Tempo de procura por trabalho chega a 9 meses, quase o dobro do registrado em 2010
“O mercado de trabalho organiza uma fila, que vai andando mais rápido para os que têm maior qualificação” Wilson Amorim Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP
Os efeitos da recessão sobre o mercado de trabalho são tão profundos que praticamente dobrou o tempo de procura por emprego em cinco grandes regiões metropolitanas do país, segundo levantamento do Dieese concedido com exclusividade ao GLOBO. Segundo especialistas, a lógica é simples: com mais gente procurando vaga em um mercado de raras oportunidades, demora-se mais para conseguir emprego. O estudo mostra que o tempo médio de procura no primeiro semestre deste ano ficou em 36 semanas, ou 9 meses, entre os 3.025 milhões de desempregados das regiões metropolitanas de São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Fortaleza e Brasília, que são as áreas nas quais o Dieese faz sua pesquisa de emprego. Há seis anos, quando o Brasil vivia o pleno emprego, a busca durava, em média, apenas 20 semanas, ou cinco meses, tempo coberto pelo seguro-desemprego. Em todas as regiões, o grupo dos sem trabalho que consegue se recolocar enquanto ainda recebe o benefício caiu nos últimos três anos, enquanto o dos que levam pelo menos seis meses para se empregar cresceu. Em junho, em todo o Brasil, de acordo com o IBGE, havia 11,6 milhões na fila do desemprego.
O mercado de trabalho está cada vez mais degradado, não só pelo crescimento no número de desempregados, mas pela maior permanência deles nessa condição, sem seguro-desemprego — avalia Lúcia Garcia, coordenadora do Sistema de Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) do Dieese. — Se a pessoa não tem renda, ela não compra, não faz a economia girar.
INFORMALIDADE AGRAVA CENÁRIO Não é a toa que a massa de rendimento média real, que é o total pago à população ocupada, medido pelo IBGE, vem caindo. No segundo trimestre, a queda em relação ao mesmo período de 2015 foi de 4,9%. O professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP Wilson Amorim defende uma flexibilização do seguro-desemprego. Em épocas de crise, o benefício seria estendido além dos atuais cinco meses, já em momentos de crescimento econômico, poderia cair para dois meses.
— Quando nossa economia crescia, muitos se queixavam de que os trabalhadores pulavam de emprego em emprego para viver do benefício. Hoje, a realidade mudou. É um volume de recursos que poderia dar sustento não só às famílias, mas à economia. Existe um fundo para isso — pondera Amorim, em referência ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Em 24 anos de trabalho no setor metalúrgico, Nelson Moreira da Silva, de 51 anos, nunca passou tanto tempo desempregado. Desde que foi dispensado, há um ano e cinco meses, não consegue uma vaga. nunca mais conseguiu se recolocar. O seguro-desemprego acabou há muito, e ele teve de recorrer à Justiça para receber a rescisão e cobrar o FGTS, que a a empresa não recolheu. A fim de continuar ajudando a manter a casa que divide com a mãe e mais dois irmãos na Vila Industrial, bairro na divisa entre a capital paulista e Santo André, Silva faz bicos como eletricista:
— Onde moro, há muitos outros metalúrgicos que nunca tinham ficado desempregados. Está muito ruim para quem vive da indústria. Meu irmão, que trabalha no setor químico, também perdeu o emprego, há dois meses. Comecei a tentar vaga no comércio, em supermercados. Não dá para ficar em casa olhando para a parede. Mas as vagas quase não aparecem e, quando consigo algo, é muito longe da minha casa e o patrão desiste de me contratar.
A procura mais longa por um novo emprego compromete investimentos pessoais em educação e a própria carreira, além de afetar a autoestima, diz André Portela, professor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas de São Paulo:
— Quando a pessoa volta ao trabalho, ela perdeu o que chamamos de estoque de capital humano, está fora de ritmo, com produtividade menor, pode ter perda de habilidades e precisa ser treinada novamente.
Ana Paula de Morais, de 34 anos, depois de trabalhar 11 anos em uma loja de departamentos na capital paulista, resolveu, no início do ano, buscar uma vaga na área de Recursos Humanos, cuja faculdade está prestes a concluir. Sua procura já dura sete meses.
— Estou tentando até estágio, mas querem experiência, e pega um pouco a questão da idade. Resolvi voltar a procurar na minha antiga área — conta Ana Paula, logo após participar de uma seleção para uma vaga em um hipermercado.
Na Região Metropolitana de São Paulo, que tem a maior concentração de força de trabalho do país, essa procura mais longa é ainda mais evidente. O estudo mostra que, no primeiro semestre de 2013, praticamente um quarto dos desempregados na região conseguia outra vaga em um mês. Três anos depois, pouco mais de um quinto desse grupo leva entre 6 e 12 meses para obter outro emprego, e apenas 1/7 consegue vaga em até 30 dias.
Em Salvador, onde a informalidade é alta e o desemprego já supera 20%, a realidade é mais cruel. Além de a proporção de quem procura emprego por ao menos seis meses ter passado de 44,1% para 55,8%, o subemprego aparece com força.
— São pessoas que às vezes trabalham numa semana, mas, se a gente questiona sobre a semana seguinte, ela não sabe se terá trabalho — explica Lúcia, do Dieese.
Especialistas ressaltam ainda que, em uma recessão, os jovens, as mulheres, os negros e os profissionais menos qualificados são os que mais têm dificuldade para se recolocar.
— O mercado de trabalho organiza uma fila, que vai andando mais rápido para os que têm maior qualificação e ocupam posições mais estratégicas numa empresa — diz Amorim.
Fonte: Jornal O Globo