A compra da Medley pela Sanofi-Aventis, anunciada na semana passada, deve enterrar definitivamente o modelo de concessão de generosos descontos que prevaleceu em anos recentes pelos fabricantes de genéricos.
A política comercial dos grandes laboratórios nacionais de genéricos já vinha mudando nos últimos meses em razão da escassez de crédito, o aumento nos custos, como insumos importados, e de novas obrigações fiscais, como o regime de substituição tributária, adotado, por exemplo, em São Paulo. Com um modelo mais conservador de gestão financeira, o grupo farmacêutico francês terá controle mais rigoroso na concessão de crédito e prazo aos clientes da Medley, segundo apurou o Valor.
Como resultado, o nível de desconto deverá ser menor e o impacto final será sentido no bolso do consumidor que pagará mais caro por alguns medicamentos. "Não haverá mais abatimentos malucos como 80% e prazos de pagamentos superiores a 200 dias", diz uma fonte. Isso não significa que os genéricos serão mais caros do que os originais, porque, por lei, têm de ser 35% mais baratos, e os laboratórios vão continuar competindo em preço. Mas a forte concessão de descontos como existia até recentemente não acontecerá mais.
A Medley, dona de um faturamento de R$ 458 milhões em 2008 e 127 medicamentos genéricos, foi a maior expoente do modelo de concessão de gigantescos descontos. Essa política levou à liderança no mercado brasileiro de genéricos, com 33% de participação de mercado, mas a conquista teve seu alto custo, que deve ser eliminado parcialmente pela Sanofi-Aventis.
"A Medley terá uma gestão mais focada no seu negócio sem a necessidade de ter de gerenciar uma dívida de curto prazo", opina o presidente da Pró-Genéricos, Odnir Finotti. "A Sanofi soube ver que a Medley era uma grande oportunidade, dando mais credibilidade ao mercado de genéricos do país."
No anúncio da assinatura de compra da Medley na quinta-feira, a Sanofi-Aventis informou que avaliou a empresa de genéricos em R$ 1,5 bilhão (500 milhões de euros). O fechamento da operação é esperado para o segundo trimestre, sujeito a certas condições. A Medley possui R$ 500 milhões em dívidas, e o valor a ser recebido pelos controladores, a família Negrão, será reduzido à medida que outros passivos forem abatidos.
Com a aquisição, a Sanofi volta à liderança do mercado farmacêutico brasileiro, com 12% de participação e passa a ser o maior em genéricos não só no país como também na América Latina depois que o grupo francês comprou no início deste mês o laboratório Kendrick, do México.
Segundo apurou o Valor, a intenção dos executivos franceses é deixar a Medley com certa autonomia em relação à estrutura da Sanofi, cheia de burocracia, que torna a tomada de decisões em Paris demorada num mercado tão específico como o brasileiro. A Sanofi-Aventis e a Medley não concederam entrevista.
A ideia é manter as linhas de produção da Medley em Campinas (SP), que passaram por recente ampliação e modernização com ajuda do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Jairo Yamamoto, que preside a Medley desde 2001, é forte candidato a continuar à frente do negócio, reportando-se ao presidente da Sanofi no Brasil.
A transferência do controle da fabricante de genéricos à Sanofi também revelou as dificuldades de o governo brasileiro de levar adiante seu plano de formação de uma forte farmacêutica brasileira de capital nacional. A Medley, que mal aparecia entre os grandes antes surgimento dos genéricos e figurou como a terceira maior farmacêutica no país em 2008, acabou, ironicamente, nas mãos de um grupo que se formou em 2004 da união da Sanofi-Synthelabo e da Aventis com a forte apoio do governo francês.
Veículo: Valor Econômico