Dólar, que já caiu 20% frente ao real neste ano, pode continuar a ceder nos próximos meses, acendendo o alerta entre os exportadores
O movimento de desvalorização do dólar frente ao real, que no ano acumula 20,6% no mercado à vista, coloca em alerta as empresas exportadoras de manufaturados. O setor via nas vendas externas um alento à drástica queda de vendas no mercado interno.
Em apenas dois dias, na segunda e na terça-feira, a moeda americana registrou queda de 1,6% e fechou em R$ 3,10, a menor cotação desde julho de 2015. Nesta quarta-feira, 26, conseguiu uma recuperação de 1,12% e foi a R$ 3,14, mas o cenário segue preocupante para a indústria.
Embora a valorização do real neste momento esteja associada à corrida gerada pelo fim do prazo para a legalização de recursos mantidos no exterior (Lei de Repatriação), alguns analistas ouvidos pelo Estado projetam o dólar fechando o ano próximo da marca psicológica de R$ 3,00, valor que pode se manter em 2017.
“Com a desvalorização do real ocorrida nos últimos dois anos houve uma certa recomposição do poder de competição do produto brasileiro, mas a preocupação é que isso acabe”, diz o gerente executivo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco.
A mudança, ressalta ele, ocorre sem que tenham sido adotadas medidas que assegurariam melhor competitividade, como reformas tributária, trabalhista e melhoras na infraestrutura.
O cenário mais difícil para o comércio exterior começa a ficar visível na indústria de manufaturados. Em setembro, a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) verificou que apenas 21 empresas importadoras deixaram de trazer produtos de fora, ante uma média mensal de 350 empresas ao longo do ano.
“Significa que está mais interessante importar do que produzir aqui”, afirma José Augusto de Castro, presidente da AEB. Do lado inverso, nove empresas deixaram a lista de exportadoras, revertendo pela primeira vez no ano um crescimento que acumulava 2.078 indústrias desde janeiro.
Castro acredita que o superávit comercial de US$ 50 bilhões esperado pelo governo pode não chegar a US$ 45 bilhões.
Para José Ricardo Roriz Coelho, diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), um câmbio em R$ 3,50 seria mais equilibrado do que próximo a R$ 3,00.
Reformas. O economista da GO Associados, Luiz Fernando Castelli, projeta a moeda americana a R$ 3,10 no fim do ano e a R$ 3,00 em 2017. Segundo ele, além do efeito mais imediato da repatriação, medidas que estão sendo adotadas pela equipe econômica de Michel Temer, como a provável aprovação da PEC do teto dos gastos e o andamento da reforma da Previdência vão melhorar a percepção de risco do País e ajudar a derrubar o dólar. Soma-se a isso também a expectativa de mudanças pouco traumáticas na taxa de juros dos Estados Unidos e a elevada liquidez externa.
Em razão da forte movimentação dos últimos dias, a Tendências Consultoria Integrada revisou de R$ 3,42 para R$ 3,17 a projeção do dólar para o fim do ano. Para 2017, a expectativa mudou de R$ 3,53 para R$ 3,28. “Não vejo um movimento sustentável que mantenha o dólar abaixo dos R$ 3,00”, ressalta Silvio Campos Neto, economista da Tendências.
Adriana Dupita, economista do Santander, avalia que o câmbio hoje já está “mais forte do que deveria” e prevê o dólar em R$ 3,45 ao fim do ano e em R$ 3,75 em 2017. Há dois meses, a projeção do banco era, respectivamente, de R$ 3,65 e R$ 3,95.
Inflação. Apesar de reconhecerem as dificuldades das empresas brasileiras em exportar com a desvalorização cambial, economistas – e os próprios empresários – apontam que a queda da inflação, e consequentemente dos juros, são as principais vantagens da aproximação entre dólar e real.
“É uma troca: inflação e juros menores por menor fôlego para o setor exportador”, diz Adriana Dupita, economista do Santander.
Adriana lamenta, contudo, que parte da recuperação da economia esperada para o quarto trimestre e para o início de 2017 possa não ocorrer em razão do ritmo menor da produção voltada ao mercado externo. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para 2017 pode ficar em 1,5%, pois os 2% esperados “ficarão inviáveis sem o setor industrial”, diz.
Na opinião de José Ricardo Roriz Coelho, da Fiesp, é preciso acelerar as medidas que podem melhorar a competitividade do produto nacional. “O custo de produzir no Brasil é, em média, 32% mais caro do que nos países com os quais competimos.” O câmbio, em sua avaliação, é apenas uma parte desses custos.
“A indústria nacional está totalmente desprotegida”, avalia o presidente da AEB, José Augusto de Castro. Recentemente, a entidade encaminhou ao governo federal pedido para que a alíquota do Reintegra, programa que devolve ao exportador parte de seus custos, volte a 5%. Desde setembro do ano passado, a alíquota está em 0,1% e deve ir a 2% em 2017.
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo