Caixas de medicamentos à venda no Brasil terão tecnologia especial de rastreamento para combater a indústria bilionária da falsificação e do comércio ilegal
Revista EXAME - A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apreendeu 170 toneladas de medicamentos somente nos primeiros três meses deste ano. Foram milhares de caixas de remédios falsificados, roubados ou sem registro. As apreensões representaram um salto de quase nove vezes sobre o total de 2008. Mas o enorme mercado ilegal de remédios, que chega a movimentar entre 5 bilhões e 8 bilhões de reais por ano, pode estar perto de ser cortado pela raiz - com o apoio da tecnologia digital. Um sistema de monitoramento capaz de rastrear toda a cadeia de produção dos medicamentos vendidos no Brasil, desde os fabricantes até o varejo, começa a ser testado neste ano. Cada caixa terá um código digital que conterá as seguintes informações: quem fabricou o remédio, quando, qual foi a data de expedição da fábrica e qual o distribuidor de destino. Todas as informações serão arquivadas em um banco de dados único controlado pela Anvisa, um grande repositório central da procedência dos remédios legalmente produzidos e vendidos no Brasil. "Será um verdadeiro RG do medicamento. Por meio dele, será possível saber todo o caminho que o remédio percorreu e até mesmo identificar se ele foi roubado", afirma Dirceu Raposo de Mello, presidente da agência.
Ao lado das falsificações, o roubo de carga traz grandes prejuízos aos laboratórios. Juntas, as perdas ultrapassam 10 bilhões de reais por ano, ante um faturamento de 23 bilhões de reais. Os preferidos dos criminosos são os medicamentos para disfunção erétil, câncer, HIV, abortivos e anabolizantes, segundo Marcelo Liebhardt, da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). O rastreamento ajudará a coibir o roubo de cargas especialmente porque o banco de dados central controlado pela Anvisa receberá as informações dos distribuidores - os intermediários entre os fabricantes e as farmácias - e também do varejo. O projeto prevê que as farmácias tenham leitores dos novos códigos do medicamento à disposição dos clientes. Ao escanear um remédio pelo equipamento, o consumidor terá a garantia de que se trata de um produto de procedência legítima. A medida também é uma forma de inibir a falsificação. Mesmo que as caixas sejam fraudadas, não haverá informações registradas no código digital gravado na caixa dos remédios. "O sistema vai representar tolerância zero contra o roubo, a falsificação e a sonegação fiscal", diz Liebhardt.
O projeto é fruto de uma lei federal, e sua estreia oficial deve acontecer somente no início do ano que vem. Mas os laboratórios já começam a preparar sua infraestrutura para a implantação da tecnologia de rastreamento. A preferência unânime na diretoria da Anvisa é o código bidimensional (2D), também chamado de QR Code. Geralmente na forma de um quadrado com vários pontos pretos e brancos, esse código tem grande capacidade de armazenamento de dados que serão gravados na caixa dos medicamentos por uma impressora a laser. Estima-se que o investimento total para colocar o sistema em funcionamento chegue a 150 milhões de reais. Cada laboratório deve investir, em média, 180 000 reais para que cada uma de suas linhas de produção possa também imprimir o código digital nas embalagens. O laboratório Aché, por exemplo, tem 30 linhas, o que geraria custos de mais de 5 milhões de reais. A Biolab Farmacêutica já adaptou a produção para a impressão de 2D em suas embalagens. "Os investimentos são altos, mas o cerco ao mercado ilegal compensa", diz Márcio Lopes, gerente de TI da Biolab. As redes de farmácia começam a pensar na adoção de leitores de código bidimensional - que custam cerca de 2 000 reais. A Drogaria Onofre, com 34 lojas no Sul e no Sudeste, precisará de pelo menos 140 aparelhos, além de criar o software para abastecer o banco de dados da Anvisa. Quem comemora as oportunidades são as empresas de software, como a paulista Active, de sistemas de automação para laboratórios. A empresa faturou 4 milhões de reais no ano passado e projeta receitas de 9 milhões de reais com os projetos de rastreabilidade.
Na terceira etapa do sistema de controle, prevista para 2012, até mesmo os médicos devem ser envolvidos. A ideia é que os remédios receitados aos pacientes também sejam inseridos no banco de dados. Dessa forma, a Anvisa poderá identificar, por exemplo, eventuais discrepâncias entre o número de prescrições e o volume de vendas de um determinado remédio - o que pode indicar que as farmácias não estão exigindo a apresentação das receitas. Mas, se de um lado a preparação para esse avanço tecnológico no rastreamento já começou, um desafio ainda precisa ser superado. "O ponto frágil é a educação dos consumidores", diz Mello, da Anvisa. O desafio será comunicar a possibilidade de consulta ao código, sob pena de cair na mesma situação da "raspadinha", mecanismo antifalsificação que exibe uma marca d’água comprovando a autenticidade do medicamento. Apesar de existir há sete anos, poucos consumidores sabem desse sistema.
Veículo: Revista Exame