Muitas vezes esses produtos só têm essa classificação no nome, mas contam com ingredientes industrializados
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai passar a regular um mercado considerado promissor pela indústria alimentícia: o de produtos integrais. Embora recomendados por médicos e nutricionistas, alimentos vendidos no Brasil com essa classificação muitas vezes apresentam em sua composição predominantemente ingredientes processados. São integrais apenas no nome.
A decisão de regular o tema foi aprovada na última reunião da diretoria da agência. “O consumidor tem de ter o máximo de informação para poder diferenciar alimentos e não ser enganado”, afirmou o presidente da Anvisa, Jarbas Barbosa. A proposta, explicou, é trazer critérios mínimos para que produtos possam se declarar como integrais. A expectativa é de que o texto proposto traga também regras específicas para acertar as embalagens.
A partir de agora, técnicos vão preparar um texto de resolução, que em uma outra etapa deverá ser colocado em consulta pública. “Produtos integrais geralmente são mais caros. Não podemos permitir que o consumidor seja induzido ao erro, gaste mais para comprar um alimento com qualidade nutricional diferente do que ele imaginava”, avaliou Barbosa.
A movimentação da Anvisa não é sem motivo. Uma pesquisa feita neste ano pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) com 14 biscoitos vendidos no Brasil como integrais demonstrou que apenas três continham de fato farinha de trigo ou cereal integral como principal ingrediente.
O levantamento, feito com base na análise das tabelas nutricionais estampadas nas embalagens dos alimentos, mostrou que outros seis produtos apresentavam farinha integral, mas em uma quantidade menor do que outros ingredientes. A análise mostrou ainda que cinco das marcas de biscoitos não apresentavam nenhum cereal integral na formulação, embora fossem vendidas como tal. Em vez disso, traziam farelo ou fibra de cereal - uma tática que não garante as mesmas qualidades que as proporções originais.
“Como não há uma regulação específica, o fabricante dá o nome para o produto que quiser. Eles não cometem nenhum tipo de infração”, afirmou a pesquisadora do instituto, a nutricionista Ana Paula Bortoletto.
O Estado procurou a Associação Brasileira de Indústria Alimentícia (Abia) para comentar a iniciativa da Anvisa, mas sem sucesso. Enquanto uma regulação sobre o tema não é feita no Brasil, Ana Paula recomenda que pessoas analisem as tabelas nutricionais antes de comprar produtos. “No caso de biscoitos e pães, por exemplo, o ideal é que farinha integral seja o primeiro item da lista”, disse Ana Paula. Isso porque a tabela é feita de forma a destacar os produtos em ordem de proporção. O primeiro da lista é o que apresenta maior quantidade.
Enganação. Foi depois de começar uma reeducação alimentar que a fez perder 30 quilos que a assessora de marketing Ana Cláudia Gonçalves dos Santos Barbosa, de 40 anos, descobriu que nem sempre um produto vendido como integral tinha os ingredientes em proporção correta. “Cansei de comprar pão integral, pão com grãos ou produtos sem glúten para depois descobrir que eles tinham mais farinha branca ou, então, que eram cheios de gordura hidrogenada”, conta.
Quando iniciou a dieta, em dezembro do ano passado, Ana Cláudia passou a pesquisar na internet a composição adequada de cada tipo de alimento. “Se o produto se diz integral, o primeiro ingrediente tem de ser a farinha integral. Só que comecei a reparar que, na verdade, o primeiro ingrediente que aparecia era farinha de trigo comum enriquecida com algum componente, ou seja, uma enganação”, diz ela.
Com a ajuda profissional de um médico e de uma nutricionista, ela passou a buscar produtos que realmente continham em sua composição ingredientes mais saudáveis. “Virei a ‘louca do rótulo’. Eu leio todos e até diminuí o número de produtos industrializados que compro. Aprendi a fazer meu próprio pão em casa, por exemplo”, conta a assessora de Marketing.
Para a empresária Stela Megna, de 32 anos, que começou a consumir mais alimentos integrais após problemas no sistema digestivo, há três meses, é importante que a Anvisa fiscalize o setor. “Comecei a mudar minha alimentação, mas vi que a maioria dos produtos que se dizem integrais não tem uma composição tão saudável assim”, diz. “Se a gente não prestar atenção nas letras pequenas do rótulo, acaba enganada mesmo”, completa.
Rótulo deve ser mais claro, diz nutricionista
A nutricionista do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Ana Paula Bortoletto afirma ser essencial a adoção de critérios para que alimentos possam ser considerados como integrais. O nutricionista Cleyton Camargos concorda. Para ele, as embalagens devem estampar de forma clara a composição do produto para evitar que pessoas comprem alimentos processados, acreditando ser integrais.
Essa confusão faz mal não apenas para o bolso, avalia ele, mas para a saúde do consumidor. “Geralmente, o consumo moderado de produtos integrais é permitido na dieta de pessoas com diabete”, conta Camargos.
Por serem mais ricos em fibras, alimentos com essas características induzem a uma produção de insulina menor do que alimentos processados. “O consumo de produto classificado de forma incorreta pode levar a uma produção maior de insulina, tornando mais difícil o equilíbrio no organismo”, disse.
Cautela. Camargos observou que, embora de forma geral produtos integrais sejam considerados mais nutritivos, o consumo deve ser feito de forma comedida e observando as características de cada pessoa. “Produto integral tem mais açúcar, mais gordura. Isso tem de ser levado em conta.”
Veículo: Jornal O Estado de São Paulo