de carga tributária e juros menores, também já fizeram com que algumas empresas levassem parte da produção daqui para o Peru.
Do lado brasileiro, o país vizinho é visto como uma porta de entrada para exportar suas mercadorias para a América Latina.
Caso da Cavalera, que negocia com a peruana Algotex, fornecedor da grife há sete anos e de marcas como Luigi Bertoli, Brooksfield e Noir (Restoque), a venda de seus produtos em lojas conceito (flagships) e em lojas de departamento (magazines) no Peru, no Chile e México.
A Cavalera começou pequena e chegou ao médio porte, com 350 funcionários. A empresa não revela o faturamento, mas atua hoje, em 12 Estados, com 26 lojas próprias e 12 franquias.
"O primeiro passo das marcas é ir para os EUA e a Europa. Mas isso acaba sendo um movimento mais de marketing, para dizer que vende lá, do que negócios. Queremos uma expansão mais sólida e, por isso, é muito mais fácil começar pela América Latina. Há vários países em crescimento com potencial de expansão do consumo, como Peru, Chile, Colômbia, México", diz Hannah Hiar, diretor-geral da Cavalera e filho de Alberto Hiar, o "Turco Loco", fundador da empresa.
Alfonso Tocon W., gerente-geral da Algotex e presidente da recém-criada Acopebras (Associação Comercial Peru-Brasil), além da parceria com a Cavalera, negocia uma galeria no Brás (SP) com pequenos fornecedores peruanos e outra em Lima, com brasileiros. "No Brasil há espaço para tecidos e roupas feitas com o algodão pima. No Peru, há um mercado enorme para calçadistas, por exemplo", diz o executivo. A associação deve atuar com capacitando as empresas e até auxiliando a conseguir documentos necessários para fazer comércio exterior.
Para incrementar os negócios na rota Brasil-Peru, um grupo de 81 empresas brasileiras - parte patrocinado pelo governo peruano - participou neste ano da feira Peru Modas, no final de abril, quando US$ 80 milhões foram negociados por 1.500 compradores de 44 países. Quase um quarto desse valor corresponde a negócios feitos com empreendedores brasileiros.
"São principalmente empresas que apostam em nichos para se diferenciar e buscam o algodão pima e na fibra de alpaca mais fina, insumos que agregam valor às peças confeccionadas", diz Antonio Castillo, diretor do Mincetur (Ministério do Comércio Exterior e Turismo) em São Paulo.
Para a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão, o Peru não concorre com o mercado brasileiro porque atua com um produto específico usado por nichos. Segundo Arlindo de Azevedo Moura, vice-presidente da associação, a produção brasileira gira em torno de 1,5 milhão de toneladas por ano e o tipo de algodão feito aqui enfrenta concorrência dos EUA e da Austrália.
"O Brasil está entre os cinco maiores produtores mundiais. É o terceiro país exportador e o quinto maior consumidor, com quase 1 milhão de toneladas por ano."
DE OLHO NA QUALIDADE
No mercado de trajes sob encomenda, Mauricio Placeres, sócio da microempresa de mesmo nome no sul do país, buscou no país vizinho camisas de algodão pima e fibra de alpaca para alfaiataria. "A chamada lã fria, alpaca mais fina, tem qualidade e preço mais interessante", diz o empresário, que começou a vender peças pela internet e agora tem loja em Porto Alegre. A produção das peças é feita em uma empresa no Paraná.
"Os preços melhoraram um pouco e as quantidades mínimas exigidas estão mais flexíveis. No Brasil não temos tecido com essa qualidade", diz o empresário, que deve importar peças prontas do Peru e manter a produção sob medida no Brasil. "Com o certificado de origem peruana, há isenção de imposto de importação. É mais vantajoso do que comprar da Europa, com quem não temos acordo de livre comércio."
A compra de fornecedores peruanos é favorecida pela redução dos preços por causa da queda na demanda em toda a América Latina, o que incentiva os negócios com empresas de menor porte, segundo os fabricantes.
Creditex, Texmax, Nomotex, Camones e Ariana Sac - fornecedores que já trabalharam ou ainda têm contrato com Aramis, Riachuelo, Renner, Brooksfiled, Dudalina, Track&Field e Reserva - são alguns dos fabricantes peruanos que informaram ter reduzido entre 5% e 30% seus preços para conseguir fechar contratos com empresas brasileiras neste ano.
Pela primeira vez na feira, um grupo de empreendedores de Porto Alegre (RS), ligados ao Sindilojas (reúne 3.000 associados com 18 mil lojas), também estuda fazer negócios com o país andino.
"É preciso avaliar o ponto de equilíbrio entre fornecedor e lojista. Porque o fabricante quer vender, no mínimo, 500 peças por cor de peça. E para quem vende o interessante é ter variedade na prateleira da loja", diz Claus Hubert Lagemann, diretor do sindicato e sócio da Mundo Marinho. A confecção tem seis lojas próprias no Rio Grande do Sul e vende moda "navy".
Uma das ações estudadas pelos pequenos é fazer compras coletivas para baratear custos de frete, de importação e conseguir negociar preços melhores.
Fornecedora de acessórios de plástico para camisas (como tiras para colarinhos, barbatanas, clips etc), a Radach, de São Roque (SP), foi ao Peru para expandir os negócios na América Latina.
"Com a alta do dólar e vendas menores no mercado interno, decidimos partir para novos mercados. Já fizemos nossa primeira venda para o Equador e agora estamos em contato com fabricantes peruanos de camisa", diz Daniel Santos, diretor comercial e sócio da Radach. Com 18 funcionários diretos e 15 indiretos, a Radach fornece para 200 empresas do setor têxtil, entre elas, Dudalina, Hering e Riachuelo.
Uma das orientações do empresário é não se acomodar, quando as vendas internas vão bem. "É preciso sempre se mexer, mas é melhor fazer isso quando o faturamento não está em queda. Viajo o Brasil todo, além de buscar negócios com os países vizinhos. Existe mercado dentro e fora para os pequenos. Mesmo com custos de logística, que ainda pesam nos negócios, agora é hora para exportar."
INCENTIVOS NA ROTA BRASIL-PERU
Para estimular compradores brasileiros e incrementar a parceria entre Brasil e Peru, o governo do país vizinho discute o uso de rotas alternativas para chegar ao mercado brasileiro.
Além do acordo de ampliação comercial fechado no final de abril com o Brasil, o Peru quer incentivar a rota terrestre pela Estrada do Pacífico, como é chamada a rodovia interoceânica, que liga o país ao Brasil (no Acre), segundo disse à Folha a ministra Magali Silva Velarde-Álvarez, do Mincetur (Ministério do Comércio Exterior e Turismo). Um dos pontos do acordo é permitir, pela primeira vez, a participação de estrangeiros nas compras públicas - estavam impedidos de disputar licitações.
"Essa via é mais rápida, mais barata do que dar toda a volta pelo Pacífico e depois Atlântico. Podemos usá-la melhor e não tem sido aproveitada", disse a ministra.
Os produtos peruanos levam, em média, de 22 a 25 dias para chegar por via marítima à cidade de Santos (SP). Até o porto de Itajaí (SC), são 12 a 15 dias.
Se usada a via terrestre, o tempo de distribuição dos produtos até a região Sudeste cai para 11 dias. A estrada é usada hoje por frotas de caminhões de empresas de alimentos para levar uvas, salmão e aspargos para o Brasil e autopeças ao Peru.
Produzir em pequenas quantidades e em menor tempo são exigências feitas pelas empresas brasileiras que os peruanos dizem estar prontos para atender.
"Enquanto a China leva cerca de três meses para trazer as peças têxteis ao mercado brasileiro, podemos atender em 30 a 45 dias. Além de o acordo comercial com o Brasil permitir tarifa zero na importação, enquanto o imposto de importação para os chineses é de 35%, sem incluir o efeito cascata dos outros tributos", diz Antonio Castillo, diretor do Mincetur em São Paulo.
Também destaca que a produção peruana é feita "sob medida", com cerca de 10 mil a 20 mil peças. "Qualidade, rapidez de reposição e produções menores são os atrativos para atender nichos e pequenas empresas que demandam preço menor", diz Castillo.
Além de patrocinar a participação de empresas brasileiras em feiras como Peru Modas, ações de marketing em parceria com grifes brasileiras também estreitam as relações comerciais dos dois países.
No final do ano passado, a Riachuelo fez o catálogo de sua coleção inspirada em temas andinos, usando como locação a cidade peruana de Cusco. No site da rede, foram colocadas informações turísticas, com dicas para os compradores e futuros viajantes.
"Foi uma oportunidade interessante para promover o turismo e os produtos com potencial de exportação, com uma grande marca brasileira", disse a ministra.
Veículo: Folha de São Paulo