A greve dos caminhoneiros forçou uma pausa em um debate que acirrou os ânimos entre ruralistas e ambientalistas nas últimas semanas: o projeto de lei que altera o registro de agrotóxicos no País. No centro da discórdia está um mercado que movimenta US$ 9,6 bilhões apenas no Brasil.
O Projeto de Lei (PL) 6299/2002, que tem como relator o deputado Luiz Nashimori (PR-PR), atende a uma demanda antiga do agronegócio, a redução do período para concessão de novos registros. Hoje, esse processo leva de 8 a 10 anos no Brasil, enquanto em países como Canadá e EUA esse prazo é de 2 anos e meio, em média. “Essa morosidade atrasa a introdução de novos produtos – que tenham mais tecnologia e sejam mais baratos – e cria dificuldades aos produtores. A falta de ajustes nesse sistema vem causando prejuízos há muito tempo”, avalia o consultor em tecnologia da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Reginaldo Minaré.
Entre as medidas propostas, uma das mais polêmicas é a concessão de um registro temporário para produtos que ainda não tenham sido avaliados após um ano da solicitação, período bastante inferior ao praticado atualmente no País.
Conforme o diretor executivo da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), Mário Von Zuben, essa autorização provisória só seria concedida a produtos que já possuem registros em pelo menos outros três países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Isso garante que pelo menos outros três órgãos reguladores avaliaram o produto”, justifica o dirigente.
Outro ponto controverso é a concentração dos pedidos de registro no Ministério da Agricultura (Mapa), que também teria a palavra final sobre a aprovação dos defensivos. Hoje, ao solicitar o registro, os fabricantes precisam fazer pedidos também na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que é responsável pela avaliação toxicológica, e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), que avalia os impactos ao meio-ambiente. Todos os órgãos têm poder de veto.
Em entrevista ao DCI, o relator do PL 6299 argumenta que isso não faz com que os órgãos deixem de cumprir suas funções. “O que queremos é integrar apenas o pedido dos processos de análise por meio do Mapa, para que a indústria pague apenas uma taxa”, diz Nashimori.
Tanto Anvisa quanto o Ibama discordam. Em nota, o instituto afirma que as mudanças propostas são “inviáveis ou desprovidas de adequada fundamentação técnica e, até mesmo, contrariam determinação constitucional.”
Briga de gigantes
O projeto recebeu duras críticas de ambientalistas e a campanha contra sua aprovação ganhou o apoio de celebridades, entre elas a modelo brasileira Gisele Bündchen, que argumentam que as mudanças podem ampliar o uso de produtos químicos nas lavouras. O Greenpeace defende a manutenção da lei atual e a criação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, um plano para diminuição progressiva do uso de agroquímicos. O assunto ganhou uma comissão especial nesta semana na Câmara dos Deputados.
“A lei atual oferece proteção, ainda que em um cenário ruim de fiscalização. Ela precisa de atualização, sim, mas o que esse projeto faz é um desmonte”, avalia a especialista em agricultura e alimentação do Greenpeace, Marina Lacôrte.
Segundo ela, a justificativa de celeridade apresentada pelos fabricantes é infundada. “Para que o processo de aprovação dos produtos seja mais rápido, é preciso que os órgãos responsáveis tenham mais estrutura, recursos e pessoal, e não uma lei mais flexível”, argumenta a especialista. A ONG também é contra a limitação das atribuições do Ibama e da Anvisa e a liberação temporária de produtos sem avaliação no País.
Marina ainda destaca a proposta de alteração da avaliação de risco. Atualmente, um produto que seja considerado perigoso para a saúde não é aprovado. O PL, entretanto, prevê que esses itens também tenham o risco de aplicação avaliado e possam ter o uso autorizado a partir da definição de um limite. “Como determinar um ‘risco aceitável’ para uma substância cancerígena? Isso não existe.”
O doutorando da Faculdade de Saúde Pública da USP, Rafael Buralli, que dedicou sua tese de mestrado e a de doutorado aos impactos dos agrotóxicos na saúde humana, acredita que a proposta é perigosa, pois flexibiliza uma regra que já é flexível. “Temos em uso no Brasil 14 produtos que já estão proibidos em outros países devido à alta toxicidade”, exemplifica.
Outro ponto questionado é a troca de denominação dos produtos de “agrotóxicos” para “defensivos fitossanitários”, ou ainda “pesticidas”. “Isso é apenas um exercício de retórica e o agricultor é limitado em seu acesso a informação”, argumenta.
Para Von Zuben, da Andef, muitas das críticas feitas ao PL são distorções em relação ao texto. “Ninguém quer correr o risco de entregar um alimento que não seja seguro.” Já o relator do projeto afirma estar disposto a fazer ajustes ao texto, que deve voltar à pauta do Congresso. “Acredito que não tenhamos muito a mudar, pois as sugestões que recebi não têm fundamento”, assinala.
Fonte: DCI